Megaprojetos exigem desenvolvimento local
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Megaprojetos exigem desenvolvimento local



Para o megaprojeto de Belo Monte chegaram muito tarde, mas algumas atuações poderiam melhorar a imagem das centrais hidrelétricas que aproveitam os rios amazônicos do Brasil, convertendo-as em um fator de desenvolvimento local efetivo. Em construção desde 2011 no rio Xingu, Belo Monte destina recursos sem precedentes para compensar e mitigar seus impactos, no chamado Projeto Básico Ambiental (PBA), com orçamento de US$ 900 milhões, pelo câmbio atual com o real.

A isso se soma um Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS), com verba de US$ 140 milhões, destinados a impulsionar políticas públicas e melhorar a vida de toda a população da área de influência da central de energia, que compreende 11 municípios do Estado do Pará.O total desses recursos corresponde a 12,8% do custo da gigantesca obra no Médio Xingu, um dos grandes afluentes do rio Amazonas.

Se fosse feita uma distribuição por pessoa, caberiam US$ 2.500 para cada um dos pouco mais de 400 mil habitantes locais. Os números apresentados pela empresa concessionária de Belo Monte, a Norte Energia, não silenciam as queixas e denúncias que, embora originadas por pequenos grupos, minam a reputação das hidrelétricas como melhor solução energética para este país sedento de eletricidade.

“A lentidão com que a empresa executa as ações compensatórias é inversa à velocidade que imprime às obras da hidrelétrica”, criticou o Fórum de Defesa de Altamira, que reúne 22 organizações contrárias ao megaprojeto. O atraso mais visível afeta o saneamento da cidade, a principal da região, que concentra um terço de sua população. Instalados há dez meses, a rede de esgoto e as tubulações de água continuam inúteis, deixando parcialmente ociosas também as usinas de tratamento de água potável e de esgoto.

Isso ocorre porque não foi feita a ligação com as residências e os comércios, uma tarefa em demorada negociação entre a Norte Energia, a prefeitura e a empresa de saneamento do Pará, mesmo depois que a companhia se mostrou disposta a assumir seu custo, aumentado pela deterioração das tubulações.“Além disso, ficou fora a drenagem pluvial, pois a prefeitura não a incluiu entre as condições exigidas para que a empresa possa operar a hidrelétrica”, lamentou à IPS o coordenador da Fundação Viver, Produzir e Preservar, João Batista Pereira. É uma carência destrutiva para as cidades amazônicas, que recebem chuvas frequentes e torrenciais.

As obras e serviços incluídos no PBA respondem às exigências do Instituo Brasileiro do Meio Ambiente, a autoridade nacional do setor, cujo descumprimento pode paralisar o projeto. Mas são regras sujeitas a flexibilizações e interpretações variadas, conforme demonstram experiências recentes.Pereira é um dos dirigentes do PDRS, um programa “democrático e participativo”, no qual os investimentos são decididos por um Comitê Gestor de 15 membros da sociedade e 15 membros dos governos municipal, estadual e federal.

Os projetos podem ser apresentados por qualquer organização local que opere nos quatro eixos do plano: regularização da terra e de assuntos ambientais, infraestrutura, produção sustentável e inclusão social. Esses eixos e alguns projetos que já financia, como a fábrica de chocolate Cacauway, que processa a recente produção de cacau, distinguem o PDRS do PBA, que responde às necessidades imediatas de pessoas afetadas, como indígenas, pescadores ou famílias deslocadas pela construção da represa.


As ações do PBA foram definidas pelo estudo de impacto ambiental, prévio à licitação da central e elaborado por pesquisadores. Os hospitais e clínicas buscam compensar os municípios pelo aumento da demanda de serviços de saúde, enquantoforam construídas 4.100 moradias para acolher as famílias desalojadas. As respostas a essas necessidades imediatas acontecem sem um planejamento integral ou duradouro. Existe apenas um responsável pela execução, a concessionária, embora sejam tarefas estatais. “É natural a confusão entre o público e o privado”, afirmou à IPS o diretor da área socioambiental da Norte Energia, José Anchieta.

O atraso em programas compensatórios, conforme críticas do Fórum de Defesa de Altamira, gerou caos. Na realidade, muitas dessas atuações deveriam ter acontecido antes da construção da hidrelétrica. Os hospitais e ambulatórios foram entregues pela Norte Energia agora, no final da obra, mas quando foram mais necessários foi há dois anos, durante o maior fluxo de trabalhadores e população flutuante na região. O mesmo aconteceu com as escolas e obras de urbanização.

Essa falta de sincronia teve ares de tragédia na questão indígena. Não foi feito o fortalecimento institucional da proteção à população originária, mas o contrário, e a presença local da Fundação Nacional do Indígena (Funai) se enfraqueceu durante as obras de Belo Monte. Acentuou-se a ausência do Estado.

Entre 2010 e 2012, foi adotado um “plano de emergência” que distribuiu alimentos industrializados e outros bens às aldeias indígenas. Isso provocou uma mudança abrupta de hábitos, à qual é atribuído um grande aumento da desnutrição e mortalidade infantil entre suas populações, que só recentemente começaram a receber moradias, escolas e insumos para retomada da produção agrícola.

O horizonte temporário também afasta o PDRS do PBA, que deveria terminar antes da formação das represas, prevista para o final deste ano. O PDRS tem prazo de ação de 20 anos. Além disso, trata-se de “um importante ambiente de debates, definição de projetos e redefinição de políticas públicas, que deveria ser perene, transformado em um instituto ou fundação”, destacou Pereira, para defender a “adoção de sua gestão democrática por outras agências de fomento”.

O tema preocupa o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financia 78% do custo da construção de Belo Monte. Além de ter uma equipe acompanhando o PDRS, promoveu um estudo para ordenar seus projetos e suas ideias em uma Carteira de Iniciativas e em uma Agenda do Desenvolvimento Territorial (ADT) do Xingu.Esse esforço de planejamento e fomento de um verdadeiro desenvolvimento acontece quando já é difícil neutralizar os efeitos negativos, que dificultam a construção de novas hidrelétricas Amazônia adentro, mesmo prometendo uma ADT prévia.

Além disso, Belo Monte realçou, também por motivos claramente energéticos, os dilemmas e desafios da geração elétrica, dramatizados atualmente por uma forte seca em grande parte do Brasil.Belo Monte, segunda maior hidrelétrica brasileira em potência e a terceira do mundo, com 11.233 megawatts, agravará as quedas cíclicas da hidroeletricidade no segundo semestre de cada ano, quando estiver plenamente operacional a partir de 2019.

Isso porque o rio Xingu apresenta a maior variação estacional em seu fluxo. De 19.816 metros cúbicos por segundo em abril, mês de maior cheia, baixa para 1.065 metros cúbicos em setembro, no extremo da estiagem, como média entre1931 e 2003, segundo dados da Eletrobras, principal empresa do setor.

Provavelmente não exista um rio pior para receber centrais de passagem, cujas represas não acumulam água para os meses secos. Belo Monte representará 12% do total de geração hídrica do país, por isso o efeito desse desnível será enorme, ampliando a demanda por centrais térmicas, mais contaminantes e caras.A alternativa teria sido uma represa 2,5 vezes maior, inundando duas terras indígenas, algo vedado pela Constituição brasileira. Outra pode ser a construção de quatro a seis centrais rio acima, para regularizar o fluxo do Xingu, como incluía o projeto original da década de 1980, deixado de lado pelas reações contrárias.

Fonte: IPS/
Mario Osava




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