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GUEST POST: ATEÍSMO IDEOLÓGICO E DIREITOS ANIMAIS
Neste guest post, o Robson, do blog Consciência, faz a conexão entre ateísmo ideológico (que ele explicou o que é na semana passada) e direitos dos animais.
Nunca foi nem nunca será prerrequisito ser vegetariano para ser um ateu ideológico. Mas é difícil negar que há conexões entre os diversos aspectos do ateísmo ideológico e os Direitos Animais (DA) -– e que, no final das contas, torna-se questão de coerência um ateu dessa categoria se tornar veg(etari)ano e simpatizante ou defensor da causa abolicionista animal.
Cada aspecto citado do ateísmo ideológico tem algo que combine com a ética animal:
a) Descrença em deuses (e em códigos morais absolutistas)
A inexistência de deuses e a irreligião implicam que não existe uma ética/moral absoluta e de origem divina regendo a conduta dos seres humanos. Nisso os ateus se deixam reger por uma ética exclusivamente secular, que muda ao longo dos tempos -– e são suscetíveis a analisar, aprovar e assim aceitar as mudanças progressistas nessa ética.
Essa ética secular, que Richard Dawkins chama de
zeitgeist moral, vive em permanente mudança, há milênios, e continuará se transformando até a extinção da humanidade. Antigamente legalizava a opressão oficializada de minorias (mulheres, estrangeiros, pessoas de outras religiões etc), inclusive permitindo a escravidão de seres humanos. Pouco a pouco foi (e vem) derrubando uma a uma as regras morais permissivas à opressão, com implantação da democracia, abolição de leis racistas, conquista de direitos pelas mulheres, mundialização dos Direitos Humanos, aceitação jurídica integral da homoafetividade, regulação legal das relações entre o ser humano e a Natureza a que ele pertence...
E o próximo passo desse progresso ético tende a ser o reconhecimento cada vez mais abrangente e consistente dos animais não humanos como sujeitos de direito, na sua condição de pacientes morais suscetíveis às consequências das ações dos humanos agentes morais. Negar esse avanço e crer que os animais não humanos não podem, ou não devem, ser eticamente respeitados é subestimar a mutabilidade do
zeitgeist moral secular, ou mesmo duvidar dela.
Portanto, a descrença em deuses e, por tabela, em códigos morais absolutos facilita bastante o entendimento de que a incorporação dos Direitos Animais ao paradigma ético vigente é parte da incontível evolução do nosso sistema ético-moral (é perceptível que alguns carnistas questionam os Direitos Animais como se sua eventual sanção fosse a imposição de uma moral absolutista. Porém, nenhum teórico de Direitos Animais considera os DA como o limite ou auge da evolução ética das sociedades modernas. Encaram-nos sim como apenas mais um passo importante na eterna mutação do
zeitgeist moral, que será sucedido por outros avanços futuros -- como, prevejo eu, a legalização da poligamia e do nudismo casual).
b) Humanismo secular
Este, pelo visto, ainda é limitado à espécie humana, e poderá ser sucedido aos poucos por um supra-humanismo que inclua tanto os animais humanos como os não humanos como sujeitos morais. Mas mesmo hoje ele já possui semelhanças muito fortes e numerosas com o ideal do abolicionismo animal: a oposição a opressões seja quais forem; o estabelecimento de uma cultura de paz e respeito aos vulneráveis; a rejeição do “direito” dos mais fortes de dominarem os mais fracos e lhes imporem suas vontades; a oposição a atos desnecessários de violência; a reivindicação de direitos integrais a categorias oprimidas; a preocupação com a sobrevivência futura e harmonia da humanidade -– considerando-se que a pecuária está ajudando a comprometer o futuro da espécie humana, através do seu enorme impacto ambiental -–, entre outros aspectos.
Analisando-se bem a proposta dos DA, é possível concluir que, considerando-se a exploração animal algo que atenta, ainda que indiretamente, contra os pilares do próprio humanismo, o veganismo e a adesão à luta pela abolição desse sistema de escravidão acabam sendo praticamente um imperativo ético aos humanistas seculares, sob pena de estarem sendo incoerentes e contradizendo seu próprio ideário.
Afinal, se os animais não humanos são tão ou mais oprimidos do que os seres humanos pelos quais o humanismo tanto zela, por que não se preocupar com eles também? Por que continuar consentidamente participando, por via do consumo, de um sistema que oprime seres que deveriam ter direitos, quando se é humanista e desejador do fim de todo e qualquer paradigma que negue direitos a quem os merece?
c) Filia à Razão e à Ciência
Os Direitos Animais possuem bases racionais e científicas cada vez mais fortes. Seja no que tange os estudos sobre senciência, consciência e comportamento animal, seja nas sólidas bases fincadas na Filosofia da Ética, seja na factualidade das denúncias contra as atividades de exploração animal, seja nos estudos dos impactos ambientais da pecuária e da pesca, os DA possuem uma forte, e cada vez mais difícil de negar, estrutura racional e científica.
As recorrências a apelos sentimentais orais ou gráficos são apenas uma faceta periférica da militância animalista. Há em contrapartida essa robusta fundamentação filosófica e científica, e o pelotão de filósofos e cientistas abolicionistas só vem aumentando ao redor do mundo e fortalecendo essa base intelectual do vegano-abolicionismo.
Por outro lado, o especismo e o carnismo vêm sendo dissecados por esse movimento e denunciados como carentes de bases racionais fiáveis. E é possível perceber na internet que a maioria dos formadores de opinião que ainda estão do lado antropocêntrico não vem conseguindo sustentar seus argumentos ou mesmo simplesmente argumentar sem que recorram a ideias contraditórias, ofensividade de linguagem, manifestação de paixões deletérias -– como o prazer viciado do paladar em torno das carnes -– e/ou evidências científicas questionáveis e precárias, contrariando tanto a Razão como a Ciência.
Em suma, a racionalidade e cientificidade, que marcam o ateísmo ideológico, estão cada vez mais a serviço dos Direitos Animais, tanto respaldando-o como desmontando os argumentos do lado oposto -– carnismo e especismo.
d) Ceticismo científico
Ainda é pouco comum na internet brasileira que ateus declaradamente céticos se invistam em desconstruir os argumentos e preconceitos do carnismo e do especismo, tal como se faz muito com técnicas pseudocientíficas como a homeopatia e a clarividência, com crenças religiosas e com lendas de internet. Mas há um enorme potencial para que o ceticismo científico se alie permanentemente com os Direitos Animais, no que se refere a questionar e desmontar as crenças antropocêntricas.
Tal como pseudociências, o carnismo e o especismo são, como é possível verificar em análise crítica rigorosa das suas justificativas, sustentados por teorias científicas ultrapassadas, falácias lógicas e preconceitos contra vegetarianos e veganos. São um prato cheio para trabalhos de ceticismo, em especial no que tange a aposentar argumentos como “O ser humano precisa de carne” ou “A ‘lei da sobrevivência’ nos obriga a criar e matar animais para proveitos nossos” e apontar falácias.
Está ficando cada vez mais difícil ser ao mesmo tempo verdadeiramente cético e carnista militante sem ser fortemente questionado, visto que tal posição é muito contraditória e, conforme se flagra hoje em dia, compromete seriamente essa qualidade de cético.
Ainda é possível ser ateu e especista ao mesmo tempo, mas o ateísmo ideológico, pautado em valores como o humanismo secular, a racionalidade militante e o ceticismo científico, tem conexões e semelhanças muito fortes com os Direitos Animais. Tanto que se torna complicado não ver contradições no pensamento de alguém que é ateu, humanista-secular, cético, racionalista e pró-científico mas segue pensamentos baseados em preconceitos, teorias científicas vencidas, paixões (como o prazer do paladar) e até falácias lógicas.
Dado esse grande potencial de aliança entre os DA e o ateísmo ideológico, já selada por muitos ateus veg(etari)anos, é possível afirmar que há tantas ou mais razões para ateus dessa categoria se tornarem simpatizantes ou defensores dos DA quanto/que para hindus e jainistas serem vegetarianos. Não há obrigação coercitiva nem mandamento divino que determine que ateus ideológicos devam se tornar vegetarianos e considerar os animais não humanos sujeitos morais plenos, mas há sim o respeito coerente ao complexo ideológico que esse tipo de ateísmo traz consigo.
Afinal, não convém a um humanista secular apoiar ou consentir com um sistema que oprime seres vulneráveis e nega direitos a quem os merece. Idem a um cético usar falácias e teorias científicas ultrapassadas. A um racionalista e amigo da Ciência defender algo deletério na base da paixão, da reação adversa visceral e de dados cientificamente duvidosos. A alguém que não acredita em deuses e em suas morais absolutas defender que a Ética não mude a ponto de incluir os animais não humanos como sujeitos morais.
Ser “vegano porque ateu ideológico” não é exatamente como ser vegetariano porque hindu. Não é uma ordem divina. Ou uma regra cuja violação acarreta punição. Mas é uma recomendação da Razão e também da consciência ética. É uma correção das qualidades de humanista secular, cético, racionalista, amigo da Ciência, reconhecedor da mutabilidade da ética humana, negador de morais petrificadas. Enfim, de ateu ideológico.
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