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Jornalismo amazônico - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 13/08
A única coisa que o jornalismo 'tradicional' tem a temer não é o fim do papel; é o fim dos leitores
Jeff Bezos, o fundador da Amazon, comprou o "Washington Post". E agora? Que futuro para o jornal? E que futuro para o jornalismo?
Calma, povo. Ponto prévio: a minha gratidão para com o sr. Bezos não tem limites. Nada mudou tanto a minha vida como a possibilidade de aceder a produtos que, em tempos mais jurássicos, eu era obrigado a carregar como um contrabandista sempre que viajava para o exterior.
Sem falar da pura extorsão que os produtos importados significavam para quem queria ler, escutar ou assistir ao que de melhor se escrevia, compunha ou filmava pelo mundo fora.
Além disso, confesso também que nunca comprei o tom catastrofista de quem vê na internet a maior ameaça para o jornalismo "tradicional".
É preciso fazer uma distinção entre o jornalismo "tradicional" e o jornalismo "impresso". Não são a mesma coisa. O primeiro indica uma forma de jornalismo onde critérios de verdade e relevância continuam a fazer sentido. A segunda, apenas uma forma de o apresentar.
Sim, a internet pode ser uma ameaça para o jornalismo "impresso". E, tal como Marshall McLuhan afirmou várias décadas atrás, é possível que um livro, uma revista ou até um jornal possam ser objetos artísticos, de luxo, próprios de colecionador, no futuro próximo.
Daqui a 20 anos, admito que esta Folha tenha menos exemplares nas bancas e mais leitores na internet. Mas também admito que os exemplares disponíveis nas bancas terão uma produção assaz refinada. Chegaremos ao cúmulo da sofisticação: comprar um jornal para ler e guardar na estante.
Nada disso significa o fim do jornalismo "tradicional". Enquanto existirem leitores do outro lado interessados em consumir informação, haverá notícias, entrevistas, crônicas ou reportagens prontas para serem servidas em vários tipos de telas.
Moral da história? A única coisa que o jornalismo "tradicional" tem a temer não é o fim do papel; é o fim dos leitores. E aqui entram os meus receios: saber até que ponto uma má adaptação do jornalismo "tradicional" para a internet não poderá alienar os próprios leitores.
Em excelente matéria para a "Veja", Rafael Sbarai levanta várias hipóteses sobre o futuro do jornalismo depois da compra de Jeff Bezos. Uma delas é Bezos aplicar ao jornal (e ao jornalismo) o mesmo critério comercial que pratica na Amazon.
Explico melhor. Sempre que entro na loja virtual, existem sugestões para mim. Sugestões de livros, discos, filmes. Alguém sabe do que eu gosto e esse alguém, como diria Flaubert sobre a sua Bovary, "c'est moi".
Parece que todas as compras ficam registradas e todos os registros criam um "perfil". Se eu gosto de cinema asiático, por exemplo, a Amazon registra a preferência. Depois, quando há novidades a Oriente, eu sou avisado a Ocidente.
Durante uns tempos, confesso, a precisão do negócio maravilhava-me. Todos os meses, todas as semanas, todos os dias havia mercadoria cultural para me tentar --e arruinar.
Mas havia também o lado negro do negócio: a minha preguiça crescente. Eu deixava de procurar porque a Amazon procurava por mim.
Em pouco tempo, eu deixei de ser um consumidor da Amazon. Passei a ser dependente dela. Dependente do mesmo tipo de livros, discos ou filmes --em repetição entediante. O que implicou ignorar outros livros, discos ou filmes que não apareceram mais no radar.
Eis a maior ameaça para o futuro do jornalismo: chegar a um ponto em que as notícias que interessam são apenas as notícias que me interessam. E em que todas as outras deixam de aparecer nesse radar.
Haverá quem pense que isso é um progresso intelectual: nós, fechados no nosso pequeno mundo, lendo apenas o que corresponde às nossas preferências e ignorando o que existe fora da nossa ilha de gostos e idiossincrasias. Sem espaço para surpresas, incertezas, até baixezas.
Pessoalmente, só posso esperar que esse cenário nunca seja real. E que os jornais, no papel ou na tela, continuem a ser esse espaço de descobertas várias por onde os leitores investem a sua curiosidade. Livremente. E sem amarras.
Um jornal amazônico que seja apenas o reflexo das preferências do leitor deixa de ser um jornal. E, a prazo, até o leitor deixa de ser um leitor.
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