Imprensa abriu mão de fazer jornalismo
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Imprensa abriu mão de fazer jornalismo


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Gabriel Bonis, na revista CartaCapital:

Na cobertura do julgamento do “mensalão”, o jornalista Paulo Moreira Leite foi uma das poucas vozes dissidentes na imprensa brasileira. Em seu blog, então hospedado no site da revista Época, o ex-diretor de Veja, Diário de S.Paulo e da própria Época, cobriu o tema, em suas palavras, de forma “crítica e desconfiada”, evitando o tom meramente condenatório sobre os réus e analisando também as contradições do Supremo Tribunal Federal no caso. “A maioria dos veículos de comunicação abriu mão de fazer jornalismo durante o julgamento e cobriu como se não tivesse mais nada a ser demonstrado”, diz a CartaCapital nesta entrevista. “Esse tipo de senso crítico [ao julgamento] tem valor quando se baseia em fatos, não tem a ver com ser do contra ou a favor.”

Os textos publicados no blog durante o julgamento e outros inéditos se transformaram no livro A outra história do Mensalão – As contradições de um julgamento político (Geração Editorial, 353 págs., R$ 34,90), lançado na terça-feira 19. O trabalho chega às livrarias com uma tiragem acima da média no Brasil, em um mercado aquecido por ao menos outras duas recentes obras sobre o tema.

“Isso mostra como as pessoas ainda querem entender o que aconteceu. Elas vão ler e reler o que conhecem sobre o caso. Querem refletir mais profundamente, porque não foi um julgamento qualquer. A sua repercussão sobre a Justiça e a política brasileira ainda precisa ser avaliada.”

O seu blog se destacou por uma cobertura mais independente. Como foi a recepção? Recebeu muitas críticas negativas?

A recepção foi boa e a audiência cresceu muito, às vezes 500%. As pessoas não necessariamente concordavam com o que eu escrevia, mas sentiam que expressava um ponto de vista importante para o debate. Falava com leitores curiosos, com espírito crítico bastante acentuado e que não acreditavam em tudo o que ouviam.

Essa abordagem diferente da mídia em geral foi algo importante na cobertura deste caso?

Sim. Esse tipo de senso crítico tem valor quando se baseia em fatos, não tem a ver com ser do contra ou a favor. No caso, quando se lê os documentos disponíveis, o relatório da Polícia Federal sobre o caso anexado no processo, se conversa com a defesa e vê as alegações finais das partes, percebe-se que é um processo com contradições. Está longe de ser uma denúncia amarrada. É uma questão intelectual e profissional do jornalista examinar, pensar e não ter receio de desagradar quem quer que seja desde que esteja convencido, como estou, de que está expressando a verdade.

Houve alguma pressão editorial em relação ao conteúdo do blog?

Não. Mas tenho certeza que não expressava a posição unânime de leitores. No meu blog, há muitos comentários agressivos. No entanto, ele cresceu e virou uma referência no debate.

O fato de ser um blog ajudou no enfoque escolhido para a cobertura?

O blog permite que as pessoas compartilhem o que leram de forma instantânea. Isso é importante, torna a leitura focada, pois vai ler quem quiser saber sobre aquele assunto. Mas não sei se haveria mais ou menos eco se fossem outras mídias, como um grande jornal ou televisão.

Pouco tempo após o fim do julgamento já há alguns grandes lançamentos de livros sobre o caso. O que o senhor acha dessa tendência?

Esse mercado mostra como as pessoas ainda querem entender o que aconteceu. Elas vão ler e reler o que conhecem sobre o caso. Querem refletir mais profundamente, porque não foi um julgamento qualquer. A sua repercussão sobre a Justiça e a política brasileira ainda precisa ser avaliada.

No prefácio do seu livro, Jânio de Freitas diz que parte dos jornalistas que cobriram o caso “enveredaram por práticas que passaram do texto próprio de comentário jornalístico para o texto típico da finalidade politica, foram textos de indisfarçável facciosismo”. O senhor concorda com isso?

A maioria dos jornalistas e veículos de imprensa achou que estava tudo demonstrado e que a culpa de todos estava provada, como se não houvesse um trabalho para fazer sobre o julgamento, a qualidade das provas ou da acusação – que era muito mais frágil do que as pessoas supunham. A imprensa assistiu ao julgamento e contratou advogados, que muitas vezes tiveram papel mais importante que os repórteres. Algo engraçado, pois as pessoas leem o jornal para ver uma investigação, uma apuração. E a maioria dos veículos de comunicação abriu mão de fazer jornalismo durante o julgamento, cobriram o caso como se não tivesse mais nada a ser demonstrado. Mas, ao ver os autos em busca do contraditório, não ó que aparece. O que a Polícia Federal investigou é diferente daquilo que o Ministério Público aponta. Para o MPF e Joaquim Barbosa [relator do caso no STF] os empréstimos do Banco Rural ao PT, que José Genoíno assinou, eram fraudulentos. A PF investigou e concluiu que eram verdadeiros e a partir deles saiu dinheiro para o esquema. E isso muda muito a história.

Qual foi a maior contradição do julgamento?

São várias, mas a maior é apontar a tese de que o mensalão era um sistema de compra de votos e não conseguir indicar um único caso concreto em que se comparam votos. Não foi preciso comprar votos para apoiar nenhuma das reformas do governo, que passaram com larga margem, inclusive com o voto da oposição. No caso da Previdência, que era uma continuidade de uma reforma do governo do PSDB, o bloco governista era tão forte que o governo excluiu petistas que se recusaram a votar na reforma.

O que precisa ser desmistificado neste julgamento?

Banqueiros foram condenados a penas duríssimas, mas nenhum deles concentra o poder econômico do Brasil. Não é o Banco Rural que detém o poder financeiro do País, é um banco secundário. Os políticos que foram condenados são historicamente perseguidos pelo aparelho policial, seja no regime militar ou agora. Não são os homens públicos e poderosos. São pessoas de um governo específico, que representa uma força social específica. Os banqueiros de ponta que apareceram com grandes operações no ‘mensalão’, e que participaram das privatizações, não foram sequer levados a julgamentos ou no mínimo arrolados.




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