Por Altamiro BorgesNo final de novembro, a ombudsman da Folha, Vera Guimarães Martins, escreveu uma dura crítica à cobertura do jornal dos crimes praticados pelas mineradoras em Minas Gerais. Intitulado “Quanto vale a lama de Mariana?”, ela insinuou que o diário da famiglia Frias protegeu os seus milionários anunciantes. “Dos três grandes diários nacionais, a Folha foi o que deu menos espaço ao desastre e o menor destaque na ‘Primeira Página’ – em quatro edições, a capa simplesmente ignorou o assunto, embora a jornada da lama avançasse dia a dia... No primeiro dia, só a Folha deixou de mencionar que a empresa Samarco é controlada pela brasileira Vale e a inglesa BPH Billiton. A omissão mais a cobertura criticada foram o mote para que alguns leitores especulassem se o jornal não estava tentando poupar a Vale, um dos maiores anunciantes do país”.
Pelo jeito, o petardo da angustiada jornalista surtiu efeito. Nesta semana, a Folha publicou excelente reportagem, assinada por Eduardo Geraque, que evidencia que o que houve em Mariana não foi “uma tragédia”, mas sim um crime. O jornalista demonstra que a empresa Samarco – que, vale realçar, “é controlada pela brasileira Vale e a inglesa BPH Billiton” – usou um modelo mais barato de barragem, o que causou a morte de pelo menos 15 pessoas e a devastação da natureza. “O modelo de construção usado pela Samarco na barragem que ruiu no interior de Minas Gerais é considerado o mais inseguro de todos, segundo levantamento obtido pela Folha com base em dados de desastres internacionais”.
Segundo o estudo, “das 68 ocorrências graves com barragens que ocorreram entre 1910 e 2010, pelo menos 40% delas foram exatamente em barragens erguidas como a que ruiu um mês atrás em Mariana. A tragédia mineira é considerada a mais grave da história em termos de quantidade de lama despejada no ambiente. E uma das piores do mundo em termos de vítimas. Foram injetados na bacia do rio Doce mais de 40 bilhões de litros de lama, num acidente de causas ainda desconhecidas e com saldo até aqui de 15 mortos e quatro desaparecidos, além de uma matança de peixes e espécies aquáticas e terrestres. Os dejetos atravessaram mais de 500 km, pelo rio, até o mar”.
Conforme explica o jornalista, as mineradoras podem usar quatro modelos para construir barragens que armazenam rejeitos. A Samarco optou exatamente pelo mais barato e inseguro – “o chamado pelos engenheiros de ‘a montante’... A explicação para o modelo escolhido no Brasil, que também é registrado em muitas outras empresas espalhadas pelo mundo, é principalmente econômica, segundo David Chambers, geólogo que estuda o impacto da indústria da mineração. Para ele, se é verdade por um lado que as empresas investiram muito para aumentar suas produções de minério, o que melhorou o processo de extração, por outro elas fizeram isso de forma insustentável, tanto do ponto de vista ambiental quanto social e econômico”.
Já outra matéria na mesma Folha, publicada pelo jornalista Thiago Amâncio na quarta-feira (9), revela que “depois do rompimento da barragem em Mariana, há mais de um mês e com saldo de 15 mortos e quatro desaparecidos, a mineradora Samarco tem tomado medidas quase sempre a conta-gotas e apenas após pressão de Justiça, prefeituras, órgãos ambientais e Ministério Público... Uma das primeiras ações concretas para mitigar os danos à destruição do distrito de Bento Rodrigues, por exemplo, ocorreu só após determinação do Iema (instituto de meio ambiente) do Espirito Santo. O órgão exigiu que a Samarco disponibilizasse uma aeronave para o governo sobrevoar áreas afetadas, distribuísse água para cidades dependentes do rio Doce, enviasse equipe para monitorar os impactos da lama e verificasse a qualidade do rio”.
“As ações a reboque de pressões e determinações seguiram. Duas semanas após a maior tragédia ambiental do país, a mineradora anunciou que trabalhou para resgatar peixes do rio Doce e transportá-los para tanques de cultivo, a fim de repovoar o rio quando possível. A medida, porém, fora ordenada pela Justiça três dias antes. Outra ação que a Samarco tomou apenas após ser pressionada foi a de prestar auxílio a indígenas que dependiam do rio Doce. Eles protestaram por cinco dias na ferrovia da Vale, uma das donas da Samarco, até conseguir receber 44 mil litros de água”, descreve a reportagem. Ou seja: a Samarco, que é controlada pela Vale – que foi privatizada no reinado tucano de FHC, mas isto a Folha não diz, e pela inglesa BPH Billiton – cometeu crime ao optar por um modelo mais barato e ainda despreza as vítimas do seu crime!
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