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"QUERO SER PROFESSOR, MAS O SALÁRIO É RUIM"
M., um jovem rapaz, me enviou essas dúvidas:
Olá, Lola. Tudo bem? Me chamo M., tenho 21 anos e sou estudante de Direito (6º período). Andei vendo seu blog e vi que você é professora universitária. Vou te contar o que está acontecendo comigo e, se possível, gostaria muito de uma orientação sua.
Bom, desde pequeno (por volta de 9 anos) eu já demonstrava vários sinais de amor à prática da docência. Adorava ensinar aos meus colegas de classe os assuntos das aulas e fazia até provinhas. Nessa época, cheguei, inclusive, a alfabetizar uma funcionária aqui da minha residência, e me orgulho muito disso.
Mais tarde, quando tinha por volta de 14 anos, fui aluno destaque pelas notas em inglês e, assim, fui chamado pra ser monitor na minha escola. Pouco tempo depois, me destaquei também pelas notas em outras disciplinas, e, assim, comecei a dar aulas particulares e atuar como monitor de física, química, biologia e matemática.
A grande realização de um professor é, sem dúvidas, saber que está fazendo a diferença no aprendizado de seus alunos. É ver o progresso deles. E todos os alunos que estudavam comigo sempre faziam questão de ressalvar o quanto aprendiam nas minhas aulas (mais do que com os próprios professores). Aquela época pra mim, então, foi de grande realização pessoal. Dar aula não era um trabalho, mas um lazer remunerado, posso assim dizer.
Enfim, o tempo foi passando e eu tive que escolher qual carreira seguir. Pelo amor à profissão, a absoluta convicção de que seria uma licenciatura (em química ou biologia) estava clara pra mim. O grande problema era, justamente, a má remuneração. Por mais que haja amor à profissão, essa má remuneração provoca várias objeções que nem precisam ser aqui ressalvadas.
Considerando a minha capacidade de me disciplinar para os estudos, de persuadir e de fazer uma boa sustentação oral (com a modéstia bem à parte), percebi que tinha uma grande APTIDÃO para a área jurídica, e acabei optando pelo curso de direito. Note que eu falei APTIDÃO, e não PRAZER, pelas ciências jurídicas. Não chegava a desgostar, mas a sensação de adquirir conhecimentos jurídicos nunca chegou nem perto de quando eu descobri, por exemplo, o que era um átomo.
Até o período que estou cursando agora, minha trajetória acadêmica foi cercada de dúvidas. Aquela vontade de mudar de curso e fazer o que ama, sabe? Acontece que a vontade de mudar de curso está predominando. Quero muito fazer licenciatura em ciências biológicas e seguir carreira como professor. Mas temo pelo salário.
Ficaria muito feliz se você pudesse me esclarecer algumas questões em relação a isso. Gostaria de saber se é possível, por exemplo, chegar a tirar entre 8 e 10 mil reais LÍQUIDOS e se há uma perspectiva de um salário superior a esse. Se sim, gostaria de saber em quanto tempo é possível chegar a este nível de remuneração.
Minha resposta: Coincidência você me perguntar isso, M., porque ontem mesmo encontrei um ex-aluno meu muito querido, numa rua próxima à universidade. Ele estava radiante porque tinha acabado de ser aprovado no concurso para ser professor numa universidade estadual, a UECE (eu dou aula numa federal, a UFC). Esse ex-aluno tem 25 anos, e se formou no final do ano passado, em Letras Inglês. Antes disso, ele passou num concurso para escola estadual, chegou a dar aula pro ensino médio, e detestou. Desiludiu-se tanto com a profissão (ele ainda não era formado) que começou uma nova faculdade (justamente de direito), e também tentou trabalhar um pouco na área de turismo. Agora que ele vai ser professor universitário, decidiu largar o curso de Direito (tinha cursado um semestre), e vai logo começar um mestrado na área. Quando ele comunicou essa decisão para uma outra ex-professora dele, uma colega minha que odeia ser professora (e é odiada de volta por grande parte dos alunos), ela lhe disse: "Você está louco? Vai abrir mão de ganhar 18 mil reais pra ser professor e ganhar uma merreca?"
Não sei de onde ela tirou esse número dos 18 mil (até parece que é fácil prum advogado ganhar isso!), mas o ex-aluno respondeu pra ela: "Eu sou pobre, minha família é pobre. Ganhar R$ 3.5 mil agora, pra mim, está muito bom, cobre todas as despesas e ainda dá pra viajar. Se eu continuasse com o curso de Direito, só me formaria daqui a 5 anos".
Eu não sei quanto a UECE paga, mas meu ex-aluno é recém-graduado. Nada mau começar com um salário desses aos 25 anos. O salário de um professor aumenta através da titulação (mestrado, doutorado), e através da progressão funcional, que é um relatório gigantesco, geralmente a cada dois anos, que você deve apresentar contando TUDO de acadêmico que você fez nos últimos dois anos. Se o relatório for aprovado, você progride pra uma nova classe. A mais alta, o topo da carreira para um professor universitário, é titular. Mas é muito difícil chegar lá. Só 10% dos professores universitários no Brasil são titulares.
Eu não tenho a menor ambição de chegar a titular, porque quero me aposentar antes. Mas não sou parâmetro: comecei tarde, só passei a ser professora numa universidade com 42 anos. Hoje tem muito docente com 30 anos já com doutorado.
Dê uma olhada nas tabelas salariais aqui. Elas são válidas para todas as universidades federais.
Eu sou professora adjunta (ou seja, tenho doutorado) em regime de dedicação exclusiva (não pode ter outro emprego) 40 horas, e estou no nível 3, ou seja, prof-adjunta 3.
Isso quer dizer que já passei por duas progressões funcionais, em 2012 e 2014. Meu salário este ano chegou aos R$ 10 mil brutos, mas líquidos, são R$ 7.500. Nem com o pequeno reajuste prometido para 2015 meu salário líquido chegará aos 8 mil. Se, algum dia (em 2018), eu conseguir passar de adjunto a associado, aí sim haverá um belo aumento de salário, Talvez fique próximo a algo entre 9 e 10 mil líquidos.
Teoricamente, é possível chegar a associado oito anos depois de entrar na faculdade com doutorado. Na prática pode ser mais complicado, porque as faculdades estão fazendo de tudo para dificultar a progressão (estamos preocupadxs!). Tipo: te encher de turmas, cobrar projetos de extensão, e depois te avaliar pelo que você faz de pesquisa. Sendo que, se você está 20 horas por semana em sala de aula, fica quase impossível publicar.
Você é muito jovem e precisa ter paciência. Depois de graduado, você precisará fazer mestrado (mais 2 anos) e doutorado (mais 4; você pode conseguir bolsa pra fazer o mestrado e doutorado; a bolsa pro mestrando hoje está em R$ 1.500). Aí você passa num concurso e entra numa federal como prof-adjunto, ganhando algo próximo a 7 mil líquidos (talvez um pouco menos), nos valores atuais. Você estará com menos de 30 anos, e, convenhamos, 7 mil não é um salário ruim.
Quando comecei a trabalhar, aos 18 anos, meu salário era um lixo. Se eu tivesse começado a ganhar R$ 3.5 mil desde os 25, como meu ex-aluno, eu certamente estaria numa situação financeira muito melhor hoje. Não que eu esteja reclamando, porque obviamente estou numa posição privilegiada. Com este salário, faço parte da elite. Mas eu, como tantos outros brasileiros de classe média, passei grande parte da minha vida recebendo R$ 2.5 mil. Como professora, o único jeito de receber o que recebo é trabalhando numa universidade pública.
Enfim, acho que você deve fazer o que gosta, o que te dá prazer, o que te traga satisfação pessoal, e, se você for idealista (e nesta idade acima de tudo, você deve ser idealista), o que contribui com a sociedade. Claro que salário é importante, mas não deve ser posto acima de tudo. Além disso, ganhar 7 mil líquidos é um super privilégio neste país (e no mundo também). Esse tipo de salário dá e sobra pra mim. Tudo bem que sou frugal e não tenho filhos nem sonhos de consumo (tenho tudo que preciso). Estou muito feliz com a minha vida, só gostaria de ter mais tempo.
Ah sim, uma dica que dou a todos é: comece a pagar carnê de autônomo do INSS o quanto antes. Pague o mínimo do mínimo mesmo, e guarde todos os carnês, de jeito organizado. Pague INSS inclusive quando não estiver trabalhando, por exemplo, vivendo de bolsa durante o mestrado e/ou doutorado. Isso pode te salvar anos de contribuição quando for sua hora de se aposentar.
Se ser professor sempre te deu tanta felicidade, desde que você era criança, creio que você tem de ir atrás desse sonho.
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