MEU SALÁRIO E A GREVE DAS FEDERAIS
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MEU SALÁRIO E A GREVE DAS FEDERAIS


Até agora no blog, não falei nada sobre a greve das federais, e falo agora com um pé atrás, porque é um assunto um tanto polêmico. Eu sou o que se pode chamar de uma recém-doutora. Terminei o doutorado em junho de 2009, passei no primeiro e único concurso da minha vida em agosto daquele ano, e tomei posse na UFC em março do ano passado (parece que foi ontem!). Estou em estágio probatório até março de 2013. Em março do ano que vem vou completar dois anos e, assim, estou apta a pedir progressão funcional, que se dá a cada dois anos. Parece que preciso reunir toda a papelada de tudo que fiz durante esse período (publicações, palestras, organização de eventos, comissões, coordenações, número de horas lecionadas, e inclusive a nota média que os alunos me dão nas avaliações semestrais) e submetê-la a um conselho, que emitirá um relatório. Este relatório é lido e posto em votação no meu departamento. Se tudo der certo, em abril estarei no nível Adjunto 2. A diferença é salarial: ganharei R$ 188 (brutos; líquidos, não sei) a mais por mês. É uma mixaria, mas, como disse um professor amigo, num ano dá R$ 2340, o que não é desprezível. E por aí vai — a cada dois anos, dá pra subir um nível e ganhar um tiquinho a mais. O grande salto mesmo é quando, depois de Adjunto 4, o professor vai pra Associado. Aí o salário já pula de R$ 7.913 (o salário bruto de um professor adjunto 4) para R$ 10.703. Uma diferença realmente considerável. É possível pra um doutor chegar lá, com progressões funcionais, em oito anos de carreira.
Hoje meu salário, assim como o de qualquer adjunto 1 numa universidade federal, é de R$ 7.333. Isso bruto. Líquido fica nuns R$ 5.640 por mês. Mas a folha de pagamento é toda esquisita. O vencimento básico mesmo é de apenas R$ 2.318. Aí tem a GEMAS (Gratificação por Exercício do Magistério Superior), que é de R$ 1.098, e o RT, que não é retweet, mas Retribuição por Titulação (R$ 3.916). E um auxílio-alimentação de R$ 304. Desse dinheiro todo desconta-se minha mensalidade pra Adufc (sindicato dos docentes), que é de 1% do salário total bruto (ou seja, R$ 73), contribuição social e imposto de renda, e sobra R$ 5.640 (isso é pra doutor; um mestre com 40 horas de dedicação exclusiva ganha cerca de R$ 4.140 líquidos). Que é o maior salário que já recebi na vida. É complicado pedir pra alguém que nunca ganhou um salário tão bom entrar em greve. Claro que, se meu sindicato tivesse optado pela greve, eu entraria.
E claro que, apesar de ser o maior salário que recebi na vida e de ser um salário altíssimo pra esmagadora maioria da população brasileira, ele é baixo se comparado a praticamente todas as outras carreiras do serviço público. Está muito defasado, depois de oito anos congelado pelo governo FHC. Lula fez reajustes, mas não houve aumentos reais. Esses dias circulou um estudo dizendo que os ganhos dos professores federais hoje está igual ao da era FHC, mas eu considero o troço tendencioso. Afinal, Lula, em 2006, criou a classe Associado (aquela que descrevo acima). Antes o professor chegava a Adjunto 4 e ficava lá pra sempre — porque é dificílimo chegar a titular (salário bruto de R$ 11.755, mas os concursos só acontecem a cada dez anos, por aí). Sei bem que, como professora, jamais ganharia o que ganho se não fosse numa universidade federal (as particulares nem contratam doutores!). Mas também sei que a proposta do governo foi péssima, e vai desvalorizar ainda mais salários já defasados.
Qual foi a proposta? Foi meio indecente: 4% de reajuste a partir de março do ano que vem. Nem um centavo de reajuste em 2011. Mais de duzentos Institutos Federais (IFs) estão em greve. Num momento em que quase todas as pessoas sensatas exigem que 10% do PIB seja dedicado à educação, um reajustezinho desses soa como provocação. Pra piorar, uma reunião na semana passada entre sindicatos e governo foi um vexame: o representante do Ministério do Planejamento inventou que o medíocre reajuste de 4% seria em cima apenas do Vencimento Básico (sabe os R$ 2.318?), não do salário total com suas gratificações. Pegou mal pacas. Mais tarde o governo confirmou que o reajuste seria em cima do salário total (como havia sido proposto), e os dois maiores sindicatos, Proifes e Andes, assinaram.
A Andes costuma ser muito mais dura. Ano passado, a UFC e outras universidades fizeram um plebiscito para ver se continuariam com a Andes. Decidimos migrar pra Proifes (e por isso esta semana no Twitter fui chamada de pelega por tabela!). A Proifes fez várias assembleias e plebiscitos pra consultar se os professores queriam ou não aceitar a proposta do governo (não aceitar equivaleria a entrar em greve). Os docentes daqui do Ceará foram os que menos deram apoio à proposta: 54% disseram sim, 46%, não. Em outros estados a adesão à proposta foi de 80%. Segundo o Proifes, dos 4246 professores ouvidos em todo o Brasil, 3309 aceitaram o que foi proposto pelo governo. Os docentes consultados pela Andes também toparam (ou o sindicato não teria assinado o acordo). O principal é que desde já comece um diálogo para equiparar nossos rendimentos com as carreiras de Ciência e Tecnologia. Aí a diferença é de 30%. Ganhamos 30% a menos, com a mesma titulação! Esperamos que, a partir de 2013, essa injustiça seja corrigida, e que haja toda uma reestruturação da carreira docente (e também incorporação das gratificações ao salário base).
De minha parte, acho que sempre vou ficar dividida. Por um lado, estou ciente dos meus privilégios e sei que ganho muito bem. Por outro, é óbvio que gente que faz mestrado e doutorado (de maneira geral, um mínimo de seis anos a mais de estudo) mereça ganhar muito mais. Por um lado, greve é um direito de todo trabalhador e uma ferramenta bem eficaz pra se conseguir avanços. Por outro, atrapalha o funcionamento do curso e a vida de alunos e professores. O ideal seria que um governo que ajudamos a eleger escolhesse melhor suas prioriedades e abrisse um diálogo de verdade com os sindicatos.




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