Geral
O caminho difícil - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 27/06
As atuais composições da Câmara e do Senado não aceitam a reforma política. Não sem amoldá-la
É improvável que fosse este o seu propósito, mas Dilma Rousseff mudou a natureza da "crise". De administrativa, em torno de transporte urbano, segurança pública, educação, passou a institucional, com o plebiscito e a constituinte concentrando os desentendimentos de praxe. Os manifestantes das ruas cederam sua importância aos juristas, professores e, claro, aos políticos. É o Brasil de volta a si mesmo, embora possa ser apenas por dias, não há como saber.
O novo patamar de propostas não se mostra mais ordenado do que a variedade de objetivos dos manifestantes. A par das divergências nas visões jurídicas, as propostas contêm um frequente irrealismo político que as enfraquece ou invalida a priori. Se, por exemplo, muitas medidas do reformismo político não precisam de alteração constitucional, por se referirem a temas de legislação ordinária, também é certo que as atuais composições da Câmara e do Senado não aceitam sua modificação. Ou não as aprovam sem amoldá-las às suas conveniências maiores.
Já partia também dessa realidade a proposta de constituinte, agora tão relembrada, feita em 1997 pelo deputado Miro Teixeira e então apoiada por Fernando Henrique. Em vez de prosperar com o apoio presidencial, o projeto foi empurrado para o arquivo pela própria bancada parlamentar de Fernando Henrique. Daí não se deduz que a constituinte é agora indispensável, mas que é preciso pensar em mais do que legislação ordinária e emendas constitucionais tão simples e fáceis na concepção de juristas e "cientistas políticos".
Ou seja, para chegar ao institucional é preciso, antes, considerar o político.
Já na referência inicial a plebiscito, era dessa consideração que o grupo do Planalto partia. O que Dilma fez foi "propor debate" sobre "um plebiscito que autorize" a realização de uma constituinte com limitação de temas. Não propôs o plebiscito nem a constituinte da qual se diz que recuou, sem ter ido. Agora, aparentemente, a ideia de plebiscito avançou na Presidência, com a mesma intenção de contornar os obstáculos parlamentares a importantes partes de reforma política.
Mas, já de saída, a própria realização de plebiscito dependeria do Congresso. E, se aprovado, é um recurso muito problemático, nas condições do eleitorado brasileiro. Plebiscito é a exposição de soluções diferentes para a mesma questão, cabendo ao eleitor indicar a de sua preferência. Assim seria para várias questões da reforma política. E qual é a proporção do eleitorado com discernimento bastante para a escolha consciente entre questões tão complexas?
A outra hipótese seria o referendo, em que a fórmula final já vai definida para o eleitor, cabendo-lhe apenas indicar se a aceita ou não. Formulação que teria de vir do Congresso, necessidade que leva o problema de volta à dificuldade inicial.
O inventário das medidas essenciais para elevar o padrão das instituições políticas não é difícil, considerado o atual consenso fora dos meios políticos. Como efetivá-las, acima da barragem de interesses, é o que precisa ser discutido. E isso continua no ponto zero.
MEMÓRIA
Delfim Netto negou à Comissão da Verdade de São Paulo qualquer envolvimento com o apoio financeiro de empresários à repressão durante a ditadura. Alguns, na comissão, reafirmaram suas suspeitas.
Na oposição ao regime militar, nunca se ouviu falar de tal envolvimento do então ministro. A oposição foi a ele também, e dura, mas por sua ação nos ministérios que ocupou.
A relação entre Delfim e o poder militar teve períodos --ao menos períodos-- bastante peculiares. Um caso quase totalmente desconhecido: na época mesma do "milagre econômico", no governo Médici, o empresário João Alberto Leite Barbosa, dono do "Boletim Cambial", foi enviado a Nova York por amigos do então ministro para adverti-lo de grande risco. Militares planejavam aproveitar sua viagem aos EUA, como participante de uma festa de "Homem de Visão", para impedi-lo de voltar ao ministério. A qualquer custo.
O governo frustrou o plano, com dificuldade comprovada, ao que constou, pelas cabeças que logo rolariam na assessoria ministerial, como compensação para os frustrados.
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