Por José Reinaldo Carvalho, no sítio Vermelho:Na luta política, nada como enfrentar um adversário que fala, fala, fala e, no caso de um tucano, literalmente abre o bico. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso presta-nos este favor quando vem a público em seus artigos publicados nos jornalões do PIG defender seus pontos de vista.
Cumpre o seu papel de principal ideólogo do neoliberalismo e neoconservadorismo no País, sendo a liderança que exerce autoridade de fato no PSDB, partido em franca decadência e hoje carente de líderes e candidatos viáveis. Mas o “mérito” de FHC fica por aí, haja vista que suas opiniões e decisões revelam-se não só falsas, como resultam em rotundo fracasso. Basta exemplificar com a decisão que tomou de, com um dedaço, indicar Aécio Neves para se candidatar à Presidência da República em 2014. Foi outro favor que prestou à coalizão progressista liderada pela presidenta Dilma, cujas chances de reeleição residem nos seus próprios méritos e na fraqueza dos adversários.
A última tirada de FHC foi um tijolaço publicado no jornal O Globo no último domingo (5). O sociólogo, cujo governo foi caracterizado como aquele que exerceu a diplomacia de pés descalços pelo gesto de subserviência de seu chanceler ao submeter-se a duvidosas normas de segurança num aeroporto dos Estados Unidos, resolveu deitar falação sobre a política externa vigente, que para ele “precisa rever seu foco”. O ex-presidente acha necessário que o Brasil “estreite relações com os Estados Unidos e a Europa” e se separe do “bolivarianismo”, condição para que o país retome seu papel de liderança na América Latina.
Com ares de especialista em geopolítica, FHC diz que o governo “colocou suas fichas no ‘declínio do Ocidente’”. Desdenhando a inteligência do leitor, interpreta a tese do declínio do imperialismo estadunidense e europeu com uma nota forçada, para encobrir o seu fascínio com o poder dos centros do imperialismo no mundo. “Da crise surgiria uma nova situação de poder na qual os Brics, o mundo árabe e o que pudesse se assemelhar ao ex-terceiro mundo teriam papel de destaque. A Europa, abatida, faria contraponto aos Estados Unidos minguantes. Não é o que está acontecendo: os americanos saíram à frente, depois de umas quantas estripulias para salvar seu sistema financeiro e afogar o mundo em dólares, e deram uma arrancada forte na produção de energia barata”. Não foi isto o que dissemos, mas que o imperialismo estadunidense e europeu está vivendo um declínio histórico. Não fizemos prognósticos ingênuos. Apenas apostamos na objetividade do desenvolvimento histórico e na capacidade subjetiva das forças revolucionárias para organizar a luta anti-imperialista.
FHC não quer aceitar o óbvio, reage qual o velho do Restelo diante da força dos fatos. Despertaram-se forças irreversíveis no mundo contemporâneo que atuam no sentido contrário ao poder hegemônico estadunidense e europeu, engolfado em profunda crise sistêmica e atingido por insanáveis contradições. As expectativas do exercício do poder unipolar pelos Estados Unidos após o final da Guerra Fria não se confirmaram. Foi-se o tempo em que um arrogante Clinton dizia que a hegemonia econômica estadunidense recuperada com a globalização – que FHC glorificou como um novo renascimento – demonstrava a falência das teorias de Marx, arrancando aplausos até entre acadêmicos “de esquerda”.
Pertence igualmente ao passado a era em que um presidente que exerceu por oito anos o governo como um poder terrorista internacional em nome do “combate ao terrorismo”, declarava guerra ao mundo e a única atitude de diferenciação era a perplexidade da chamada “comunidade internacional”. Hoje, a luta e a resistência dos povos, somada a uma atitude proativa de outras potências no âmbito do Conselho de Segurança da ONU detêm a mão criminosa do imperialismo e o obrigam a sentar-se à mesa de negociações com países como Síria e Irã.
Nada mais passadista do que a proposta do ex-presidente de forçar o retorno do Brasil ao alinhamento com potências imperialistas como os Estados Unidos e os que exercem o poder de fato na União Europeia. É o velho cacoete das classes dominantes reacionárias do Brasil de atar o seu destino aos desígnios imperialistas.
A disponibilidade do ex-presidente para prestar serviço às forças reacionárias mundiais fica mais evidente com seu ataque ao “bolivarianismo”. FHC investe contra a tendência mais progressista do mundo contemporâneo – o anti-imperialismo latino-americano – cuja expressão é a revolução bolivariana e todo o processo de integração solidária iniciado com as vitórias eleitorais das forças progressistas a partir da conquista do governo por Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, e Lula no Brasil, em 2002. A nova América Latina está no nascedouro, mas o que se alcançou em década e meia é um extraordinário avanço histórico. A criação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – Celac – é o mais relevante fato em 200 anos de história, o marco da segunda e definitiva independência. Desqualificar esta conquista é um exercício de retórica para preparar ações que promovam o retrocesso.
As invectivas de FHC contra a política externa brasileira constituem uma senha para um dos debates que a campanha eleitoral viverá nos próximos meses. Seus ataques ao “bolivarianismo” reeditam um episódio da campanha de 2010, quando os derrotados Serra e Marina Silva condenaram a política externa de Lula e Celso Amorim pela “aliança com ditadores”.
Se eu fosse tucano, aconselharia o ex-presidente FHC a não embarcar de novo nessa canoa furada. Mas seria incoerência, porquanto o único conselheiro dos tucanos é o próprio FHC.
A política externa continua sendo uma das melhores realizações dos governos progressistas no Brasil nos últimos 11 anos. A projeção internacional do Brasil e o prestígio de Lula e Dilma no mundo pesam na alta avaliação que a população brasileira faz dessas duas lideranças e é um componente a favor da reeleição de Dilma Rousseff.
Embora aparentemente distante do cotidiano das pessoas simples, a política externa granjeou popularidade, pois a população percebeu que mudou a forma de o Brasil se inserir no mundo, o país se tornou mais respeitado no exterior e se credenciou a desempenhar um papel mais ativo e de maior destaque na vida internacional.
O sucesso da política externa dos governos de Lula e Dilma reside em primeiro lugar em que esteve vinculada à luta pelo desenvolvimento nacional, para o que é imprescindível a defesa da soberania, num mundo carregado de ameaças de espoliação econômica e imposições políticas pela globalização financeira e pela política das grandes potências, principalmente do imperialismo norte-americano e seus aliados.
A política externa brasileira desde Lula é uma política externa autônoma, pacifista e democrática, ideologicamente vinculada ao nacional-desenvolvimentismo, às melhores tradições da diplomacia brasileira, que incorporou há décadas os princípios da autodeterminação e da não intervenção, princípios aliás inscritos no artigo IV da Constituição da República, promulgada em 1988. Baseado na percepção do papel do Brasil no mundo não mais como país dependente e subordinado aos ditames dos Estados Unidos, mas como nação soberana, embora ainda vulnerável, com vontade e interesses próprios, em transição para o status de potência emergente, o Itamaraty nos últimos 11 anos formulou e pôs em prática uma política exterior “ativa e altiva”, na expressão do ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Tem sido uma política externa cheia de iniciativa e assertividade, compreendendo como a ação internacional pode condicionar o êxito de um novo projeto nacional de desenvolvimento, ainda em gestação. É ocioso e vão negar os resultados positivos dessa assertividade em política externa, das novas parcerias estratégicas e das novas responsabilidades que o país vai assumindo internacionalmente.
Uma política externa acanhada, protocolar, centrada na prioridade ao bilateralismo com os Estados Unidos e subordinada aos interesses dessa potência poria em risco a própria independência nacional. É o que quer FHC. Essa percepção levou a diplomacia brasileira ao universalismo e ao multilateralismo que se traduziram, no âmbito do arcabouço institucional, na luta pela reforma das Nações Unidas, a democratização e reestruturação das suas instâncias e a alteração da composição do Conselho de Segurança, buscando conquistar aí seu espaço como membro permanente.
A política externa praticada a partir da primeira posse de Lula, em 2003, defendeu firmemente a paz e desdobrou-se para fazer prevalecer o direito internacional. Ao receber uma ligação telefônica do ex-presidente Bush, rogando apoio à invasão do Iraque, Lula foi cortante: “A única guerra do meu governo é contra a fome e a pobreza”, retrucou o então novato presidente, àquele que foi o mais agressivo e conservador chefe de Estado norte-americano desde sempre.
O universalismo e o multilateralismo da política externa brasileira ganharam fôlego com o estabelecimento de parcerias estratégicas com a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul e a atenção dedicada ao Oriente Médio. É inexorável a tendência a mudanças na correlação mundial de forças. Nesse quadro, novas parcerias e alianças são indispensáveis como novo âmbito de coordenação política. Abrem-se com isso novas oportunidades para as relações do Brasil com outros povos e nações. A África, em particular os países lusófonos, mas não só, constituiu um novo foco da presença internacional do Brasil.
A opção estratégica mais importante e eficaz das forças progressistas brasileiras em política externa dirigiu-se para a América Latina e especialmente para o sul do continente. Foram inúmeras as iniciativas do Brasil para fortalecer as relações com os países do entorno, como para levar adiante e consolidar o processo de integração.
A demanda de “novo rumo” de FHC para a política externa encerra um rico debate e contém questões ligadas ao avanço ou ao retrocesso da luta do povo brasileiro para construir uma nação progressista forte, capaz de influir positivamente nos acontecimentos mundiais.
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