Por Altamiro Borges
14- Apesar dos enormes estragos causados pelo neoliberalismo, com a explosão do desemprego, da informalidade e do trabalho precarizado, o movimento sindical brasileiro demonstrou invejável capacidade de recuperação nos últimos anos. Ele se tornou um importante ator político, contribuindo para derrotar as forças de direita e para eleger o primeiro presidente oriundo de suas lutas. Mantendo a sua autonomia, o sindicalismo pressionou o governo Lula para arrancar expressivas conquistas. Pela primeira vez na história deste país, conforme o bordão do ex-presidente, as centrais sindicais foram legalizadas, firmou-se um acordo inédito de valorização do salário mínimo, o processo de privatização das estatais foi freado, entre outras vitórias. Aproveitando-se da maré de crescimento da economia, que gerou emprego e elevou o poder de barganha dos trabalhadores, os sindicatos na base também arrancaram reajustes salariais acima da inflação e outras conquistas sociais. Neste rico e contraditório processo de retomada, os índices de sindicalização voltaram a crescer – pularam de 16% no triste reinado de FHC para 26% nos dias atuais. Estes avanços, entretanto, não negam as debilidades ainda existentes nem ofuscam os enormes desafios futuros do sindicalismo brasileiro.
15- As limitações do governo Dilma, apontadas acima, exigem uma postura ainda mais ousada e aguerrida do movimento sindical. Com autonomia e inteligência política, para evitar qualquer perigo de retorno da direita neoliberal, é urgente intensificar as lutas sociais, dar passos mais seguros na unidade da classe e reforçar a conscientização dos trabalhadores – politizando e interferindo com mais ímpeto no cenário nacional. Na luta estratégica pelo desenvolvimento econômico com valorização do trabalho, torna-se necessário reforçar as críticas ao tripé neoliberal que ainda entrava o Brasil. Unindo-se a todos os setores da sociedade contrários à agiotagem financeira, mas garantindo a independência classista, o sindicalismo deve priorizar as lutas pela drástica redução das taxas de juros, contra o chamado superávit fiscal – nome fantasia da reserva de caixa dos banqueiros – e por medidas mais duras de controle do câmbio e do fluxo especulativo de capital. O governo Dilma revela pouca convicção para enfrentar estes gargalos. É preciso pressioná-lo com vigor para evitar o risco da retração da economia, que afetaria o emprego e a renda dos brasileiros.
16- Além da luta contra o tripé macroeconômico neoliberal, torna-se cada vez mais atual a luta por reformas estruturais no Brasil. Aproveitando-se da correlação de forças política mais favorável, é preciso enfrentar as injustiças seculares que infernizam o país – antes que o “cavalo passe içado” e se perca esta chance histórica. Entre estas reformas, cinco se destacam: a reforma agrária, que acabe com o latifúndio improdutivo e garanta terra aos milhões de lavradores sem terra; a reforma urbana, que garanta estrutura digna de saúde, educação, transporte, moradia e lazer aos milhões de superlotam os centros urbanos; a reforma tributária, que penalize os ricaços, que hoje não pagam impostos, e desonere os trabalhadores e os pequenos e médios produtores; a reforma política, que enfrente o poder corruptor das elites e amplifique a democracia no país; e a reforma dos meios de comunicação, que garanta a verdadeira liberdade de expressão – o que não se confunde com o poder dos monopólios midiáticos de manipular as informações e deformar os comportamentos. Estas, entre outras bandeiras, devem fazer parte das prioridades do sindicalismo. Estas reformas estruturais abrem o caminho para a superação do capitalismo, na perspectiva da construção do socialismo.
17- Ao mesmo tempo em que luta por mudanças políticas mais profundas, o sindicalismo não abdica das suas pautas trabalhistas. Mesmo com a recente retração da economia, os empresários nunca ganharam tanto dinheiro na vida – tanto que o Brasil já está virando um paraíso dos ricaços, com vendas recordes de jatinhos, helicópteros e iates de luxo. Nada justifica o chororo terrorista das empresas na hora das negociações coletivas. Esse é o momento para brigar por melhores salários e condições de trabalho. É também o melhor contexto para pressionar o Congresso Nacional pela aprovação de projetos de interesse dos trabalhadores – como redução da jornada de 44 para 40 horas semanais, ratificação da Convenção 158 da OIT que proíbe a demissão imotivada e pela regulamentação das desumanas terceirizações. É urgente reforçar as denúncias contra a bancada patronal em Brasília, que tenta impor novas medidas regressivas, como o nefasto projeto do deputado-patrão Sandro Mabel que amplia a terceirização.
18- Para avançar nestas conquistas, porém, o movimento sindical necessita acumular mais forças. Não basta a retórica, é preciso elevar a sua capacidade de mobilização e pressão. Para isto é fundamental a politização e a unidade de classe. Nenhuma categoria isoladamente tem força para conquistar estes avanços estratégicos. Em 2010, as seis centrais sindicais reconhecidas legalmente no país (CUT, FS, CTB, UGT, NCST e CGTB) deram prova de maturidade ao realizar a Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), que aprovou um plano unitário de reivindicações, sintetizado na “carta dos trabalhadores pelo desenvolvimento, com soberania, democracia e valorização do trabalho”. Esse rumo deve ser reforçado no próximo período da luta de classes no país, com a realização de mais protestos de rua que pressionem os três poderes constituídos do país e os empresários. Para avançar nas suas lutas, o sindicalismo também deve aproveitar o momento para fazer autocrítica, fraternal e construtiva, das suas próprias limitações. O papel do movimento sindical é mobilizar, organizar e conscientizar. A pergunta que precisa ser respondida: ele está cumprido essa missão classista? Ele está investindo seus melhores recursos e talentos para atingir estes objetivos?
19- Numa conjuntura política e econômica mais favorável, o sindicalismo nacional reúne melhores condições para avançar na sua organização, mobilização e conquistas. Acima de tudo, o momento exige maior unidade e luta dos trabalhadores. Neste sentido, nada justifica a proposta lançada pela CUT, maior central do país, em defesa do fim da unicidade e da contribuição sindical. Estas medidas causariam a fragmentação dos sindicatos e sua asfixia financeira. A unicidade garantida em lei, apesar de seus problemas, tem se mostrado um contraponto às investidas divisionistas do patronato. Na Europa, onde predomina o pluralismo sindical, os trabalhadores esbarram em maiores dificuldades para acionar seus organismos de classe. Já a contribuição sindical é indispensável para a atuação de milhares de entidades. A sua extinção paralisaria vários sindicatos. Não é para menos que a proposta do fim da contribuição é defendida pelo DEM, que representa os sinistros interesses do capital. O sindicalismo deve evitar os pontos de divergências e apostar suas fichas nas convergências para garantir novos avanços neste momento inédito na história do Brasil.
* Exposição sobre desafios do sindicalismo apresentado no IX Congresso dos Comerciários do Rio Grande do Sul
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