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GUEST POST: O ASSASSINATO DO LEÃO E AS LIÇÕES SOBRE ÉTICA E ESPECISMO
Robson, colaborador habitual aqui do blog, e autor do Consciência e do Veganagente, me cedeu este texto seu. Como ativista dos direitos animais, Robson tem tudo para acrescentar à discussão.
Boa parte do mundo ficou consternada com o cruel assassinato do leão Cecil, que era tido como um “símbolo” no Zimbábue, por um dentista estadunidense que gosta de caçar. Dessa reação, que envolveu pessoas veganas e não veganas, podemos tirar algumas lições sobre ética, empatia, superação do especismo e “veneração” ao princípio do “olho por olho, dente por dente”.
Muito se falou da indignação seletiva de muitos não vegans e também de muitos vegans perante o crime do dentista. De um lado, pessoas não veganas ficaram revoltadas e, em sua reação, deixaram claro que consideram moralmente animais de algumas determinadas espécies (cães, gatos e espécies selvagens) muito mais do que os de outras (animais “de consumo”).
E do outro, muitos vegans também mostraram que ainda não conseguiram se livrar por completo de suas antigas crenças especistas. Dedicaram uma atenção desproporcional à morte de Cecil como se ele fosse moralmente superior a incontáveis porcos, bovinos, caprinos, galináceos, peixes etc.
E das duas categorias, não faltaram exortações para que o dentista caçador fosse igualmente caçado e trucidado por vingadores. A crença de que exploradores e matadores de animais não humanos devem “pagar com a mesma moeda” foi um lugar-comum nas manifestações de indignação. Daí podemos refletir sobre essas várias questões. Em primeiro lugar, trago uma reflexão dirigida a quem ainda não aderiu ao veganismo.
O que Cecil tinha que os animais criados pela pecuária não têm?
Perguntemo-nos o que Cecil tinha, fora o prestígio cultural dentro e fora do Zimbábue, que os bilhões de animais “de produção” que são mortos para consumo em todo o mundo não tinham ou não têm. Pensemos no que faz os humanos das sociedades modernas dividirem o Reino Animal em animais “para respeitar e valorizar” e seres “para explorar e consumir”.
O falecido “rei leão” zimbabuano tinha mais vontade de viver e ser livre do que um porco que vive toda a sua vida preso numa baia ou um boi que passa seus menos de dois anos de vida confinado num cercado? Sua vida tinha mais valor moral do que a de um animal dito “de consumo”? Se sim, por quê? Tente responder.
No final das contas, poderemos chegar à conclusão de que cada pessoa não vegana, por mais que se recuse a pensar sobre e admitir, e por mais que tenha chorado a morte de Cecil, tem dentro de si um pouco do dentista caçador. A atitude moral dele perante os seres não humanos não difere muito da de quem sabe que a pecuária e a pesca são atividades alicerçadas na desigualdade moral, na violência e na injustiça, mas, ainda assim, insiste em continuar consumindo produtos de origem animal.
Tanto o caçador quanto o onívoro que não se importa (não confundir com “não conhece”) com os Direitos Animais obtêm parte do prazer de suas vidas na miséria de animais não humanos. Ora é o paladar que deseja carnes e laticínios, ora é o regozijo psicológico obtido do ato de matar um “rei da selva”. Ambos têm a mesma base moral de inferiorização dos animais não humanos: o especismo, a crença de que os seres humanos têm totais e tirânicos poderes de decidir sobre a vida e a morte dos demais animais. Pense sobre isso.
Vegan, mas ainda hierarquizando vidas e desejando violência? Por quê?
A segunda reflexão deste texto é sobre a atitude de quem se diz vegan mas deu um peso muito maior ao assassinato do leão do que às tantas vítimas da pecuária e da pesca, além de terem desejado desgraças para o caçador. Pessoas assim dizem que saíram da moral especista e violenta, mas mostram que o especismo e a cultura de violência ainda não saíram delas. Isso pôde ser visto a partir das reações de fúria perante o crime. Muitos vegans desejaram as punições mais atrozes possíveis ao caçador, manifestando um ódio que não sentem, por exemplo, de pecuaristas, donos de navios pesqueiros e empresários da aquicultura.
Nessa reação raivosa, erraram duas vezes. Primeiro, ao colocarem Cecil num pedestal de “animal especial” construído pela cultura especista, quando o que deveriam ter feito, enquanto vegans e supostamente abolicionistas, era demolir todos os pedestais de superiorização moral de alguns indivíduos ou espécies. Segundo, ao desejarem vingança contra o assassino do leão, ao invés de exigirem uma justiça que lhe dê a possibilidade de, no futuro, arrepender-se do crime, abandonar o hábito de caçar e abraçar com sinceridade o respeito aos animais.
Lembro o conceito que a teórica abolicionista Sônia T. Felipe elaborou alguns meses atrás: o xenoespecismo. Uma pessoa é xenoespecista quando manifesta dedicar mais valor moral a animais de certas espécies mortos em outros países do que àqueles que são cotidianamente explorados e abatidos na sua própria nação. Além disso, o xenoespecista reserva aos especistas de outros países (exemplo: chineses e coreanos que comem carne de cachorro, e toureiros espanhóis) um urrado ódio, inclusive xenofóbico, que evitam dirigir aos de seu país (ex.: brasileiros que adoram rodízios de carne, dizem “não viver” sem picanha, galeto e bacon e escrevem comentários carnistas antiveganos).
As tantas ocorrências de xenoespecismo entre pessoas autodeclaradas veganas na internet perante o caso Cecil evidenciam que ainda há muita gente que não entendeu muito bem o que são de fato o veganismo e os Direitos Animais por ele defendido. São pessoas que abandonaram o consumo de produtos evitáveis oriundos de exploração animal, mas ainda persistem em considerar, por exemplo, o assassinado “rei leão” das savanas do Zimbábue moralmente superior ao porco sem nome que tem um brinco numerado preso na orelha e está a dois dias de ser mandado para o matadouro.
Isso aponta para o fato de que a conscientização não deve ficar restrita ao sentido “vegans => não vegans”, mas também abranger o sentido “vegans abolicionistas veteranos => vegans novatos e pessoas em transição para o veganismo”.
Além disso, deve ser maximamente problematizada a demanda odienta de muitos vegans anti-humanistas pelo assassinato do dentista matador de Cecil. A defesa da vingança, manifestada em detrimento do desejo por justiça e mudança de consciência, é um tiro de fuzil no pé da defesa dos Direitos Animais.
Quando se deseja que um caçador sofra pena de morte -– autorizada ou não pela lei -– ou um peão de rodeio seja esmagado pelas patas do touro que corcoveia, está-se reproduzindo a crença de que o ser humano que adota uma postura antiética grave “não pode” se arrepender e mudar por consciência, e que só irá parar de cometer iniquidades quando morrer. Está-se descartando a possibilidade de muitos seres humanos serem devidamente educados e induzidos à conscientização. Também se está aí duvidando da capacidade do ser humano de se tornar ético depois de uma vida de pecados contra os animais não humanos.
O anti-humanista que demanda vingança letal contra matadores de animais ignora os diversos casos de algozes de seres não humanos que mudaram de consciência e coração. Entre esses exemplos, estão o ex-pescador de golfinhos Izumi Ishii, o ex-toureiro Álvaro Múnera, o ex-peão Gui Pádua, o ex-apicultor Leandro Petry e o ex-pecuarista Howard Lyman. Se dependesse de quem hoje declara ódio mortal pelo algoz de Cecil, todas essas pessoas teriam sido cruelmente assassinadas e jamais teriam tido a oportunidade de mudar de lado.
É possível que o matador do leão zimbabuano se arrependa no futuro. Ou talvez nunca reconheça o erro que é matar animais por diversão. Mas, arrependendo-se ou não, uma coisa é certa: ele tem uma probabilidade maior que zero de mudar de consciência nos próximos anos, e essa probabilidade será zerada se ele for morto em punição à morte de Cecil.
Este artigo, vislumbrando essas questões, convida as pessoas não veganas e as já veganas a refletir. Às primeiras: pensem se realmente faz sentido considerar Cecil moralmente superior a um boi de uma fazenda mato-grossense ou um peixe da costa atlântica brasileira. Às últimas: pensem no que corresponde melhor à ética vegana e à expansão do abolicionismo –- matar o caçador ou dar-lhe a oportunidade de mudar de lado e buscar a redenção.
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