Geral
Hora da verdade - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 02/02
Os últimos acontecimentos reforçam a importância de fundamentos macroeconômicos sólidos. Os mais importantes são: 1) política fiscal que mantenha a dívida pública em patamar financiável a taxas baixas mesmo em momentos difíceis; 2) política monetária que mantenha a inflação e a expectativa de inflação no centro da meta; 3) taxa de câmbio flutuante que permita absorção dos choques externos e equilíbrio nas contas correntes.
Os eventos recentes também mostram que distorções no sistema de preços por interferência governamental têm consequências profundas e podem comprometer o ambiente econômico mesmo em países com macroeconomia equilibrada.
Na China, com fortes fundamentos, há desalinhamento importante nos preços relativos, entre eles um preço-chave --o crédito. A maior parte do mercado era administrado pelo governo com taxas artificiais, havia custo de capital descolado do custo de oportunidade (o que gera investimentos improdutivos) e subvalorização da moeda.
As consequências foram excesso de capacidade em diversos setores e endividamento alto e opaco de governos provinciais e estatais para atingir metas de investimento e produção. A redução do crescimento chinês é em parte consequência da decisão de corrigir esses desalinhamentos.
Analisando outro extremo emergente, a Argentina, temos conjugação de desequilíbrio macroeconômico com desalinhamento de preços. O país incorre em deficits fiscais crescentes, financiados por expansão monetária, o que causa absorção de recursos pelo Estado em detrimento do setor privado, tudo mascarado por uma inflação não transparente, que desorganiza a economia.
O desalinhamento de preços argentino começa por um preço-chave, o câmbio sobrevalorizado, e inclui taxas de juros abaixo da inflação (o que distorce a alocação de capital), energia subsidiada e variados controles de preços. Resultado: escassez de bens, contrabando, queda de investimentos e fuga de capitais.
Essas distorções exacerbaram os desequilíbrios econômicos. Produtores de soja, por exemplo, seguram produção esperando câmbio mais realista. Já os índices de inflação manipulados enfraquecem o tecido social, com luta desorganizada por recomposição de preços de bens, serviços e salários.
Tudo isso estava mascarado pelo excesso de liquidez global e o crescimento chinês que absorvia as exportações dos emergentes. Com o início da correção nos Estados Unidos e na China, todos os países serão forçados a corrigir e ajustar não só fundamentos, mas a estrutura microeconômica de preços relativos, direcionando mais investimentos à produtividade, não ao consumo ou fins políticos.
É lição importante a todos e alerta ao Brasil.
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