GUEST POST: JE NE SUIS PAS CHARLIE
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GUEST POST: JE NE SUIS PAS CHARLIE


Capa vira cartaz em vigília em Paris: "O amor é mais forte que o ódio"

O terrível massacre ao semanário satírico Charlie Hebdo, em Paris, que matou doze pessoas e feriu várias outras (algumas ainda em estado crítico) continua repercutindo.
Eu não conhecia a publicação, que era considerada de extrema esquerda. No meio do apoio de milhões que estão dizendo "Je suis Charlie" (eu sou Charlie), apareceram pessoas pra dizer: peralá, a revista publicava muita coisa xenofóbica, racista, homofóbica e machista! Como se dizer "Charlie" diante de alguns cartuns?
Acho que se posicionar contra o ataque é primordial. Por piores que sejam algumas piadas, eu não defendo que alguém seja assassinado por causa delas. Isso é ponto pacífico. Mas também é preciso entender que não são apenas bombas e tiros que promovem o ódio. Palavras também servem pra isso. Piadas não são "só uma piada", são um discurso. Discurso que pode levar à ação.
Criticar o tipo de humor que a Charlie fazia não equivale a apoiar o ataque terrorista. Por exemplo, o Pasquim, aqui no Brasil, foi uma publicação importantíssima no combate à ditadura militar. Mas é preciso reconhecer também que aquela equipe talentosa, feita toda de homens brancos, era estupidamente machista. Se o Pasquim tivesse sido, na época, alvo de um atentado cometido por gente do comando de caça aos comunistas, ou pela própria polícia estatal, qualquer pessoa minimamente sensata seria contra o ataque. Mas ter sido atacado não colocaria o Pasquim acima de críticas.
Só que a condenação ao ataque tem que vir em primeiro lugar.
A islamofobia da direita mais ignorante
É também preciso cuidado para não generalizar e não ver o massacre, causado por alguns islâmicos extremistas, como representativo de toda uma religião. Até porque a islamofobia é o maior combustível da extrema direita na Europa (e, acredite, só reaças querem a direita de volta). 
Não tenho admiração alguma pelo islã ou por qualquer outra religião. Respeito quem segue religiões individualmente, mas como um conjunto, como uma ideologia, acredito que muitas religiões geram intolerância e causam mais mal do que bem. Causam atraso mesmo. Exijo viver num estado laico (e vale dizer que estamos bem longe disso aqui no Brasil).
Reproduzo aqui o texto que a historiadora Natália Van den Eynde, que vive na Bélgica desde 2011, publicou no seu blog hoje. A Valéria também escreveu um post muito bom. Este é o da Natália:

A primeira reação de qualquer pessoa que tenha o mínimo de sensibilidade diante de tamanha barbaridade é aderir à causa "Je suis Charlie", li algumas dezenas de vezes na minha timeline ontem. Quase foi a minha reação também. 
Confesso que não conhecia a revista Charlie Hebdo, não conhecia a fundo a história, mas quando vi que se tratava de uma revista de extrema esquerda sendo atacada (literalmente) por charges contra o islã, preferi digerir um pouco antes de opinar. Havia uma questão de valores aí que para mim não batia.
A revista foi criada no final da década de 60, um contexto totalmente diferente de hoje. Quero deixar claro que acredito muito na arte como forma de protesto, mas me parece que a revista acabou tomado outro rumo nos últimos tempos. Foram alfinetadas ácidas que para mim causaram mais efeito colateral do que instigaram o pensamento e a discussão. Separei algumas das capas que achei mais indigestas.
Eu nunca tive muito saco pra piada e com o passar dos anos foi piorando. Não sou consumidora de humor, não gosto de comédia, não contem piada pra mim, por favor! Gosto de humor bem pastelão ou situações engraçadas onde se ri com e não de. Odiaria ver uma piada racista, sexista ou gordofóbica estampada na capa de uma revista. Essas são as categorias que mais me ofendem, pessoalmente falando. 
Charge da Charlie Hebdo
Mas a empatia me faz entender a ofensa sofrida por um homossexual, muçulmano, católico, umbandista... Desculpe, não consigo entender como algumas dessas charges incitam discussão política. Eu só vejo ofensa e acho que ofender pessoas não deveria ser direito de ninguém. Ok, uma caneta não mata ninguém, concordo. Chamar um negro de macaco também não mata -- tá liberado por isso?
Mesmo no calor dos acontecimentos, acho que vale uma análise mais cuidadosa. Liberdade de expressão não pode ser desculpa para desrespeito, essa sempre foi minha opinião e não vai mudar. Se a revista questionava a ordem em vigor, vai bater nos muçulmanos por quê? Que força política eles representam na França? Veja bem, não estou falando do terrorismo, estou falando de representação política, poder de verdade, no papel. As mulheres sequer têm direito de usar burka em público (não vou entrar nessa discussão aqui, entendo os motivos que levaram a proibir a burka na França, mas ainda acho que fere o direito de decidir sobre o próprio corpo). 
Quem mora na Europa e tem o mínimo de senso crítico (não estou falando dos que acham que porque moram aqui há três anos, falam o idioma e não são muçulmanos/árabes já receberam o selo europeu de qualidade) sabe o caldeirão étnico prestes a entornar que é isso aqui. Liberdade de expressão pode soar bonito, mas há que se ter discernimento para entender que os tempos mudaram e insistir nesse anacronismo pode ser perigoso, como foi.
Acho que amadureci, ou talvez só tenha ficado careta. Cheguei aos 30, me casei, tenho um emprego trivial, adoro cozinhar. Aprendi a falar menos e escutar mais, acho que foi uma evolução forçada pelo idioma estrangeiro, ossos do ofício. E penso em ser mãe num futuro próximo, por isso "Je ne sui pas Charlie". 
"Não temos mais putas.
Graças a Deus ainda temos
Miss França"
Por mais que digam o contrário, acho que isso seria endossar a ¨liberdade de expressão¨ distorcida que discordo e isso eu não posso fazer. Adoraria que meus filhos pudessem viver num mundo onde não se cala a voz discordante com tiro de fuzil, mas também que pessoas não sejam humilhadas gratuitamente em prol do humor ou de uma liberdade que definitivamente não contempla a todos. 
Gostaria de um mundo com mais amor e respeito em todos os quesitos, onde as pessoas gastassem menos energia com coisas que além de não gerar bons frutos, correm o risco de se tornarem belos tiros saindo pela culatra. 
O semanário não ia querer
a volta da direita na Europa
Torço muito para que os culpados sejam punidos. O que aconteceu é inadmissível. Mas se pensarmos com um pouco mais de frieza, o que fica dessa história? Na minha opinião, duas coisas: a dor da perda de entes queridos às famílias e (veja bem a ironia do destino porque se trata de uma revista que se posiciona como esquerda radical) um desserviço enorme já que a direita ultra conservadora vai, mais uma vez, usar essa carta para insuflar xenofobia num cenário que já não está favorável há muito. Valeu a pena?




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