GUEST POST: UM DESABAFO SOBRE RACISMO
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GUEST POST: UM DESABAFO SOBRE RACISMO


O Vitório (nome fictício), de Pernambuco, me enviou este texto:

Oi, sou leitor do blog. Cresci acreditando fielmente no mito da "democracia racial", porém felizmente (ou não, pois seria bom se fosse verdade) percebi que era só mito mesmo, que na realidade não há muita igualdade. 
Tenho 20 anos, sou mestiço, filho de mãe branca e pai mulato, e nasci com a pele branca, o que quer dizer que, pelo menos no Brasil, eu não sou nem provavelmente serei alvo de racismo. Entretanto, minha irmã de 8 anos não teve a mesma "sorte", ela nasceu morena/parda (lembrando a cantora Mariah Carey com uma pele um pouco mais escura), com um grande e bonito cabelo afro e também traços mais africanos, fatores esses que a tornam vítima potencial do racismo velado brasileiro. Infelizmente, acredito que já sofra racismo, e isso me assusta muito. 
Esse racismo não acontece só na mídia. Ele também se expressa por meio dos meus próprios pais e do restante dos familiares, não racismo direcionado a minha irmã, mas sempre ouvimos frases e presenciamos atitudes racistas. Por exemplo, minha mãe costuma se referir a pessoas negras que ela não gosta como "neguinha sem vergonha", enquanto meu pai enxerga a brancura como algo melhor. Quando Marina Silva era candidata à presidenta nas eleições passadas, meu pai soltou a pérola: "uma nega dessas querendo ser presidente do Brasil!" 
Alguns parentes também já disseram e fizeram coisas terríveis: o irmão da minha mãe rindo e imitando macaco em referência a um homem negro que tinha ido entregar água, ou minha avó paterna se referindo a negros mais escuros de modo muito pejorativo. Apesar dos pesares não creio que meus pais sejam racistas, afinal meu pai é negro, e minha mãe se casou com um negro, mas é que essas coisas vão passando de geração à geração... 
Diante desse cenário e assistindo novelas em que só há loiras de olhos azuis, o racismo chegou à minha irmã. Ela tem uma autoestima super baixa em relação ao cabelo dela, na verdade sonha em fazer alisamento. As pessoas insistem em dar conselhos pra “melhorar” o cabelo dela. Tive que me impor e não aceitar esse negócio de "cabelo ruim" vindo dos familiares, e claro que fui acusado de ver racismo em tudo.
No mesmo lado da família da minha mãe já se referiram a minha irmã algumas poucas vezes como pessoa não-branca, felizmente de modo não ofensivo, se bem que devem pensar que "ela é boa, porém negra". O mesmo que pensariam se soubessem que sou gay, preconceito costuma vir em combo. 
Mas o que principalmente me levou a escrever a você foi este evento: reunião de família paterna e visivelmente afro-mestiça, num grupinho uma prima distante, mais velha e até mais escura do que minha irmã, refere-se de um modo humorístico a minha irmã como negra. 
Acho de muito mau gosto enfatizar qualquer raça/cor de crianças. Minha opinião é que quando não há racismo numa certa situação, o melhor caminho é a naturalidade, mas quando há indícios de racismo a "raça" deve sim ser gritada e discutida. 
O que me assustou mesmo foi a reação da minha irmã: a menção d'ela ser negra fez que ela passasse da alegria à decepção. No momento, não me posicionei na frente de outras pessoas, mas fui falar em particular com ela sobre como ela se sentia e ela sempre respondendo muito raivosa como se dentro tivesse tristeza e ela tentasse mascarar. 
Várias vezes minha irmã foi e é chamada de branca, mas também muitas vezes foi e é chamada de negra, ou seja, uma situação híbrida, enquanto eu nunca deixei de ser rotulado como branco. Eu tento sempre elogiar a beleza das negras/ índias/ mestiças na frente dela. Elogio muito o cabelo dela. Mas ainda é pouco. Por mais que eu me esforce pra diminuir o racismo na minha família, sei que ainda não será muito. 
Mudar padrão de beleza de televisão também não consigo. Não posso conversar com minha irmã sobre racismo, porque simplesmente pela própria faixa etária ela não conseguiria entender assunto tão complexo. Dificilmente ela conseguiria falar com psicólogos sobre isso, apesar de que ela já fez psicanalise e farei de tudo pra que ela continue o tratamento. 
Pois é, não sei muito como agir diante disso, me sinto impotente, não posso deixar que as coisas continuem assim, mas não sei o que fazer. Preciso da sua ajuda e dxs leitorxs. 

Minha resposta: Vitório, não subestime uma criança. Acho que é possível sim falar com uma criança de 8 anos sobre racismo. Racismo é algo constante, institucionalizado, e em alguns momentos do seu relato você parece se referir ao racismo como algo que pode ser ligado e desligado. Não é assim que funciona. Acho louvável que você se preocupe com a autoestima da sua irmã, mas tente escutá-la mais. Cedo ou tarde, ela encontrará sua identidade.
Dia histórico em que a Veja
eliminou o racismo no Br,
"talvez para sempre"
Seria interessante também ter uma conversa com sua família, explicando por que se referir a negros como macacos não é engraçado ou aceitável. É uma tradição racista animalizar os negros. É uma estratégia que não tem nada de inocente ou divertido. Mas, se você puder, o melhor é tentar responder na hora. O que há de errado, por exemplo, em um negro ou uma negra querer ser presidente do Brasil? E por que será que nunca tivemos um presidente negro?
Já aviso que qualquer comentário ignorante do tipo "o maior racista é o próprio negro" será deletado. Porque tem que ser muito otário pra dizer isso, pra ignorar que racismo, machismo, homofobia se internalizam. A sociedade não escolhe ensinar racismo para algumas pessoas e para outras não. Ensina racismo a todas. 




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