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Investir pouco e mal - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 17/08
É desanimador olhar as contas do governo, com a ajuda de especialistas. O economista Mansueto de Almeida avisa que a despesa primária do governo cresceu 13%, ou R$ 49 bilhões, no primeiro semestre e o investimento teve um ligeiro aumento nominal de apenas 1%, ou R$ 333 milhões. Gil Castelo Branco conta que até julho o governo investiu apenas 27% do que está no orçamento.
Gil diz que o DNIT investiu R$ 400 milhões a menos do que no ano passado, em parte por causa da greve de um mês do órgão. Ele afirma que este ano tem sido uma enorme frustração.
- No orçamento foram previstos R$ 91,2 bilhões de investimentos, e até julho só foram aplicados R$ 24 bilhões, sendo que dos R$ 4,5 bilhões, R$ 1,9 bilhão são de compras no exterior que não geram impacto na cadeia produtiva - afirma o secretário-geral da organização Contas Abertas.
O investimento público ajuda a estimular o investimento privado. Mansueto diz que o Brasil é o país que todo empresário estrangeiro demonstra interesse em apostar no setor de infraestrutura. Ainda assim há reticências.
- A gente deveria estar preocupado com o que está travando o investimento. Somos um país de US$ 10 mil de renda per capita e uma carga tributária de 35%, alta para o nosso nível de desenvolvimento. O investimento público federal é de 1,1%; em 2002 era mais ou menos isso. O público total (federal, municipal, estadual) era de 2,5% em meados da década de 90 e continua no mesmo nível. Só que em meados de 90, a carga tributária era de 26% e agora é de 35% - lembra Mansueto.
O governo arrecada muito, investe pouco, eleva o gasto e escolhe mal onde investir.
- Em dez anos, o governo investiu R$ 9,8 bilhões em saneamento básico, rural e urbano, num país em que metade das casas não tem coleta de esgoto. O trem-bala custará R$ 38 bilhões. Com os estádios padrão Fifa gastou R$ 7 bilhões; com a transposição do Rio São Francisco, que acabaria com a seca do Nordeste, foram gastos desde 2005 R$ 4,2 bilhões. Essas opções precisam ser mais bem discutidas - diz Gil Castelo Branco.
Precisam mesmo. Vários especialistas sustentam que a transposição não atingirá o objetivo e, além disso, a obra está parada no meio do caminho. Ficando assim, tanto os estádios quanto a transposição e o trem-bala foram ou serão escolhas erradas com o parco dinheiro do investimento.
Há outros problemas nas contas públicas, explicaram os economistas que entrevistei essa semana na Globonews. Gil alerta que está havendo um retrocesso de dez anos na transparência do Orçamento Geral da União. Primeiro, as ações que estão registradas no Plano Plurianual não têm correspondência com os nomes registrados no orçamento. Segundo, os nomes dos programas do OGU foram englobados em "iniciativas" e isso impede que os especialistas calculem o gasto por segmento da sociedade.
- Diminuíram os programas que estavam em categorias específicas. Antes, era possível fazer subextratos do orçamento e saber quanto era o orçamento mulher, orçamento criança. A Cfemea (ONG feminista) sempre fez isso. Estamos em agosto, e ela ainda não conseguiu calcular. Nós fazíamos a conta para a Unicef, e não estamos conseguindo. Diminuiu a transparência - diz Gil.
Mansueto afirma que há uma contradição. Para criar uma despesa não continuada é fácil, mas um investimento permanente é difícil.
- É mais fácil fazer um trem-bala do que aumentar o investimento em educação em R$ 100 milhões - diz Mansueto.
O governo está gastando muito, investindo pouco, mal, e minando a confiança nos indicadores fiscais. Difícil haver mistura pior.
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