O FOCO DA DISCUSSÃO NO CASO POLANSKI
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O FOCO DA DISCUSSÃO NO CASO POLANSKI


Primeiro, um ótimo comentário da Marjorie no meu post sobre Polanski (veja o comentário na íntegra na caixa do post).

Lola, o que está em discussão não é o direito penal dos EUA. Há, portanto, um descompasso no foco dos comentaristas e o seu. A gente tá aqui batendo em velhas teclas feministas e você tenta puxar a questão pro lado jurídico. A gente puxando pro macro e você puxando pro micro. São duas vibes diferentes.
Para mim e, pelo visto, para os demais comentaristas, a discussão nao é essa. Pouco importa exatam
ente do que o Polanski foi acusado. Pouco importa o que vai pesar na possível prisão dele agora—se o crime em si ou a fuga. O que está em discussao aqui é a sociedade considerar grave o crime do estupro. E não um crime menor. [...]
Se a menina disse que não queria, fechou a questão. É estupro, cabou, nao tem mais o que discutir. A gente pode ate debater
statutory rape, a mudança de mentalidade em relação à pedofilia, etc. São temas muito pertinentes. Mas o X da questão, neste caso específico, não é esse. [...] Se ela não quis, foi um estupro, estupros têm de ser punidos. Porque estupros têm de ser considerados inaceitáveis. Ponto. É só isso.
Para mim, este c
aso é bastante emblemático de muita coisa que nós, feminstas, tanto falamos. A gente gasta a maior saliva combatendo a tal da cultura do estupro, que faz as pessoas considerarem estupro um crime menor, dependendo dos antecedentes da moca. Que acha que homem tem instinto de estuprar e que é a mulher que tem que evitar ser estuprada, não o homem que tem que evitar de estuprar. Que diz que mulher quando diz não, quer na verdade dizer sim. Que bota a culpa na mãe e não no estuprador. Enfim. Tudo isso que a gente tanto combate está aí, reunido no caso Polanski. A não-punição do Polanski corrobora todas essas desculpas. Porque é assim que o público em geral justifica a sua não-punição. Não importam as acusações formais, porque, se o Polanski não é punido, o que há é um reforço dessa linha de pensamento. [...]
Por fim, quando comparei tua posição com o caso Henrique Goldman, é porque a discussão, naquela época, era justamente essa. Das pessoas não verem que aquilo era um estupro e da gente ter que ficar desenhando. Então me surpreende que você, desta vez, se prenda às desculpas que estão dando para não considerar este um crime grave. São dois pesos, duas medidas então. Dá a impressao de que, quando você simpatiza com o diretor, você aceita as desculpas que dao para considerar estupro um crime menos grave.

Eu ia responder na caixa de comentários, mas ficou tão longo que vai aqui mesmo:
Marj, obrigada por me dizer qual o foco desta discussão. Digo isso sem ironia. É que eu realmente não sabia que o que estava sendo discutido era a cultura do estupro. Porque não é isso que tenho visto nos posts que li. Aliás, os blogs que abordam o caso Polanski fazem isso em textinhos superficiais de duas, cinco, dez linhas. E acho meio difícil discutir a cultura do estupro em tão pouco espaço. Um texto bem interessante, mas que não é da blogosfera brasileira, foi um da Kate Harding que saiu na Salon. Ela repete inúmeras vezes que “Polanski raped a child”. Eu não o acho muito eficiente, até porque a definição de criança que ela dá é sentimental, não necessariamente penal, mas pelo menos há uma discussão da cultura do estupro. E lá tem um link pra uma crítica pertinente ao documentário Roman Polanski: Wanted and Desired, que é tendencioso, não há dúvida, mas também é excelente (e as pessoas, sem saber, acham que foi feito por Polanski ou por um amigo, quando foi feito por uma feminista). E é isso que me incomoda nessa discussão toda: a ausência de discussão. As pessoas simplesmente dizem “Polanski é um pedófilo. Acabou”, “Polanski é um estuprador. Acabou”. Ué, cadê a discussão, nessas afirmações, sobre a cultura do estupro? Eu vejo um certo orgulho da ignorância em várias dessas ocasiões: “Não, não vou ver o documentário jamais, porque Polanski é um estuprador e isso é tudo que preciso saber”. “Não, não quero ler a versão de Polanski porque ele é um pedófilo e acabou” (na terça vou publicar o que traduzi da autobiografia do Polanski sobre o caso). Então eu vejo tantas sentenças incisivas sobre o Polanski que só posso perguntar: o que vocês querem? Porque o que mais vejo é gente pedindo prisão perpétua, pena de morte ou castração pro Polanski. E gente, se é isso que vocês querem, não vai acontecer. Porque não tem como a justiça americana condenar o Polanski por um crime (estupro) no qual ele, 32 anos atrás, se declarou inocente. Não tem como voltar no tempo e falar: “O acordo que foi feito entre a promotoria, o advogado de defesa e o advogado de Samantha não vale nada. Vamos julgar e condenar Polanski por estupro mesmo, não por sexo ilegal com menor”. Eu tô vendo uma gritaria enorme por gente que não sabe nada do que se trata o caso e, pior, não quer nem saber. E mais: gente que não está com nenhuma vontade de discutir. A “conversa” é toda nas linhas de ofender quem não entrou tão rápido no trem do linchamento do cineasta: “Você não é feminista, Lola!”, “Putz, a Monica Bellucci assinou a petição Free Polanski? Que decepção!”, ou “Claro que o Woody Allen ia assinar. Ele também é pedófilo!”.
Eu não estou discutindo se foi estupro. Pra mim, após ler o depoimento de Samantha (que só li na segunda, pela primeira vez), foi. E fico feliz que a maioria das pessoas concorde nesse ponto. Talvez por isso eu não este
ja vendo o foco da discussão na cultura do estupro—porque tanta gente concorda que seja estupro. Estou discutindo que, para mim, e para outras pessoas que nem por isso são nojentas e insensíveis por pensarem assim, Polanski já foi suficientemente punido. Também levo em consideração a opinião da vítima. E reflito sobre a função da prisão (se é pra reabilitar, e eu acredito que, em parte, deveria também ser para isso, Polanski não estaria já reabilitado, após 32 anos sem cometer outro estupro?). E sobre como é a nossa relação de perdão ou condenação às celebridades. No entanto, Polanski está preso, e sua sentença, agora, não vai levar em consideração nada disso. Vai decidir quantos dias, semanas, meses ou anos Polanski pegará por um crime menor (sexo ilegal com menor) e, acima de tudo, pela sua fuga.
Se você me diz que essas reações exageradas que estou lendo têm conexão com o caso Henrique Goldman, eu acredito. Mas esta não foi a reação que eu tive pro caso do artigo na Trip (meu post da época tá aqui. Nele, eu digo que foi estupro, e critico, principalmente, a atitude do autor e do editor da revista em tratar algo tão sério como se fosse uma brincadeirinha. Eu não peço punição. Em nenhum momento falo pra começarem um julgamento contra o Goldman ou pra jogá-lo na cadeia. Porque isso seria absolutamente ridículo—afinal, o caso tem 32 anos, Goldman não foi acusado de estupro ou de qualquer outra coisa (legalmente falando) e, pra complicar a situação, ele só tinha 14 anos na época. Mas muita gente que discordava da nossa reação dizia: “O que vocês querem? Prender o Goldman por estupro?”. E o que eu respondia era “Claro que não; nem se se eu quisesse, daria pra fazer isso”. Porque dizer que sim é uma impossibilidade que automaticamente enfraqueceria a discussão. E não pedi boicote pra revista ou, mais tarde, pro filme Jean Charles (que, vocês bem me lembraram, se eu já não lia a Trip antes, não posso dizer que a estou boicotando agora. Ainda não vi o filme porque ele não chegou, nem chegará, a Joinville). O que eu queria, e promovi no meu blog, era uma discussão de como o ato que ele e o amigo cometeram foi estupro, e que estupro não é tema pra humor.
Porque discutir a cultura do estupro (algo que faço com tanta frequência aqui no blog que muita gente me chama de repetitiva e paranoica) é uma coisa; outra é exigir providências incabíveis, que vão contra a lei e que não têm nenhum pé na realidade. Nas discussões que leio sobre o caso Polanski, não vejo nenhuma objetividade. Tive altas discussões com a minha mãe, mas é difícil, porque ela se contradiz a cada frase. Primeiro, diz que Polanski é pedófilo. Quando eu digo que, pelas definições psiquiátricas para pedofilia, ele não se enquadra (mas, claro, a gente sabe mais que os psiquiatras que o examinaram), ela diz “Não importa a idade da menina!”. Quando eu digo que Polanski não foi, e nem pode ser (por causa do acordo firmado) condenado por estupro, ela diz que ele é um ser desprezível de qualquer jeito (no que concordo). Finalmente, consegui uma resposta para “O que você quer?”. Ela respondeu: “Eu quero desprezar o Polanski”. Como?, eu quis saber: vai boicotar os filmes dele? Hmm, não. Só vai desprezar a pessoa, não o cineasta. Então tá.
Infelizmente, é bem esse tipo de eficiência que estou vendo nas discussões do caso.
Mas pelo menos aqui temos maturidade para discordar sem precisar ficar de mal pro resto da vida.




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