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O controle de capitais e o IOF - ANTÔNIO DELFIM NETTO
VALOR ECONÔMICO - 11/06
A crítica ao "ativismo" do ilustre ministro Guido Mantega parece ter se transformado no esporte predileto dos analistas nacionais e internacionais do sistema financeiro. A recente decisão de reduzir de 6% para zero a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras, incidente sobre o fluxo de moeda estrangeira para aplicações em renda fixa, foi mais uma oportunidade para observações mordazes.
A crítica padece de fundamento mesmo para aqueles que ideologicamente (porque não há "teoria" que a sustente) preferem a plena liberdade dos movimentos de capitais. O ministro não pode ter errado duas vezes quando instituiu o IOF e quando o eliminou. Mereceria, portanto, elogios pelo menos uma vez!
A conveniência ou não da plena liberdade do movimento de capitais depende das circunstâncias. A história e a literatura econômicas a respeito do assunto revelam isso com a maior clareza. O Acordo de Bretton Woods, de 1944, que criou o FMI, estabeleceu um sistema de câmbio fixo referido ao dólar americano (que, por sua vez, referenciava-se ao ouro) ajustável sob a vigilância do próprio fundo.
Explicitamente, ele diz, no artigo IV, Seção 3 - Controle de transferência de capitais: "Os países-membros podem exercer tal controle, à medida que forem necessários para regular os movimentos dos capitais internacionais, mas nenhum deles pode exercê-lo para restringir o pagamento das transações correntes..."
Reconhecia, assim, que o controle de capitais poderia ser um instrumento de política econômica. Os EUA, depois de terem se desembaraçado da ligação dólar/ouro em 1973, foram removendo os seus mecanismos de controle de movimento de capitais. Nisso foram seguidos por outros países desenvolvidos. A partir dos anos 90 do século passado, a liberalização do movimento de capitais foi se impondo também aos países subdesenvolvidos.
Os argumentos teóricos para sustentar esse processo têm certa lógica. No fundo, uma generalização da teoria das vantagens comparativas que justifica a liberdade de comércio. Países com oportunidades de investimento diferentes, com taxas de poupança desiguais e com estruturas demográficas em estágios diferentes, poderiam beneficiar-se da liberdade de movimento de capitais, que produziria complementaridade entre eles. Os países com excedentes de poupança sem perspectiva de investimento poderiam transacionar com os deficientes em poupança com boas perspectivas de investimento. A troca beneficiaria os dois: os primeiros garantiriam seu consumo futuro, e os segundos acelerariam o seu crescimento. Essa troca intertemporal poderia também reduzir os efeitos das flutuações cíclicas da economia sobre o consumo e o investimento.
Não há estudos sólidos que revelem que tais benefícios são invariantes com relação à situação econômico-financeira do país receptor dos capitais. Os movimentos de capitais podem exercer influência deletéria sobre a formação da taxa de câmbio real, que é uma variável crítica no processo de desenvolvimento dos países. A plena liberdade do movimento de capitais não é, portanto, uma questão que possa ser resolvida teoricamente. É uma questão de conveniência, que deve ser apreciada diante de circunstâncias concretas. O controle do movimento dos capitais, como já dissemos, é apenas um instrumento de política econômica já reconhecido em Bretton Woods, por insistência de John Maynard Keynes. Ele está longe de envolver uma questão de princípio ou de ser uma recomendação prática de um abstrato modelo de equilíbrio econômico.
Quando o mercado é controlado por um sistema de câmbio flexível, e a taxa de juros real interna é superior a externa, a taxa de câmbio real deixa de ser o preço relativo que equilibra o valor do fluxo de entrada da moeda estrangeira (exportação) com o fluxo de sua saída (importação). A moeda nacional transforma-se num ativo financeiro, que é comprado e vendido a cada instante num mercado de mais de 10 mil operadores, que transacionam mais de US$ 2 trilhões a cada 24 horas, em operações de um milésimo de segundo, à procura de diferenças na terceira casa decimal das taxas de câmbio cruzadas de quase 150 países. Está longe, consequentemente, de poder ser controlado por qualquer autoridade nacional.
Dependendo das circunstâncias e da confiança dos operadores, o diferencial de juros pode tornar-se muito atrativo. O excesso de entrada de capitais, em busca de legítima remuneração, pode valorizar exageradamente, e por muito tempo, a taxa de câmbio real, produzindo desequilíbrios, cujos custos superam os benefícios que podem proporcionar ao país receptor. Do ponto de vista da teoria econômica, não há nada de pecaminoso, em tais circunstâncias, na introdução de um controle de capitais para preservar a estrutura produtiva do país.
Aqui talvez valha uma observação. A medida de eliminação do IOF foi interpretada como sendo feita para facilitar a entrada de capitais e amenizar a depreciação do real. Mas são suas circunstâncias que determinarão o efeito final. Aplicadores em papéis do Tesouro não se retiraram diante da onda de pessimismo criada no mercado financeiro, por receio de perder a oportunidade de aproveitar nossas altas taxas de retorno. Agora estão livres para fazê-lo, diante da mudança da situação internacional, o que poderá aumentar a pressão para a desvalorização do real.
Os economistas têm que introjetar o fato que não existe política econômica que seja invariante às circunstâncias, principalmente às expectativas. É por isso que o controle de capitais, ainda que necessário é, com tempo suficiente, elidível pelo mercado!
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