GUEST POST: VALENTE, UMA NOVA PROPOSTA DE PRINCESA
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GUEST POST: VALENTE, UMA NOVA PROPOSTA DE PRINCESA


Mãe (Rainha Elinor) e filha (Merida) nos traços de Raquel

Raquel Vitorelo fez sua pesquisa de iniciação científica pela PUC-SP sobre desconstrução dos estereótipos femininos em Valente (dá pra lê-la inteirinha aqui). Como ela é uma ilustradora de mão cheia, ela mesma enviou alguns desenhos.

Em todo lugar, vemos princesas. Nas mochilas das crianças, nos brinquedos, em filmes para todas as idades. Parte dessa obsessão está provavelmente ligada ao sucesso da própria Disney -– quando se pensa em princesas e contos de fada, logo se pensa no estúdio. Muita gente não sabe, mas a Disney deve muito de sua fama a Branca de Neve: Branca de Neve e os Sete Anões foi o primeiro longa-metragem produzido pelo estúdio, lançado em 1937 com um êxito gigantesco. Um filme com uma excelência técnica impressionante, um marco na  história do cinema. E assim se criou um laço entre Disney e suas princesas que dura até hoje. 
E, em tanto tempo de relação e exposição, a verdade é que a imagem das princesas está desgastada. Embora continue sendo um sucesso comercial, principalmente com a criação da franquia Disney Princess em 2000, existe uma forte noção de passividade atrelada às princesas: sempre esperando para serem resgatadas. Em um mundo que começa a incentivar mulheres a serem independentes, uma princesa parece ser uma figura ultrapassada demais para nossas meninas. 
Até que surgiu no horizonte uma esperança ruiva e revoltada. Merida, a protagonista de Valente (2012), foi a primeira princesa da Pixar, comprada pela Disney em 2006. Aliás, mais do que isso: foi a primeira protagonista feminina da Pixar! Em quase 20 anos de filmes, a Pixar nunca tinha tido uma mulher ou menina como protagonista. Outra novidade é que a Pixar teria também sua primeira diretora mulher, Brenda Chapman, que desenvolveu toda a história de Valente inspirando-se na sua relação com sua própria filha. Desde o princípio, Valente tinha uma proposta promissora de subverter toda a imagem das Princesas Disney, e havia muitas expectativas em torno do lançamento do filme. 
Mas, é claro, houve alguns contratempos e várias polêmicas. Primeiramente, Brenda Chapman foi mais tarde afastada da produção de Valente por “divergências criativas”. Após o lançamento do filme, a Disney divulgou uma ilustração estilizada de Merida cheia de brilhos e maquiagem, completamente fora do personagem, o que enfureceu os fãs e a própria Chapman, que fizeram a Disney voltar atrás em uma petição. Outras discussões não envolvem a produção do filme, mas a recepção da mídia: alguns artigos especularam sobre a possibilidade de Merida ser lésbica. O que é interessante, porque todas essas discussões podem ser lidas e relidas através de autoras como Simone de Beauvoir e Judith Butler. 
Beauvoir fez sua célebre afirmação “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” em 1949, e que até hoje continua muitíssimo atual. Dessa forma, é a cultura que constrói uma mulher, e não a biologia ou a economia ou o que quer que seja. É a civilização que faz com que a mulher seja entendida como o “Outro”, uma mera derivação passiva e fraca do homem, que por sua vez seria forte e perfeito. 
Já Butler é uma pensadora contemporânea que percebe que a cultura é tão determinista quanto a biologia. Gênero, então, seria uma performance. 
Tudo isso reflete e explica porque Merida, ao rejeitar tradições como o matrimônio e ter interesse por atividades físicas (que muitos consideram coisa “de menino”), seria um ponto fora da curva. Se Merida não quer se casar com seus pretendentes, se Merida quer ser uma arqueira, ela é mulher? Ela não é mulher? Ela é lésbica, ela é hétero? O que faz de uma mulher, mulher? Evidentemente, Merida é uma mulher –- ao menos uma jovem mulher, como entendemos neste filme -–, e toda essa confusão insinua o quanto a proposta de Valente foi, de fato, diferente e até progressista. Mas até que ponto? 
Foi então que decidi fazer uma análise, começando com mais questionamentos: o que é uma Princesa Disney? Como ela se constrói? Defini então as “Princesas Clássicas”: as três primeiras princesas da Disney são bastante semelhantes entre si, muito conhecidas na atualidade, e por isso definiram um modelo de princesa que ainda é seguido pela Disney. São elas: Branca de Neve (1937), Cinderela (1950) e Aurora (A Bela Adormecida, 1959). 
Talvez a maior característica das Princesas Clássicas seja o fato de elas serem marcadamente sonhadoras: é um atributo ressaltado em diversos momentos, quando as personagens expõem os seus desejos e frustrações, geralmente conversando com seus amigos animais. A importância dessa característica se expressa até hoje em alguns filmes de princesa: no website oficial de Enrolados (2010, Disney), Rapunzel é descrita como uma sonhadora que deseja aventuras. Claro que não há nada de errado em sonhar, pelo contrário; mas há uma diferença entre ser caracterizada como sonhadora ou determinada, e muitas vezes sonhar significa apenas desejar, sem necessariamente ter algum tipo de esforço em direção a esse sonho. 
E o maior problema das Princesas Clássicas seria, possivelmente, as outras personagens femininas, em especial as vilãs. Embora personagens secundárias não sejam o foco mais óbvio da pesquisa, as relações de amizade e poder entre os personagens são um fator importante que compõem uma história. Pois bem, é fácil notar que o antagonista desses filmes é invariavelmente uma mulher.
Todas são caracterizadas como vaidosas e poderosas, embora de formas diferentes. No caso de Branca de Neve e Cinderela, as vilãs são figuras maternas que invejam as filhas. Em A Bela Adormecida, por outro lado, a mãe de Aurora mal tem voz e sequer tem um nome, enquanto Malévola só amaldiçoou a princesa para atingir o rei (além de render um filme estrelado por Angelina Jolie ­-– afinal, contos de fadas ainda são muito rentáveis). 
Claro, há as fadas: presentes em Cinderela e A Bela Adormecida, elas são sempre senhorinhas atrapalhadas, mas boas. E, enfim, há os finais felizes, sempre selados por um casamento real, que garantem o verdadeiro amor e ascensão ou manutenção do status social da princesa. 
Esses são os principais pontos que Valente escolhe subverter, e na minha opinião, o faz de forma bem sucedida: o casamento não só é questionado o filme inteiro, como é completamente eliminado do final feliz. O final feliz é a relação restaurada entre mãe e filha, e tudo o que aprenderam uma com a outra. O casamento arranjado e a mãe severa representam a tradição opressiva que Merida questiona; por outro lado, tudo só se resolve quando Merida assume suas responsabilidades e reata o relacionamento com sua mãe, a Rainha Elinor, que acabamos conhecendo tão bem quanto a princesa. 
Mas algo a se criticar em Valente é que os conflitos são mais colocados como a diferença entre a tradição e a renovação, do que como uma questão de gênero. Ao olharmos para a sociedade do filme, vemos mulheres que servem como criadas, cozinheiras e dançarinas, além da Bruxa Carpinteira que vende um feitiço para Merida após muita insistência da menina. 
Já os participantes dos jogos do torneio, os líderes dos clãs, bem como os integrantes de suas respectivas comitivas, são todos homens. Assim, há uma clara distinção dos papéis sociais dos homens e das mulheres. Contudo, o fato de Merida rejeitar a obrigação do casamento e gostar de atividades que, em sua cultura, são vistas como masculinas, é entendido como uma questão apenas individual, e não coletiva. Merida consegue ser compreendida no final do filme, mas apesar de seu poder político enquanto princesa, nada faz para mudar a situação de outras mulheres do reino. 
É evidente que essa é uma opção de abordagem e que portanto é válida. Mas quando olhamos para outros filmes de animação, como por exemplo Como Treinar o Seu Dragão e sua sequência (2010 e 2014, Dreamworks), temos uma temática muito parecida -– o questionamento de tradições -– em uma sociedade cujos guerreiros são homens e mulheres. Embora Dragão seja protagonizado por um menino, o protagonista passa por situações análogas a de Merida por não corresponder às expectativas de sua sociedade, que neste caso se baseia em violência, um traço tido como masculino no nosso próprio mundo. 
Enfim, considero Valente um filme renovador, mas tampouco condeno as Princesas Clássicas, já que suas protagonistas são esforçadas e bondosas, e seus filmes tiveram sua importância. Mas felizmente é perceptível que o público tem um grande interesse por histórias protagonizadas por mulheres mais ativas. Apenas sugiro aqui que se problematize a questão de gênero como um todo, e não só como algo subjetivo e pessoal, porque não é. E que elejamos novas princesas sempre. 




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