CURSO PARA AS GRATAS COM O PATRIARCADO
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CURSO PARA AS GRATAS COM O PATRIARCADO


Ha ha, foi minha querida e antiga leitora Aiaiai que me enviou este artigo da Folha de S. Paulo ontem. E é tão impagável que eu, mesmo sem tempo absolutamente nenhum, tive que dedicar alguns minutos pra escrever sobre ele. 
Primeiro que quero parabenizar a autora, Marianne Piemonte, que claramente se divertiu ao redigir o artigo. O tom, pra quem consegue ler nas entrelinhas, é de chacota. E nem poderia ser diferente, né? Olha só o título: "Mulheres aprendem a 'desmunhecar' em curso para 'atrair partidão'". Certo, o título é péssimo. Muitas aspas numa só frase. E desmunhecar, seja lá o que for isso, não é exatamente o que essas pobres almas aprendem. Nem é relevante pra matéria (procurando imagens pra ilustrar o post, vi que a revista TPM ridicularizou o curso na semana retrasada).
Existe uma psicóloga, Eliete Amélia, que se auto-intitula "heart hunter", caçadora de corações. Ela é contratada para ser cupido (clique na imagem para ver a incrível errata de um dos workshops oferecidos por ela, em sua própria página). Mas o artigo fala de um curso que ela dá a dezenove mulheres (cada uma paga mil reais) para que elas finalmente encontrem o amor. Como? Sendo magnéticas.
O powerpoint já começa mostrando a imagem de um sutiã em chamas -- sabe aquele um que as feministas nunca queimaram? A professora diz: "Não foi nossa culpa que elas fizeram isso, mas precisamos resgatar a feminilidade e tolerância se quisermos relacionamentos duradouros". 
Essas malditas feministas que acabaram com todo um estoque de sutiãs e, de quebra, com a feminilidade! E com os relacionamentos duradouros! E com a família tradicional! Puxa, fizemos tanta coisa em tão pouco tempo! Não é à toa que estamos sempre cansadas. Mas alguém mostra essa pesquisa pra Eliete Amélia, que leva demasiadamente a sério seu segundo nome? 
Estudo aponta que pessoas feministas são mais felizes no amor (só pra você rever o seu conceito de mal-amada). Tem este outro também: "Ao contrário do que dita o senso comum, feminismo e romance não são incompatíveis, e o feminismo pode inclusive melhorar a qualidade das relações heterossexuais, de acordo com estudo da Universidade Rutgers, nos EUA". Sei lá, eu tô junto com meu amor silvístico há quase 23 anos, o que parece bem duradouro. Mas deve ser porque eu nunca queimei sutiã.
A Aiaiai detestou o artigo da Folha por achá-lo desnecessário e por tirar sarro das mulheres que fazem o curso. Eu acho que ele é desrespeitoso com a psicóloga e com o curso em si, mais que com as participantes. Mas, é vero, logo de cara Marianne fala dos mil reais "por cabecinha" (o diminutivo não é carinhoso), e depois menciona uma participante, também psicóloga, que "acredita que perdeu um partidão por ter feito um pedido diretamente para o garçom durante um jantar" (é, anotem, meninas: é proibido pra uma mulher se dirigir ao garçom durante um jantar romântico).
Aqui eu vou ser meio polêmica, meia calabresa: minha solidariedade com as mulheres não se estende a todas as mulheres. Tem mulher que fala e faz muita besteira e merece ser criticada, sim. Se não a gente não pode zoar as dicas da Nova que aconselham a jamais transar no primeiro encontro, ou as religiosas do trono, aquelas que pregam a submissão total ao marido. Validadoras do machismo não têm muito do meu respeito.
Pô, eu, assim como Eliete Amélia, também já tive uma agência de casamento. Mas ser um cupido monogâmico não significa que você tem que ser necessariamente machista. 
O curso de Eliete Amélia é um guia do senso comum. O feminismo fez com que os homens se sintam muito inferiorizados, tadinhos, então nada de falar sobre trabalho, sua mulher carreirista. Talvez seja melhor nem trabalhar, pra não tirar tempo das tarefas domésticas (sequer citadas no curso, ou pelo menos na matéria) e pra não competir com seu homem. Mas aí como pagar os mil reais do curso? Dilemas, dilemas.
No curso há espaço garantido para a gordofobia, como não podia faltar. Eliete Amélia, "carinhosa e assertiva", diz pra suas clientes emagrecerem, pra "aumentar seu leque de oportunidades". 
Tem também dicas de maquiagem e imposição do uso de salto alto. E aí vem a parte mais inacreditável da matéria, que me fez duvidar de sua veracidade, porque não é possível. Mulheres devem sempre usar salto alto, ensina Eliete Amélia, mas, se você estiver na praia ou na piscina, descalça, deve... andar na ponta dos pés. Ótimo pra disfarçar celulite e gordurinhas e atrair olhares! 
Eu rio, mas esse tipo de coisa também de dá uma tristeza... 
Deixa um sabor acridoce na boca. 
Porque mostra que o backlash, a reação conservadora a todos os movimentos sociais, está firme e forte (as duas marchas cristãs ontem e hoje em Brasília não me deixam mentir). O curso não parece ser muito mais que um guia anti-feminista -- como se alguém precisasse desembolsar mil reais pra aprender clichês anti-feministas! Ele se baseia em conceitos machistas como o que uma mulher só pode ser completa se tiver um homem (rico, com uma Mercedes), e que um homem, se precisar de uma mulher, deve ter uma Amélia ao seu lado.
Triste também é saber que o feminismo poderia libertar essas participantes da ideia arcaica de que "relacionamento sério com homem rico traz felicidade". E sem cobrar nada.
Amélias, façam o que as feministas não fizeram: queimem seus sutiãs! Vão ser gauche na vida.




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