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O desafio de superar o garantismo legal - JOSÉ PASTORE
ESTADÃO - 08/08
Uma das características das leis trabalhistas dos países avançados é a garantia de possibilidade de trocas entre empregadores e empregados. Essa garantia é essencial para as partes buscarem as soluções que maximizam seus desejos dentro das limitações que enfrentam. Em tempos de recessão, por exemplo, os empregados se dispõem a reduzir salários em favor da manutenção do emprego. Em tempos de boom, os empregadores aceitam arcar com mais benefícios para não perder seus empregados.
Essas são trocas simples, fáceis de serem entendidas. Há trocas mais complexas. É o que acontece, por exemplo, quando os empregados aceitam menos dias de férias em troca de uma melhoria no seu seguro de saúde ou quando os empregadores atrelam aumentos de salários à elevação da produtividade.
No Brasil, o espaço para trocar é irrisório porque quase todas as proteções trabalhistas são rigidamente fixadas em lei. Historicamente fomos ensinados a acreditar apenas na lei como base de proteção. As proteções garantidas por negociação e contrato são vistas com extrema desconfiança. Os brasileiros se sentem inseguros quando se fala em transferir o locus de uma proteção da lei trabalhista para o contrato de trabalho, mesmo que negociado com os sindicatos. É a cultura do garantismo legal.
Isso faz parte da nossa tradição cultural. Vivendo durante muito tempo em uma sociedade dividida entre a nobreza (fidalgos, militares e sacerdotes) e a plebe (o povo), fomos levados a acreditar no Estado como única força para garantir proteção. Bem diferentes são as leis nas nações que acreditam na negociação e nos contratos livremente negociados. Ali, as leis estabelecem apenas os direitos fundamentais e os contratos cuidam das demais proteções.
Sabendo da idolatria à filosofia do garantismo legal, os parlamentares não se arriscam a mudar as leis vigentes, temendo perder votos. Por seu turno, os cursos de direito do trabalho levam adiante e aprofundam essa filosofia. Os advogados e magistrados, com raras exceções, veem a lei como única fonte de proteção.
Conclusão: o País possui um cipoal de leis, decretos, portarias, súmulas, enunciados e orientações jurisprudenciais e, apesar disso, protege apenas a metade da força de trabalho. A outra está na informalidade.
No segmento formal, os problemas não são menores. As leis atuais não oferecem espaço para ajustes mais finos entre remuneração e produtividade. Isso eleva severamente o custo unitário do trabalho e compromete a competitividade e os investimentos.
Apesar disso, a maioria dos projetos que tramitam no Congresso Nacional visam enrijecer ainda mais as leis vigentes e elevar perigosamente o custo do trabalho.
A rigidez das leis brasileiras cria problemas inimagináveis em países avançados como é o caso da tributação do passado. Isso ocorreu, por exemplo, com a nova lei do aviso prévio e com a lei que estabeleceu uma adicional de efeito retroativo para o FGTS. Ocorre diariamente nos casos em que a Justiça do Trabalho anula acordos e convenções coletivas livremente negociados. As partes não sabem se aquilo que é negociado hoje vai valer daqui a dois ou três anos. No caso de anulação, o passado é agravado com pesadas despesas.
Essa insegurança é perniciosa em todos os sentidos. Além de desestimular a negociação e espantar o investimento, impede o exercício da liberdade. Dou três exemplos. Em decorrência do princípio da hipossuficiência, profissionais altamente qualificados, de renda alta, que cuidam das próprias proteções de saúde e de aposentadoria, estão legalmente impedidos de estabelecer com seus empregadores contratos fora da tutela da lei atual. O mesmo ocorre com os que desejam trabalhar em regimes diferentes das jornadas estabelecidas em lei. Igualmente frustrados estão os que pretendem ser remunerados por aquilo que produzem e não pelo tempo trabalhado. Exemplos não faltam para ilustrar a excessiva rigidez das nossas leis.
Como mudar isso? Lanço aqui uma sugestão. Penso que, sem abandonar a cultura do garantismo legal, o Brasil poderia partir para o estabelecimento de leis mais suaves - as chamadas "soft laws". Esse tipo de lei estabelece regras que não são estritamente compulsórias, mas que têm significado legal. Elas funcionam como guias de orientação para os cidadãos, dando a eles o direito de realizarem as trocas para buscar caminhos alternativos. Quando não há interesse do lado das partes, as "soft laws" funcionam como leis rígidas, obrigando as partes a seguirem os seus preceitos.
Na União Europeia, a lei que estabeleceu os direitos sociais dos trabalhadores de 1989 seguiu a filosofia das "soft laws". Com base nela, os países ficaram livres para transformar os direitos ali enunciados em leis rígidas ou em orientações programáticas para orientar a livre negociação entre as partes. Para implementar tais mudanças, é claro, o gradualismo foi essencial. Não seria possível mudar tudo da noite para o dia.
Ocorreu-me essa ideia ao tomar conhecimento das "101 Propostas de Modernização Trabalhista" apresentadas pela Confederação Nacional da Indústria no fim de 2012. Vi ali uma agenda de trabalho para as partes irem negociando e ajustando as leis atuais às suas reais necessidades. Nenhuma das propostas afronta o garantismo legal. Ao mesmo tempo, elas introduzem elementos de realismo às regras vigentes. Ao leitor interessado, sugiro entrar no site http://www.portaldaindustria.com.br/. Vale a pena a sua leitura.
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