HEATH NO INFERNO, ENQUANTO MILK NÃO PASSA NA MINHA CIDADE
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HEATH NO INFERNO, ENQUANTO MILK NÃO PASSA NA MINHA CIDADE


Uma coisa que eu não vi na transmissão do Oscar foi que havia um bando de malucos “recepcionando” os astros no tapete vermelho com placas de “God Hates Fags” (“Deus Odeia Bichas”) e “Heath in Hell” (“Heath no Inferno”). Eram de uma igreja que já havia visitado o funeral do Heath Ledger com as mesmas palavras intolerantes. Essa seita, que busca os holofotes acima de tudo, acha que a América está acabada por ser muito permissiva nas morais e nos bons costumes, e que todos os gays serão castigados com o fogo eterno. Eu sou atéia, mas fico só pensando: qual Deus eu gostaria de ter? Um que ama os gays, ou um que ama pessoas que odeiam gays? No contest. Eu seria incapaz de crer num deus raivoso e homofóbico como o dessa igreja.
Mas o que mais me chama a atenção nessa história toda é que o Heath não era gay. Ele apenas interpretou um gay (muitíssimo bem) em Brokeback Mountain. Pouco depois ele fez um psicopata que gostava de destruir prédios e matar pessoas, o que lhe deu um merecido Oscar póstumo, mas imagino que a essa altura sua alma já estava condenada mesmo. Senão, pega mal um grupo religioso protestar contra um ator que faz um gay, mas não um serial killer. É mais ou menos como o dublador oficial do Sean Penn no Brasil (também pastor evangélico) se recusar a dar voz ao Harvey Milk, porque Milk era gay, e o pastor é espada. Tá, não é a mesma coisa. Suponho que o dublador não esteja fazendo uma cruzada anti-homossexualismo. Ele só recusou um papel, e tem o direito. Aliás, nunca entendi esse negócio de “dublador oficial”. Eu sei que aquela voz em português não é do Sean Penn, então não me importo muito se o dublador varia. Mas enfim, o pastor que é também dublador é também um homofóbico. Não há dúvida. E é um burraldo, assim como as pessoas da sua seita que creem que gays arderão no inferno. Mas não sei até que ponto são pessoas públicas, que merecem atenção.
Ao mesmo tempo, li em alguns lugares que os gays, embora tenham gostado muito de Milk, andam perguntando por que um ator heterossexual tem que interpretar um personagem gay. Quando chegaria a vez de um ator assumidamente gay interpretar um personagem gay? Conversei sobre isso com uma amiga, e fiquei pasma com seu raciocínio. Ela acha que sim, atores gays deveriam interpretar gays. E que tudo bem um hétero interpretar um gay, mas pra um gay interpretar um personagem hétero, fica difícil. “Hã? Como assim?”, eu quis saber. “Ah, porque um ator gay não conseguiria esconder seu jeitinho”, respondeu ela.
Essa minha amiga não é uma pessoa homofóbica. É instruída e inteligente. E ainda assim mereceu um sermão meu. Hello? O que é isso de “jeitinho”? Nem todos os gays são afeminados ou têm “trejeitos” femininos (sem falar que há bastante homem hétero que é afeminado e não é gay). E a gente tá falando de atores. Ator faz isso de interpretar um papel. Muitas vezes o papel não é uma cópia exata de como o ator é na vida real. Por exemplo, o Anthony Hopkins já interpretou um canibal em Silêncio dos Inocentes, Hannibal, Dragão Vermelho e, em menor escala, Titus (algum dia eu falo desse filme que gosto pacas), mas desconfio que ele não seja um canibal de verdade, ou a Rainha não teria lhe dado o título de Sir. E o Javier Bardem, então? Quando ele fala inglês na vida real, ele tem um sotaque até forte. Mas, em Onde os Fracos Não Têm Vez, ele declamou suas falas sem sotaque algum. Logo, se um bom ator consegue até mudar a voz e esconder o sotaque, será capaz de disfarçar seus trejeitos, se ele for gay. E se tiver trejeitos, pra começar.
Por outro lado, não sei se concordo com os gays sobre querer que um ator gay interprete um personagem gay. Quando Transamérica foi lançado, os travestis falaram a mesma coisa: por que colocar uma mulher (a Felicity Huffman) pra fazer um travesti? Por que não usar um ator que seja travesti na vida real? Bom, talvez porque se pouquíssima gente viu Transamérica (que merece ser visto), apesar de ser com a estrela de Desperate Housewives, se fosse com um ator desconhecido, pode apostar que ninguém ficaria sabendo da existência do filme. E se Milk não fosse com o Sean Penn, teria levado dois Oscars? Teria sequer sido indicado? Teria sido visto? Convenhamos: quantos atores assumidamente gays existem? Quando eu morava nos EUA, recebia (de graça!) a bíblia da comunidade gay, The Advocate (da qual Milk fala mal). E sempre havia um artigo exigindo pra que alguma celebridade saísse do armário. A Jodie Foster e o Ian McKellen são abertamente homossexuais, mas levaram quantas décadas pra se assumirem? E quem pode culpá-los? Se eu fosse atriz, e se eu fosse lésbica, não sei se eu falaria pra todo mundo. Primeiro porque é o pesadelo de todo ator ser typecast (relegado a um só papel pro resto da vida). Segundo porque minha orientação sexual pode ser algo pessoal meu. Tipo, eu sou hétero, mas essa é apenas uma entre dezenas de características minhas (também sou mulher, sou casada, sou de esquerda, sou feminista, sou cinéfila, sou gorda, etc etc). Mas, numa sociedade homofóbica como a nossa, se alguém diz que é gay, essa passa a ser sua única característica. Ao mesmo tempo, eu concordo com o Harvey Milk (e muitos outros ativistas gays): se os gays não saírem do armário, as pessoas ora continuarão pensando que eles não existem, ou achando que os poucos assumidos são todos uns pervertidos. Se os pais souberem que seu filho é gay, irão aceitá-lo - se forem bons pais. Se um homofóbico tiver um amigo gay, deixará de ser homofóbico, imagino, porque verá que não há nada de aberrante num gay. O preconceito caminha junto com a ignorância, eu acho. Ou não. Não sempre. Há pessoas que sabem que gays são gente como a gente, e optam por discriminá-los mesmo assim. Bom, pra essa gente existe a igreja com plaquinhas de “Heath in Hell”. Pras outras existe um mundo bonito e colorido de amor ao próximo. Eu fico com a segunda opção.

P.S.: Nas fotos da igreja homofóbica, as placas dizem que Obama é o anticristo, que os gays amaldiçoam as nações, que quando os aviões se acidentam, Deus ri, que Deus odeia o mundo, e que a gente vai toda pro inferno. Ah, ótimo! Espero encontrar o Heath e outros gays por lá, ao invés de me deparar com esses homofóbicos no paraíso. Se metade das pessoas "de bem" forem pro céu, aquilo deve ser um tédio só!




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