GUEST POST: MANIFESTO CONTRA A CULTURA DO ESTUPRO
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GUEST POST: MANIFESTO CONTRA A CULTURA DO ESTUPRO


Recebi hoje este manifesto da PoliGen -- Grupo de Estudos de Gênero da Poli, que publico aqui na íntegra.

Na manhã de 08 de outubro mais uma menina sofreu um ato de violência. Uma mulher foi atacada e sofreu uma tentativa de estupro por um homem no banheiro feminino da Escola Politécnica.
Infelizmente este não foi um caso isolado, e infelizmente sabemos que muito provavelmente não será o último. Nós, do PoliGen, amparadas por inúmeros estudos nacionais e internacionais, afirmamos que a violência de gênero é algo cotidiano e muito mais frequente do que se imagina. O combate às diversas modalidades de violência de gênero só começa ao entendermos a raiz do problema e o quanto ele está entranhado na nossa própria cultura. Assim, este é um problema de tod@s nós, já que, tod@s estamos sujeitos ou sofremos este tipo de violência ou a praticamos em seus diversos graus.
A violência contra as mulheres não está confinada a uma cultura, uma região ou um país específico. Nem a classes sociais, nem a grupos de mulheres em particular dentro de uma sociedade. A origem da violência contra as mulheres é a discriminação persistente. 
Entendemos violência contra mulheres em sentido amplo, o que inclui agressão verbal, psicológica, física e econômica. Práticas coercitivas como incitar colegas de curso ou trabalho a abdicarem da afirmação explícita de seus direitos também é uma forma de violência. “Brincadeiras” e piadas diariamente ouvidas, bem como “elogios” indesejados e insistentes, também são uma violência, subjetiva, implícita e socialmente aceita. Tristemente.
Cerca de 70% das mulheres sofrem algum tipo de violência no decorrer de sua vida (ONU). As mulheres de 15 a 44 anos correm mais risco de sofrer estupro e violência doméstica do que câncer, acidentes de carro, guerra e malária, de acordo com dados do Banco Mundial. Calcula-se que, em todo o mundo, uma em cada cinco mulheres se tornará uma vítima de estupro ou tentativa de estupro no decorrer da sua vida. A cada 2 minutos cinco mulheres são espancadas e a cada três minutos uma mulher é violentada no Brasil. 
A cada duas horas uma mulher é assassinada no Brasil. Esses números apresentados pelo Ministério da Saúde colocam o país em 12º no ranking mundial de homicídios de mulheres vitimadas por parentes, maridos, namorados, ex-companheiros ou homens que foram rejeitados por elas.
Apesar de elevados, esses números não retratam fielmente o problema. Isso deve-se a fatores como a dificuldade de identificar e registrar os casos de violência, levando à subnotificação. Ou seja, deve-se à não denúncia dos atos violentos. E a não denúncia é, em parte, decorrente da falta de percepção da situação como violenta, e do receio do estigma de ter sido vítima de violência. A não denúncia está relacionada de maneira ainda mais forte a uma tendência cruel de culpabilização da vítima.
Uma tentativa de estupro pauta-se no fato de que, por algum instante perdido entre o preconceito e o desvio de caráter, um homem pressupõe que uma mulher deve fazer sexo com ele mesmo contra sua vontade. Um homem, ao imaginar que uma mulher, por assim sê-lo, deve servi-lo sexualmente ou de qualquer outra forma, está sendo machista. 
O ocorrido com a estudante da Poli, e com tantas outras mulheres, foi um ato de violência de gênero e deve ser entendido e tratado como tal. A estudante não foi atacada por ter posses, por ser aluna, por ser sido descuidada ou qualquer outra justificativa que normalmente se usa. Foi por ser mulher.
É imprescindível a desconstrução do que é denominado de “cultura do estupro”, ou seja, um clima culturalmente favorável à objetificação do corpo e da sexualidade feminina, onde entende-se que certos comportamentos tornam aceitável o uso do corpo da mulher pelo homem sem seu consentimento. Pode ser difícil reconhecer elementos dessa cultura no nosso cotidiano, mas quando se aconselha mulheres a se portarem de certa forma, evitarem certos lugares, certos horários, certos comportamentos, certos tipos de roupas, estamos ratificando a cultura do estupro. E cerceando a liberdade dessas mulheres.
Ao achar que esse problema está localizado fora do nosso contexto, ao sugerir a implantação de catracas para isolar os membros considerados “estranhos” ao nosso ambiente, ao imaginar que este é um acontecimento isolado ou uma violência como qualquer outra, estamos novamente ratificando a cultura do estupro, e acrescentando a ela um outro preconceito, que distancia pessoas de bem de outras pessoas pela maneira com que se vestem, ou pela classe social a que pertencem ou ainda pelo nível de educação formal que possuem.
Infelizmente, nossa Universidade e nossas entidades estudantis, após corroborarem com a cultura do estupro seguidamente e sem repreensão ou punição, agora pouco sabem lidar com o problema, pois insistem em dizer que esse problema não existe -- trata-se de um problema “maior, um problema de segurança".
E a problemas de segurança tradicionalmente são dadas respostas como: aumento de policiamento militar, restrição ou controle de acesso nos locais. Tais tipos de medida não se propõem a atuar para a transformação do comportamento das pessoas, mas criam bolhas ilusórias de segurança. A morte de um estudante da FEA foi pretexto para a ação incisiva da Polícia Militar nos campi da USP com a chancela institucional. A presença de "polícia no campus" foi suficiente para evitar o que ocorreu na manhã 08 de outubro? Seria suficiente? 
Agora discutem-se catracas e controle de acesso aos prédios na ânsia de dar algum tipo de resposta -- precipitada e incauta -- ao ocorrido sem que se toque no real problema. Pensemos: Catracas impediriam o agressor? Infelizmente, os dados mostram que a maior parte dos agressores são pessoas próximas e do convívio. É muito possível que o agressor passasse ileso por uma eventual catraca.
Precisamos ter auto-crítica e entender que a universidade não se aparta da sociedade. Pelo contrário, reproduz seus conceitos e preconceitos. E se há algo que deve ser nato do ambiente universitário é a capacidade de empreender uma crítica lúcida. A resposta a este caso não é trancar as portas, isolar os espaços e acreditar que os vilões ficarão do lado de fora. Vale lembrar que o homem que foi marido da Maria da Penha e a agrediu era um professor universitário. Vale ressaltar mais uma vez que a maioria das mulheres sofrem violência de pessoas conhecidas e próximas. 
Posto isto, reivindicamos da Universidade de São Paulo, bem como da Escola Politécnica, que sejam tomadas as seguintes medidas:
(i) podar frequentemente das árvores e arbustos dos campi;
(ii) prover iluminação adequada para as pessoas em toda área dos campi;
(iii) evitar a constituição física de espaços isolados, escuros e vazios;
(iv) haver um canal de comunicação semelhante ao disque-trote para receber denúncias de violência contra a mulher, garantindo assistência e anonimato à vítima;
(v) proporcionar preparação e treinamento específico da Guarda Universitária para lidar com casos de violência contra mulher;
(vi) aumentar o efetivo feminino da Guarda Universitária;
(vii) dado que existe o convênio com a Polícia Militar, exigir que o atendimento das ocorrências por uma equipe que conte pelo menos com uma policial feminina, adequadamente treinada;
(viii) empreender campanha institucional de conscientização sobre o machismo para estudantes, servidor@s docentes e não docentes incluindo orientações de assistência à vítima e a divulgação do número 180 - Central de Atendimento à Mulher;
(ix) constituir uma política institucional clara de coibição e punição a qualquer forma de violência contra a mulher, entendida em um sentido amplo;
(x) estimular o fluxo de pessoas pelo campus, pois entendemos que mais olhos é que trazem mais segurança.

Este manifesto dialoga com este: A PM na USP não protege as mulheres.




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