Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador: A marcha em São Paulo, nesta quinta-feira (20/06), foi convocada pelo MPL (Movimento Passe Livre), para comemorar a vitória obtida – com a redução nas tarifas de ônibus e metrô. Era pra ser uma festa. Virou mais um sintoma preocupante do avanço da extrema-direita nas ruas. É o que mostra a foto acima (Portal Terra): um manifestante morde a bandeira do PT. Outras bandeiras foram queimadas. Nenhuma era de partidos de direita, como PSDB ou DEM. Não. O ódio “anti-partido” tem um sentido muito claro.
Eu estava lá. Vi de perto. Como já acontecera em outras manifestações nas últimas duas semanas, grupos organizados – e que se dizem “apartidários” (o que, aliás, é um direito de qualquer cidadão) – tentaram impedir que os partidos políticos e as organizações sociais erguessem suas bandeiras na avenida Paulista. Agrediram militantes do PSTU, xingaram a turma do PSOL e ameaçaram a militância do PT. Na minha frente, um homem com capacete de motoqueiro e jaqueta de couro tentou bater numa senhora com mais de 60 anos, que carregava uma bandeira vermelha. “O PT não vai sair desse quarteirão, não vamos deixar o PT pisar aqui, é a nossa avenida”, ele gritava descontrolado.
Mas o motoqueiro selvagem foi afastado a pontapés. E o PT marchou. Não eram muitos os petistas. Mas estavam lá, num gesto simbólico de que o partido precisa voltar para a rua. Será que aquele era o momento? Daquele jeito? Naquele cenário? Temo que não tenha sido uma boa idéia.
Acho que há bons motivos – sempre – para criticar os partidos. Faz parte da Democracia. O PT, especialmente, pode ser criticado por ter cedido demais aos “acertos de gabinete”. Mas querer impedir – na marra – que partidos e organizações sociais participem de um ato público não tem outro nome: fascismo. No Portal Terra, leio: “MPL deixa ato e diz que direita quer dar ares fascista a protestos”.
Não é nenhum exagero. Quem estava lá na Paulista sentiu de perto. O clima de ódio era tão grande que a manifestação adotou um formato curioso: em uma faixa da avenida, marcharam o MPL, seguido por UJS, UNE, MST e por militantes de partidos como PT, PSOL, PSTU e PCO (esses três bastante críticos em relação a Dilma e ao PT).
A esquerda foi hostilizada seguidamente e o alvo principal era o partido de Lula. “Ei, PT, vai tomar no cu”, gritava um grupo de jovens de classe média, bem a meu lado. O curioso: quem passava por eles carregando bandeiras vermelhas não eram petistas, mas adeptos do PCO. Eu disse isso a um dos rapazes: “olha, esses aí não são do PT”. E ele: “não? Ah, mas são todos comunistas”.
A direita babava. E se sentia forte. Jovens bombados, meninas bem-vestidas e a turma de engravatados que saía dos escritórios gritavam: “o povo, unido, não precisa de partido”. O mote ecoava entre jovens de periferia, skatistas, secundaristas, além de famílias nitidamente de classe média. Tentei conversar com um desses jovens: “rapaz, a última vez que fecharam ou proibiram partidos no Brasil foi na ditadura”. E ele, com mais revolta do que ódio: “Não quero saber, nos partidos só tem vagabundo”.
Tentei seguir na argumentação (juro que tentei, apesar do barulho e das hostilidades): “mas muitos desses partidos é que ajudaram a construir a Democracia que permite a todos nós estar na avenida”. E ele: “foda-se”.
Essa turma dos “sem-partido” marchou pelo lado oposto da Paulista… As duas marchas seguiam lado a lado, com muitas hostilidades. Militantes da esquerda montaram um “cordão de isolamento” para evitar que os fascistas mais exaltados conseguissem arrancar bandeiras ou agredissem as pessoas.
Pouco antes de a marcha (sempre bipartida) chegar ao prédio da Fundação Cásper Líbero, um grupo mais exaltado de direita atacou. Alguns usavam capacetes, outros tinham camisas com inscrições de lutas marciais. Um amigo disse que viu um sujeito com taco de beisebol na mão. Os agressores invadiram a marcha da “esquerda” e criaram um impasse. Naquele momento, poderia ter havido um conflito de grandes proporções.
Vi militantes de esquerda, naquele momento, recolhendo bandeiras e se dispersando. Tinham conseguido marchar pela Paulista. Mas a direita mostrara mais vontade de combater.
Dez minutos depois, surgem a meu lado dois rapazes do MPL – desolados. O ato de “festa” tinha sido dispersado na porrada. O MPL tentou reorganizar a bateria à frente da caminhada, e retomar as palavras de ordem por transporte público de qualidade. Mas a maioria já não queria ouvir.
“Chega de corrupção”, “Fora Dilma”, “PT Lixo” eram as palavras de ordem que dominavam a Paulista às 8 da noite..
O MPL já percebera, dois dias atrás, a tentativa da direita de tomar o movimento. Nas redes sociais, isso está claro – como escrevi aqui. Hoje, a esquerda tentou marcar posição. Conseguiu só em parte. O fascismo botou a cabeça pra fora. O monstro emergiu da lagoa.
Claro que a manifestação não foi só isso. Havia muitos militantes LGTB, com palavras de ordem contra a inacreditável “cura gay”, e pedindo o afastamento do deputado Feliciano. Havia centenas de cartazes “contra a PEC 37″ (um protesto justo, ainda que claramente instrumentalizado por setores conservadores).
O mais chocante: chego em casa e vejo a cobertura na GloboNews. O canal da família Marinho diz que a manifestação em São Paulo foi “uma grande festa da democracia”. Nenhuma palavra sobre as hostilidades contra a esquerda. Nenhuma imagem de bandeiras queimadas ou arrancadas. Será que a Globo não viu? Ou viu e achou que isso faz parte da festa?
A pauta da GloboNews, da Globo e da Veja ganhou a parada na avenida Paulista. Não foi de goleada, mas a direita ganhou. Dilma ainda acha que o controle remoto resolve? Anos de bombardeio midiático estão se cristalizando nas ruas, brotando em cartazes feitos à mão.
Era curioso ver todos os partidos de esquerda, juntos, resistindo aos fascistas. A direita gritava enfurecida: “Sem partido”. A turma da esquerda devolvia: “Sem fascismo”. Isso o Brasil não viu na Globo News. A emissora (e dizem-me que o JN fez cobertura parecida) tentou criar um clima de “civismo” unificado, contra a bandalheira.
Foi assim que a direita encurralou Vargas em 54. Foi assim que se iniciaram os ataques a Jango em 64.
Pelo que vi hoje em São Paulo, sigo acreditando que esse é um movimento em disputa. A esquerda organizada entrou na luta (talvez de forma atabalhoada). Mas por enquanto está perdendo a batalha simbólica.
Quem está ganhando? A direita fascista (pelo menos em São Paulo foi o que vi). E a pauta do “civismo” da Globo.
Em outras cidades brasileiras, ganha o jogo uma espécie de caos: sem bandeiras claras, impera o “cantemos o Hino Nacional contra tudo que está aí”. Ou o cerco ao Congresso Nacional. Louvado como “ato de coragem do povo”.
O jogo ainda precisa ser jogado, até o fim. Mas os sinais não são bons. E vejo que não sou o único preocupado.
A sugestão mais ponderada ouvi de meu filho de 16 anos; “acho que tá na hora de parar, pensar com calma, e lutar por uma causa de cada vez”.
É isso. A esquerda teve uma vitória com a redução das tarifas. Precisa encontrar foco pra seguir na rua. E enfrentar a pauta da direita. Com coragem. O caldo de cultura que vi em São Paulo mostra que há uma avenida aberta para uma direita que não é mais “neoliberal”. Mas muito pior. Uma direita que gostaria de fechar os partidos e viver num mundo onde o povo se dissolve gostosamente numa unidade artificial – sem partidos, sem os detestados “políticos”.
De novo: que outro nome dar a isso, se não fascismo.
PS: parece que a maioria silenciosa começa a se manifestar, preocupada com a forma que os protestos vão assumindo. Dilma marcou reunião de ministério e deve falar ao país nessa sexta-feira.
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