GUEST POST: O USO ARCAICO DO SUTIÃ
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GUEST POST: O USO ARCAICO DO SUTIÃ


Eu sonho com o dia em que usar sutiã não seja mais uma exigência.
Feministas jogam imposições na lata
de lixo da liberdade
Odeio sutiã. Mas não é verdade que feministas americanas queimaram sutiãs num protesto no final da década de 60. Numa performance simbólica, elas jogaram sutiãs e outras imposições estéticas, como batom, numa lata de lixo. Como na época jovens idealistas estavam queimando as convocações que os obrigavam a ir matar gente na Guerra do Vietnã, os jornalistas confundiram as estações, e a lenda de "feministas queimam sutiã" nasceu. 
Feministas do século 21 brincando de
queimar sutiãs para celebrar a lenda
Antes que alguém pergunte, sim, é perfeitamente possível ser feminista e usar sutiã (certeza absoluta que a maior parte das feministas usa), espartilho, salto alto, maquiagem, se depilar etc. Não é importante o que cada mulher faz individualmente. Porém, é fundamental questionar o sistema que obriga mulheres a usar sutiã para manter os seios num formato "aceitável" (pergunte qual), e também para domá-los, para que não se mexam quando a mulher se move. 
Eu me lembro bem quando tinha 15 anos e tinha tudo firme, "tudo no lugar", como o padrão machista costuma dizer, e fui a uma boate dançar com alguns amigos. Fui com uma jaqueta de nylon fechada, sem camisa ou sutiã por baixo, e dancei até me acabar. Depois, um amigo de infância que estava no grupo me disse que se sentia desconfortável ao sair comigo assim, pois meus peitos pulavam muito. 
Foi aí que aprendi uma das funções do sutiã: aprisionar o corpo feminino.
Marina Oliveira tem 18 anos, é estudante de psicologia e "feminista por questão de sobrevivência", como ela se define. Ela me enviou este texto seu:

Em 1914 Mary Jacob patenteava o sutiã como o conhecemos hoje. Mary teve a ideia de criá-lo após revoltar-se com o desconfortável uso do espartilho. E apesar de ter sido criado através de um ato de “rebeldia”, o sutiã representa atualmente, mais de um século depois, uma ditadura velada, similar a tantas outras vividas pelas mulheres, não apenas em suas vestimentas.
As limitações impostas às meninas desde a infância são exemplo disso. Crianças do sexo feminino são presenteadas com bonecas e utensílios domésticos, que remetem, por sua vez, à maternidade compulsória e à posição social esperada da mulher para com seu lar e sua família, o que gera, desde a primeira infância, barreiras internas na menina, barreiras essas que, não raramente, desencadeiam futuras depressões e complexos.
Ademais, na adolescência as imposições que remetem à inferioridade da mulher continuam, e tal posição é sempre lembrada. A jovem mulher é ensinada a reprimir seus desejos sexuais enquanto o homem é incentivado a exacerbá-los. Dessa maneira cabe à mulher se comportar de modo “feminino” e recatado. Deve sempre se depilar, se manter no peso “adequado”, cuidar do cabelo, manter a pele limpa, e, é claro, usar sutiã (nosso fiel escudeiro há mais de cem anos). A menos que não queira ser rotulada como “para casar” e queira “ficar para titia”. Afinal, sempre foi deixado claro que o objetivo da vida feminina é agradar e casar com um homem.
Protesto feminista nos
anos 60: mulheres não
são pedaços de carne
Sendo assim, tal objetivo é reiterado na vida adulta da mulher, que estressada com tantas limitações e cobrança, é incentivada a ter um filho para alegrar sua vida “incompleta”. Apenas lhe é omitido um pequeno detalhe sobre o fato de ter um bebê: a dupla jornada ou o abandono de sua carreira, ainda que escolhida de forma limitada, pois segundo o PNDA de 2009 apenas 20% de profissionais de TI são mulheres, e 79% das graduandas desistem do curso, enquanto de acordo com o INEP de 2012, o curso preferido pelas mulheres é o de pedagogia.
Além da escolha limitada da carreira, a mulher ainda enfrenta outros obstáculos no mercado de trabalho, que variam desde a disparidade salarial até o assédio sexual, adversidades que atrapalham o crescimento da mulher no emprego e limitam a representatividade feminina nas lideranças. Prova disso é que, dos 195 países independentes, apenas 17 são governados por mulheres.
Fica claro então que a mulher se libertou do espartilho, conquistou o direito à educação e ao voto. Mas ainda é preciso livrar-se de muitas amarras para vencer a estigmatização e a inferiorização, ainda sofridas pela mulher através de ditaduras tão veladas e arcaicas quanto o uso do sutiã.




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