GUEST POST: PIOR QUE A TORNEIRA SECA É A FALTA DE SEDE
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GUEST POST: PIOR QUE A TORNEIRA SECA É A FALTA DE SEDE


Marcela é advogada em Uberaba, MG, e não se conforma que existam mulheres machistas. Como ela me disse por email: “Não apenas as mais velhas ou as que tiveram menos acesso aos estudos, mas as minhas colegas juristas, as jovens que estudaram em boas escolas, mas continuam reproduzindo o machismo. Sei que somos doutrinadas pelo machismo desde criança, mas eu não consigo entender o motivo pelo qual tantas mulheres olham para as outras como as 'putas', as que 'merecem apanha', as 'golpistas'. Outra coisa muito desgastante para mim são as mulheres que têm vergonha do feminismo, que acham que é coisa de 'mulher-macho', de mulher não-feminina. Por isso escrevi esse texto. Não para culpar as mulhers pela violência doméstica, mas para tentar fazer com que elas vejam que não existem 'categorias' de mulheres, que estamos todas no mesmo barco e que precisamos nos apoiar, precisamos nos apropriar de nossos desejos e de nossa individualidade. Precisamos reagir.” Dá pra discordar dela? Fiquem com seu guest post panfletário.

Temos Lei Maria da Penha, temos Constituição Cidadã, temos Delegacia de Mulheres, temos a Lei do Divórcio, temos o direito ao grito, mas, como já disse Drummond: "As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis." E é por isso que, infelizmente, ainda temos que lidar com a avassaladora realidade da violência doméstica: ainda silenciosa, ainda abafada, ainda cruel, ainda absurda, ainda escandalosamente real.
Mas, o que vou dizer agora, gostaria de não precisar dizer: "Mulheres, se vocês continuarem alimentando o machismo, se continuarem culpando as vítimas e desculpando os agressores, a violência doméstica nunca vai ter fim. Nunca!"
A violência contra a mulher RESISTE e insiste em continuar existindo, ainda que nos garantam que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição". E é por isso que o feminismo ainda é necessário.
O agressor é sempre covarde: só perde a voz quando as mulheres se cansam de alimentar ilusões e viram a mesa.
Então, mulheres, por favor: Virem a mesa!
Neste momento, em algum lugar do mundo, uma menina é adestrada (sutilmente ou com brutalidade) para renegar seus direitos, sua sexualidade, seus desejos, seus sonhos e sua individualidade. É ensinada a se sentir inferior. Aprende a olhar para as outras mulheres como concorrentes, inimigas perigosas que querem tomar seu homem e que aguardam a primeira oportunidade para, Evas ardilosas que são, darem o golpe da maçã, o golpe da barriga, o golpe do baú, o golpe.... E a menina, em algum lugar do mundo, neste exato momento, aprende a não confiar em mulheres. Aprende a não confiar em si mesma.
Neste momento, em algum lugar do mundo, uma mulher reproduz e alimenta ideias machistas, na ânsia de ser valorizada pelos "senhores" e de ser considerada especial, "mulher honesta", "moça de família", "mulher para casar", mulher que não precisa apanhar. Mas não tem como uma mulher odiar as "outras" mulheres sem se odiar também... Não tem como uma "pura" crucificar as "impuras" e achar que algumas até merecem apanhar, sem correr o risco de, um dia, ser a "puta da vez".
E, não se enganem: agressor nenhum precisa de motivo para bater, humilhar, estuprar, matar...
E, não se iludam: qualquer uma pode ser a "puta da vez".
Tem até um poema do José Paulo Paes que se encaixa nisso:

A torneira seca.
Mas, pior: a falta de sede.

A luz apagada.
Mas, pior: o gosto do escuro.

A porta fechada.
Mas, pior: a chave por dentro.

Neste momento, em algum lugar do mundo, uma mulher agredida se cala e se curva e se ajoelha e aceita e se submete e se culpa, porque acreditou na ilusão de que, na ausência de um homem, ela nem é GENTE.
Mas, neste momento, em algum lugar do mundo, uma mulher agredida ACORDA e simplesmente se vê: é um ser humano! E está viva, e é livre, e é plena. E ela deixa de se submeter e reage e pede ajuda e exerce o seu direito ao grito e grita e acha pouco o afago mínimo que recebe quando se curva e, então, se levanta e luta e exige direitos iguais e exige homens que respeitem os direitos iguais e só quer estar com homens que saibam que ela é tão PESSOA quanto eles e descobre a felicidade de viver sem amarras e sem ser vítima e sem ser escrava e quer dividir essa alegria interminável e deseja que todas as mulheres do mundo saibam que são GENTE e...
E esta é a beleza do feminismo: ser a semente da ideia subversiva de que somos pessoas inteiras, somos senhoras de nós mesmas. Solteiras, casadas, médicas, costureiras, advogadas, empregadas domésticas, professoras, donas de casa, doutoras, estudantes, analfabetas, negras, pardas, brancas, amarelas, gordas, magras, idosas, jovens, heterossexuais, lésbicas, putas ou freiras -- nós TODAS somos donas dos nossos corpos e dos nossos destinos.
As conquistas são lentas, a semente demoraaaaaaaaaaaaa para germinar, mas quando ela brota... ah, quando ela brota! Nunca mais a gente para de florescer.




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