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MARCELA É JOVEM E BONITA. E DAÍ?
Há pessoas (melhor não citar nomes) que desconhecem uma palavrinha chamada contexto. Que não veem, ou não querem ver, que o problema não é achar uma moça como Marcela Temer bonita, e sim enfocar sua aparência quando ela, Marcela, é apenas coadjuvante (aliás, coadjuvante em filme tem falas. Figurante) num momento histórico, que é a posse da primeira mulher presidente. Essas pessoas acham que quem vê machismo nessa troca de prioridades é moralista e está condenando a beleza de Marcela. O problema é que não estamos falando mal de Marcela Temer ou de sua beleza. Pelo menos eu não vi nenhuma feminista dizer algo negativo sobre ela. Porque a questão não é a Marcela. Sabe o “it's not about you”? Então, it's not about her. Poderia ser qualquer mulher jovem e bonita (redundância), que ela seria usada por machistas e reaças (até anteontem eu diria que isso era redundância também) pra ofuscar a Dilma. E também, não precisa ser a Dilma. Poderia ser qualquer mulher em posição de poder. Isso pra lembrar que não, não importa se uma mulher assume a presidência pela primeira vez na história do país. O que importa mesmo pra uma mulher é que ela seja bonita. Não tem nada de errado em alguém achar bonita uma mulher, qualquer mulher, ué, inclusive as que estão fora do padrão de beleza (e achar bonita uma mulher fora do padrão exige mais coragem, convenhamos, que achar linda a Marcela. Coragem não é seguir as convenções, é rompê-las). Mas tem algo de errado quando o foco não deveria ser esse. Não é um concurso de miss. Dilma e Marcela não são adversárias. Dilma é presidenta, Marcela é primeira-dama do vice. Elas não estão competindo. Ninguém está julgando a inteligência de Marcela. Mas julga-se a aparência de Dilma. Pensei que fosse ponto pacífico, pelo menos entre as feministas, que é uma droga que todo mundo fique falando da roupa da Dilma, da maquiagem de Dilma, do cabelo de Dilma, da gostosura de Dilma. Porque nada disso é importante pra se comandar uma nação. Assim como a aparência não é importante pra uma cientista. Só que a aparência não ser importante para a realização de um trabalho não impede que, toda santa vez que uma profissional é entrevistada, a matéria dê destaque a sua “femininidade” (exemplo: mulheres pedreiras precisam pintar as unhas). A questão da aparência só deveria ser importante pra pessoas que vivem disso (modelos, atrizes e atores, misses etc). Mas o machismo faz com que todas nós, mulheres, sejamos avaliadas em primeiro e, muitas vezes, último lugar, pela nossa aparência. Pessoalmente não gosto disso. Nunca gostei, nem quando eu era magra e jovem e estava dentro do padrão de beleza. Porque, sabe, não era sobre mim. Só porque eu podia me beneficiar de um sistema machista não me fazia defendê-lo. Eu nunca falo mal individualmente de alguém. Não gosto de pornografia, mas nunca que vou insultar uma atriz pornô. Considero a prostituição algo muito danoso pras mulheres em geral, mas as prostitutas têm a minha solidariedade. Pô, o problema não é a prostituta, é a prostituição. E não só eu não falo mal de alguma modelo ou miss, como também não digo que são mulheres fúteis e vazias. Fútil e vazio é um concurso de miss, não as participantes em si.O problema não é Marcela Temer, e eu nunca disse que era. O problema é dar-lhe mais atenção (e essa atenção é unicamente por ela ser jovem e bonita) que é dado à primeira presidenta e a um momento histórico. Marcela querer ou não atenção é totalmente irrelevante aqui, porque a atenção lhe seria dada de qualquer forma. Não tenho nada contra Marcela. Quer dizer, nem contra nem a favor. Até a posse, eu nunca tinha ouvido falar nela. E já que Michel Temer não me agrada e pretendo ignorá-lo pelos próximos quatro anos, não sei por que deveria me interessar por Marcela. E não é so nos Trending Topics que só se fala em Marcela (embora o Twitter seja um bom parâmetro). É na velha mídia. É nos blogs, principalmente nos de direita. Aliás, não se fala em Marcela sem se falar na Dilma. Marcela serve como critério de comparação para a única comparação que — pensam eles — deve ser feita quando o assunto é mulher. É o que os machistas americanos chamam de “fuckability”, o “aspecto fodável”, o grau de intensidade pelo qual um homem, ativo, quer “comer” uma mulher, passiva. Marcela parece ter uma nota excelente nesse quesito, enquanto a de Dilma é baixa. Mas quem definiu que o critério deve ser esse? E logo na posse da nossa primeira presidenta? Se não fosse uma mulher a empossada, podem apostar que se falaria muito menos na Marcela (assim como o aborto não monopolizaria o debate no segundo turno se os dois candidatos fossem homens). Claro, Marcela chamaria a atenção por ser jovem e bonita, e certamente seria feito um joguinho de comparação com a outra primeira-dama (como está sendo feito agora. Falam direto de Marisa. Falam que Marcela poderia ser primeira-dama de Dilma, e por aí vai). E, infelizmente, não tenho nenhuma dúvida que, se fosse uma presidenta de direita sendo empossada (tipo: Katia Abreu), e Michel Temer estivesse lá como vice (o PMDB é um partido fisiológico, alguma dúvida?), muito carinha de esquerda estaria falando exatamente as mesmas coisas que os reaças estão falando da Dilma. Porque Marcela não existe no vácuo. Ela só está sendo alçada à fama para mostrar que, no que realmente importa, Dilma (e as mulheres que sonham com uma posição de poder) é uma loser. E não entendo muito bem essa linha do feminismo que tão ardorosamente defende o status quo. Sim, porque não é preciso esforço algum para se posicionar do lado do “é assim que as coisas são”. Muitas mulheres querem ter o direito de posar de lingerie ou nuas? Puxa, quem é que está tirando esse direito? Falando assim, parece que a gente vive numa sociedade que não permite que pessoas avaliem as mulheres pela sua aparência. Puxa, mulheres querem ser chamadas de gostosas? Aproveitem então. Basta sair na rua pra que isso aconteça (ainda que a maioria das mulheres não queira ser abordada por um estranho, à noite, numa rua deserta). Quem não liga prum mundo machista não precisa fazer absolutamente nada pra mudá-lo. E, criticando não o machismo, mas as feministas que tentam lutar contra o machismo, ganha-se um monte de pontinhos entre os machistas. Machistas esses que podem escolher suas feministas — as que nunca os confrontam, que até os confortam dizendo que, oh, não há nada de errado em gritar "Marcela pra presidente!". As outras feministas? Todas feminazis.
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