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GUEST POST: UM SAMBA ORGULHOSAMENTE FEMINISTA
Vou deixar Daniel Kirjner se apresentar sozinho. Só quero pedir a você pra ouvir esta música. Não é linda? Eu amei. Daniel me mandou um email muito carinhoso, e eu pedi que ele escrevesse um post sobre por que ele compôs um samba feminista.
Olá amigxs que acompanham o Escreva Lola Escreva. Hoje tenho a satisfação de contar a vocês a história do meu Samba Feminista. Mas antes, precedo-a com a história do meu próprio feminismo.
Há uns dez anos eu era, sem cerimônias, o que eu hoje acho um sujeito insuportável. Aquele tipo acomodado, averso a movimentos sociais, machista, reacionário, enfim, todo o desagradável pacote que infelizmente acompanha vários homens heterossexuais neste mundo. Portanto, não posso negar que a ignorância me levava a ostentar orgulhosamente o machismo, mesmo sem saber disto completamente.
Quando entrei na UnB (Universidade de Brasília), para estudar Sociologia, minha empáfia sofreu um importante choque. Quando se estuda teoria social, você pode seguir dois caminhos: o de enxergar os seus próprios reflexos na sociedade ou aprender a prestar atenção em outros.
Concentrei-me em meu próprio umbigo nos primeiros anos de curso, mas, aos poucos, pessoas sensacionais me fizeram pensar. Entre elas haviam alguns vegetarianos, que no início eu atormentava com o que hoje penso ser um humor estúpido e previsível, de puro mau gosto. Mas não pude ignorar seus argumentos de maneira alguma. Ao contrário, quando eles apontavam o dedo na minha cara, de uma maneira por vezes agressiva, eu deixava a minha zona de conforto suburbano e pensava no que minhas ações representavam para indivíduos diferentes de mim. Em outubro de 2006, em respeito aos animais, tornei-me vegano. Para quem não sabe, veganos são indivíduos que, por implicações éticas que trazem o consumo humano, abstém-se de qualquer produto de origem animal, seja ele carne, frango, leite, ovos ou mesmo mel. O veganismo mostrou-me algo muito importante: o hábito não justifica nossas ideias. Valores que eu nunca havia questionado antes mostraram-se responsáveis pelo o que entendi ser uma violência gigantesca e injustificável contra outros seres vivos.
Foi justamente no veganismo que conheci a teoria feminista. Em 2009, em minhas incursões ainda não acadêmicas dentro dos Estudos Animais, deparei-me com o veganismo feminista. Autores como Carol J. Adams, Josephine Donovan, Brian Luke, Lisa Kemmerer, entre outros, fizeram-me refletir sobre as dimensões do pensamento patriarcal que justificam a opressão tanto de mulheres como de outras espécies de seres vivos. Estas leituras fomentaram a minha paixão pela teoria feminista em vários aspectos. Hoje em dia, faço doutorado na UnB, onde reflito sobre as implicações da categoria gênero, ressignificada constantemente no seio da teoria feminista, frente às novas reflexões trazidas pelos Estudos Animais.
Bem, chegamos, enfim, ao samba. No início deste ano estava escutando um disco do Cyro Monteiro no carro, um dos grandes intérpretes de samba da era de ouro da música brasileira. Eu adorava os sambas do Cyro quando era criança, mas naquele dia eu e o amor da minha vida, a Ciça, escutávamos no máximo 30 segundos de cada canção, antes do flagrante machismo nos irritar as orelhas e sermos obrigados a passar a faixa. Depois de umas cinco ou seis tentativas, desliguei o som e comentei com a Ciça: “Existe samba sobre tudo que se pode imaginar mas não conheço nenhum samba feminista”. Ela virou para mim e disse: “faz um então”!
Bem, eu tentei, e o resultado desta tentativa foi o Samba Feminista. Eu tenho completa consciência que ele poderia ser melhor. Que eu como homem heterossexual não tenho ideia do que é sentir o machismo como um(a) homossexual, uma transexual ou uma mulher sentem. Sei que poderia ser uma mulher interpretando esse samba e concordo que assim ele seria mais legítimo e verdadeiro. Não quero com ele cooptar o feminismo ou mesmo defini-lo do ponto de vista de um homem. É apenas minha sincera homenagem a esta tradição militante e intelectual pela qual sou sinceramente apaixonado.
Esta gravação faz parte do show “De pai para filho: um encontro de gerações”, gravado no dia 27 de abril, em Brasília. Trata-se de uma grande celebração, na qual cantei canções do meu pai (o barbudo do meu lado) com ele e ele as minhas comigo. O outro moço que está conosco é um convidado especial: Carlos Lolly, que foi o cara com quem, juntamente com meu pai, toquei em público pela primeira vez. Quem quiser escutar outras músicas do show, é só acessar esta página.
Gostaria de agradecer a Lola pelo espaço e dizer que, na minha opinião, ela é a melhor blogueira deste país.
Espero que vocês gostem da música. Forte abraço a todxs.
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