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GUEST POST: HUMOR SEXISTA E BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

O "caso Fabíola", como vem sendo chamado um vídeo que deveria ser privado, sobre uma moça que foi ao motel com o melhor amigo do marido e foi flagrada e filmada, fala muito sobre nossa cultura machista.

É evidente que, se o adúltero fosse um marido, não haveria vídeo de flagra. Ou, se houvesse, seria da esposa traída batendo... na amante. É assim que se perpetua a violência contra a mulher: aplaudindo essa violência, pedindo mais, "apedrejando a adúltera". Depois o Enem coloca redação pra analisar a persistência da violência contra a mulher e vem gente dizer que isso é pauta feminista e, por isso, nem deveria ser discutido.

E ainda tem gente que quer liberar as armas, para que fique ainda mais fácil matar as pessoas em momentos de descontrole. "Momentos" que são ensinados ao longo da vida. "Descontrole" gerado por toda uma sociedade que diz ao homem que não há nada pior do que "ser corno". Que ele precisa limpar sua honra, seja com sangue, seja filmando e jogando a tragédia da vida privada na internet.

Samira Hanna, estudante do 3o ano do ensino médio em SC, tem apenas 16 anos. Mas escreveu este texto super maduro sobre o "caso Fabíola". Amanhã publicarei outro.

Recentemente, o caso Fabíola virou um vídeo viral nas redes sociais. Após supostamente ser infiel ao marido, Fabíola foi flagrada, agredida e filmada, em um motel, com o melhor amigo do marido. Teve a vida divulgada ao público. Fabíola se tornou mais uma mulher que foi exposta na internet, que foi réu de um júri leigo, baseado em achismos, e os juízes somos nós, eu você, o tio, o avô e o Brasil inteiro.

Rótulos da sociedade patriarcal

"Tanta piranha, Léo, sacanagem, Zé" -- fala o amigo narrador

Fabíola era casada, Léo (o amante) também. Mulher trai por quê? Porque é piranha. Homem trai por quê? Porque a mulher não satisfaz em casa. Na citação acima o narrador do vídeo já diz: tanta “piranha” por aí e você tem de pegar a mulher do teu amigo, justificando, que, se fosse com outra, não haveria problema algum.

Já Fabíola será eternamente tachada de puta, Léo será no máximo o amigo traíra, e o marido será o “corno justiceiro”. Tudo isso se esquece com o tempo, só que “puta” não se esquece. Fabíola foi um dos assuntos mais comentados do Twitter. Imagina o impacto disso nos círculos afetivos e na família dela. Dificilmente ela vai conseguir andar na rua sem ter alguém que a julgue, dificilmente ela voltará a ter a mesma relação de antes com os conhecidos.

Todo dia a sociedade nos mostra que trata homens e mulheres de um jeito diferente. Todos fazem sexo, mas apenas para a mulher fazer sexo é errado. Se ser ativa sexualmente é errado para as mulheres, para os homens é motivo de status. “Lá vem à rodada”, “lá vem o garanhão”, percebeu a diferença? Mulher boa é aquela dona de casa, no melhor estilo Amélia, cuida dos filhos e do marido; homem bom é o “comedor”.

Quando queremos ofender uma mulher, a chamamos de puta, prostituta, biscate, entre outros, mas é sempre relacionado a sua sexualidade, a “manchar sua reputação”. Quando queremos ofender um homem dizemos que ele é feminino: o chamamos de mulherzinha, gay, boiola, entre outros "insultos" que, numa sociedade misógina, põem em xeque seu status de machão.

Banalização da violência

O marido “corno justiceiro” fez seu status de machão valer, chegou quebrando tudo, mostrou que foi homem o suficiente, “lavou a sua honra”, agrediu a esposa.

E alguém por acaso, na hora de dar opinião, lembrou de que agressão é crime? Alguém por acaso se revoltou por ela estar sendo agredida e exposta a todos? Não.

“Ela mereceu, estava pedindo, estava traindo”.

“Vagabunda, se estivesse em casa cuidando dos filhos não teria apanhado”.

Ninguém que não seja masoquista gosta de violência. A questão é: a traição dela foi algo errado? Foi sim. A traição dá o poder ao marido de agredir a esposa? Não. Óbvio que não.

Relação saudável

"O que é que você armou comigo, velho? O que você armou comigo, sô?"

"Quer acabar com sua família, velho, acabar com tudo?"

"Confiava demais em você, esperava qualquer coisa dela." –- Marido traído

Confiança é essencial em um relacionamento, certo? Na citação acima o marido afirma não confiar em sua esposa; porém, confia cegamente no amigo. Há um erro aí: por que ele não está casado com o amigo, já que confia tanto nele? Que tipo de pessoa permanece em um casamento em que não confia na parceira?
Fabíola dividia uma vida com o marido. Ela errou em trai-lo, mas não conhecemos o lado dela. Pelo jeito ela e o marido, duas pessoas adultas, não dialogaram.

Humor sexista

"Tamo vendo aqui a Fabíola, no motel com o Leo, tá" -- narrando o episódio.

"Que isso, Fabíola, que isso, Leo!"

"Desce do carro Fabíola, mostra a cara aqui ó."

"Ei menino, pode chamar a polícia!"

"Parabéns pra vocês dois hein, velho! Que papelão, hein?"

O “amigo” do marido, que estava gravando a cena, narrava tudo em um tom "engraçado", colocava lenha na fogueira. Quando mandamos, fotos/ vídeos íntimos ou quando reproduzimos alguma piada sobre a vida alheia, não estamos fazendo muito diferente desse amigo.

É hora de pararmos de reproduzir machismo e desgraça alheia. Vamos refletir: e se fosse com você, caro leitor? Você gostaria de ter sua intimidade divulgada?
Mude o mundo, comece por você.

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