MAD MEN, JAGUAR E A ALMA DO NEGÓCIO
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MAD MEN, JAGUAR E A ALMA DO NEGÓCIO


Quando será que Mad Men vai voltar? Depois que vi as cinco temporadas, fiquei apaixonada pela série.
As primeiras temporadas se passam no final dos anos 1950 e início dos 60, época em que não era nada bom ser mulher (nem negro, nem gay). Era o tempo pré-revolução sexual em que as mulheres de classe média só iam pra faculdade pra arranjar marido, e só trabalhavam até casar.
Peggy é minha personagem feminina preferida na série. Ela é uma jovem e tímida secretária que, pelo seu talento, consegue ser promovida à redatora. A única redatora mulher em toda a agência.
No quinto episódio da primeira temporada, Peggy, ainda secretária, se destaca no meio de uma pesquisa em grupo, em que as mulheres da agência devem testar batons. Ela entrega uma cesta de lixo com guardanapos cheios de marcas de batom a Freddy, o supervisor da criação, e lhe diz, “Aqui está sua cesta de beijos”. Freddy, impressionado, lhe pergunta onde ela ouviu aquilo, quem lhe disse. Ela fica confusa -– ué, foi ela mesma que criou, sem saber que tinha feito qualquer coisa de especial. 
Depois, Freddy narra a Don Draper, seu chefe, como foi impressionante assistir a uma mulher, uma secretária, ter uma boa ideia: “Foi como ver um cachorro tocando piano".
De lá pra cá, muita coisa mudou, pelo menos na série. Peggy torna-se, através do seu próprio esforço e talento, uma das mais respeitadas empregadas da agência. Na última temporada, ela sai da agência -– e eu realmente torço pra que isso não signifique que ela suma da série.
Outra personagem excelente é Joan, também secretária, também ultra-competente no que faz. Mas no último episódio da quinta temporada (e ainda não temos uma sexta) ela tem que tomar uma decisão que vai mudar seu destino e, talvez, a opinião que o público tem dela.
A agência de Don está tentando conseguir a conta do carrão Jaguar. 
Ela é importantíssima pro futuro da empresa. O slogan que a agência pensa em sugerir, mas usando outras palavras, é algo espúrio como “Jaguar: A amante que fará coisas que sua mulher não faz”. Machista, não? Não naquela época. Apenas vulgar. No fim, eles encontram algo infinitamente melhor: “Jaguar: Finalmente, algo lindo que você pode realmente possuir” (em inglês é mais bonito: “Jaguar: At last, something beautiful you can truly own”).  
Só sei que não gostaria de estar na pele da Jaguar. Ainda que o carro seja considerado belo e luxuoso, ele é descrito como nada prático, não confiável, meio que um carro pra ficar na garagem. Pior: Lane, um executivo que perde tudo, tenta se matar dentro de um Jaguar (o motor não dá partida; um dos donos da marca disse, sobre a tentativa frustrada de suicídio: “Nunca ficamos tão felizes por um carro nosso não pegar”). 
Mas o pior, pior mesmo, é que, na série, um dos executivos da empresa transforma Joan em prostituta por uma noite. Para que a agência ganhe a conta, Joan deve transar com o tal executivo da Jaguar. Em troca, ela exige 5% da sociedade da agência. Fica claro que este é o único jeito que Joan, apesar de brilhar na agência há treze anos, tem pra conseguir virar sócia (este ótimo texto em inglês mostra que não é a primeira vez que a agência se prostitui).
O que Mad Men faz com a Jaguar não é merchandising, definitivamente. Aliás, acho incrível que a série use marcas e agências de verdade. E não sei como as marcas permitem. Pesquisadores da série procuraram a Jaguar quando os episódios estavam sendo escritos, pra espiar arquivos e descobrir como era a decoração da época. Os executivos da Jaguar não gostaram muito de se verem representados negativamente, mas esperam que o público entenda que o personagem que insiste em transar com Joan em troca de dar a conta pra agência é fictício.
Um site descreveu direitinho já no título o que a série fez com a Jaguar: "Como é ver Mad Men causar perda total na sua empresa automobilística", ha ha. Mas pelo menos a marca deu declarações diplomáticas sobre o episódio e não perdeu o bom humor. Um dos tweets de Jaguar foi "Amamos a ideia, não amamos o processo. Aplaudimos Peggy por deixar a agência".  
Quanto será que a situação no mundo da propaganda mudou nesses últimos 40, 50 anos? Segundo um publicitário inglês, não muito. Ele fala da publicidade na Grã-Bretanha atualmente: 
“Há mulheres na produção de TV, planejamento e atendimento. E para alívio de todos, os 'Sals' [diretor de arte gay que só aparece no começo da série] estão agora fora do armário. Mas isso tem mais a ver com mudanças na sociedade que na indústria da propaganda. Ainda há pouquíssimos negros ou asiáticos, 80% do pessoal de criação são homens, apenas uma em cada cinco posições de comando pertence a uma mulher, e você só precisa de uma mão para contar as diretoras de criação mulheres. E menos de 5% de todas as pessoas numa agência continuam depois dos 50 anos -– e isso inclui equipe administrativa e de limpeza”.
Como será que está o cenário no Brasil de hoje? A julgar pelos anúncios e comerciais preconceituosos que as agências continuam criando, não deve estar muito melhor... 
Que as agências contratem mais Joans e Pegggys, por favor! (e volta logo, Mad Men).




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