GUEST POST: A INSISTÊNCIA EM DOMAR CABELO CRESPO
Geral

GUEST POST: A INSISTÊNCIA EM DOMAR CABELO CRESPO


Por que o segundo tipo é tido como o padrão aceitável?

Adorei este comentário que a Yssy deixou no post Feio é o seu racismo, e decidi reproduzi-lo aqui. Ele trata do padrão de beleza racista que determina que só um tipo de cabelo é bonito, e como isso afeta a autoestima de montes de meninas. Aproveitando o tema, ontem recebi vários tweets de leitoras indignadas com o novo anúncio de uma marca de lingerie.

Lola, este post me tocou especialmente porque eu cresci exatamente com esse padrão de beleza martelando a minha vida e isso trouxe sérios danos em todo o processo de formação da minha autoestima.
Tenho a pele clara e o cabelo muito crespo mas um pouco claro também, o que as pessoas chamam de "Sarará". Minha mãe é branca de cabelo liso. Eu nunca tive contato com meu pai, que já faleceu e era negro.
Fui levada por todos os lados a acreditar que eu era feia por causa do meu cabelo, que era “de preto”, “ruim”, e vivi muitos anos em luta com ele. Eu não saía na rua quando ele estava natural, alisei o cabelo sistematicamente desde os nove anos de idade, usei até ferro de passar roupa para alisá-lo (como muita gente) e fiquei careca duas vezes por alisamentos com soda cáustica, uma dessas vezes no dia da minha “formatura” da quarta série, aos dez anos de idade.
Quando eu era menor, queria ser paquita. E minha mãe, que também era muito nova, chorava porque sabia que eu nunca seria paquita, afinal, eu não era uma menina branca, loira de cabelos lisos! Como minha mãe e toda a família dela são brancos, eu não tinha nenhuma referência, e achava que eu era simplesmente feia.
Eu demorei décadas para perceber que o que eu sofri na infância na verdade era racismo! Estudei em uma escola pequena, privada, classista e racista -- que só tinha um aluno negro, bolsista, claro. E as crianças lá cantavam para mim a música “Reggae Night” e eu não percebia na época porque aquilo para eles era uma ofensa e porque eu realmente me ofendia tanto.
Minha mãe conta que, quando eu nasci, uma das primeiras coisas que falaram pra ela foi “Ainda bem que nasceu branquinha”… E outras pessoas da família da minha mãe falavam que meu cabelo era crespo por causa da idade, hormônios da adolescência, ou de uma influência sei lá daonde (nunca negra!).
Enfim, hoje, aos vinte e cinco anos, com o cabelo crespíssimo, totalmente natural, formada em Antropologia e morando na África, em Moçambique, eu olho para trás e percebo quantas formas e diferentes expressões o racismo pode adquirir na nossa sociedade, principalmente nessa fábula da miscigenação que é o Brasil e na formação de uma auto-estima feminina, o que por si só já é um processo complicado nesse bombardeio de padrões que a sociedade machista nos impõe.
Fico revoltada por imaginar quantas crianças, principalmente meninas, da minha e de tantas outras gerações cresceram sem imaginar que podiam ser consideradas bonitas -– por elas e pelos outros!
Por outro lado, vejo uma luzinha no fim do túnel em algumas coisas como o clipe da Willow Smith de uma música chamada “Whip my Hair”. Tudo bem, sei que não é uma coisa lá muito progressista e reproduz vários clichês, mas é a linguagem da molecada mostrando uma menina negra, de cabelo crespo, trançado como a “popular”, incentivando as outras crianças a “whip your hair” seja lá como ele for… Precisamos de mais expressões desse tipo no Brasil, que ajudem a empoderar as crianças negras, fazê-las ter orgulho se sua origem e sentirem-se lindas e poderosas com seus cabelões!
Quem sabe o fato de a maioria da população brasileira já ter “coragem” de se auto-intitular parda ou negra seja também um indício de que esta caminhada contra o racismo pode começar a andar a passos um pouco mais largos… porque o caminho ainda é muito longo!




- Guest Post: Um Desabafo Sobre Racismo
O Vitório (nome fictício), de Pernambuco, me enviou este texto: Oi, sou leitor do blog. Cresci acreditando fielmente no mito da "democracia racial", porém felizmente (ou não, pois seria bom se fosse verdade) percebi que era só mito mesmo, que na...

- Cabelo Natural No SÉc Xxi, Ou Porque O Pessoal Nunca Foi TÃo PolÍtico
Este é um guest post da J.: A primeira vez que meu cabelo foi submetido a um processo químico eu tinha 5 anos de idade. Minha mãe havia decidido “testar” uma “nova” química que havia dado certo em uma amiga da minha tia. Não culpo minha mãe,...

- Guest Post: Meu Cabelo Incomoda Muita Gente
O G. me mandou este relato: Não sei se lembra-se de mim, eu fui o G. que comprou o seu livro na primeira tiragem, aquele que lê o seu blog desde os 12 anos.  Sou filho de pai negro e mãe branca, e puxei mais minha mãe, mas já tive várias experiências...

- Guest Post: Racismo Num Site De Maternidade
A Luiza, uma produtora teatral, me enviou uma ótima reflexão sobre um caso que rendeu muitas críticas esta semana. Na quinta, o site de uma maternidade publicou um post com o título "Minha filha tem o cabelo muito crespo. A partir de qual idade...

- Guest Post: "tu É Filha Daquele NÊgo?"
Como faço com comentários que se destacam, guardei este da Cândido no post Feio é o seu racismo. Já faz um tempinho que ela o escreveu, mas gostaria de compartilhá-lo com vocês. Ele vem a calhar numa semana marcada pela decisão unânime do Supremo...



Geral








.