Não podemos ser derrotados - SÉRGIO MAGALHÃES
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Não podemos ser derrotados - SÉRGIO MAGALHÃES


O GLOBO - 12/10

A defesa do território e do cidadão é expressão do serviço público de segurança, monopólio do Estado



Em recente entrevista ao GLOBO, o governador do Rio de Janeiro afirmou que o caso Amarildo só foi elucidado porque a Rocinha tem uma Unidade de Polícia Pacificadora.

As UPPs são a mais importante medida de recuperação para o âmbito da proteção constitucional de territórios então dominados pela bandidagem armada. Sua abrangência é ainda limitada, mas melhorou a percepção de segurança na cidade. Consequências positivas potencializam a fruição dos espaços públicos e a interação entre partes antes excluídas do Rio. Fortalecem-se a economia, a vida social, a cultura; a própria cidade.

Contudo, as UPPs não são uma panaceia.

O primeiro valor desse projeto é retirar do domínio discricionário de bandidos as populações moradoras naqueles territórios. Um segundo, e fundamental, é evidenciar as virtudes da recuperação da legalidade para o conjunto urbano.

A omissão do Estado, durante décadas, o abandono a que relegou áreas pobres da cidade ? sejam favelas, loteamentos ou conjuntos residenciais ? teve consequências brutais para os moradores dessas áreas e para a cidade como um todo. Impulsionou a decadência e a degradação urbana, econômica, política e social de bairros e regiões, e da própria metrópole.

Mas não é uma etapa vencida.

O projeto das UPPs cumpriu o papel de evidenciar o possível. E demanda duas consequências: primeiro, que em prazo razoável alcance toda a metrópole, desonerando as partes ainda não atendidas do ônus da presença dos bandidos expulsos dos territórios legalizados; segundo, que os serviços públicos se implantem como rotina, tal como no restante da cidade.

A retomada, se de início é de natureza policial-militar, não pode construir uma nova ordem à parte da cidade. Não pode o capitão ser um novo guia. O papel do Estado é sintetizado nos serviços públicos e na lei.

A defesa do território e do cidadão é expressão do serviço público de segurança, monopólio do Estado. Tal serviço, historicamente escasso nas áreas pobres, não é o único indispensável na cidade contemporânea. Os demais serviços públicos, relacionados ao saneamento, ao transporte, à educação, à saúde, ao bem-estar, enfim, à vida urbana precisam ser garantidos em todos os territórios.

Essa é a equação política que as UPPs tornaram urgente.

Enquanto a rotina democrática não estiver instalada, enquanto a resistência burocrática da administração não estiver superada, enquanto os serviços públicos não estiverem em normal funcionamento, compete aos mandatários eleitos monitorá-los para que sejam prestados em condições adequadas, sistemáticas, impessoais e republicanas. Pela omissão histórica do Estado, é um trabalho que pode ser longo e talvez não possa ser delegado. Certamente, ultrapassará governos.

Ao governador e ao prefeito se confere o mérito de a cidade reencontrar-se com a esperança. Não podemos, eles e nós, ser derrotados pela insuficiência de desdobramentos das atribuições do Estado na prestação dos serviços públicos. A consequência da UPP não há de se esgotar na evidência de que sem ela o caso Amarildo teria ficado às escuras.




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