POLANSKI PRESO
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POLANSKI PRESO


Polanski 31 anos atrás, quando fugiu dos EUA.

O cineasta franco-polonês Roman Polanski é um dos maiores diretores de todos os tempos, autor de grandes filmes como Repulsa ao Sexo, O Bebê de Rosemary, Chinatown, e O Pianista. Sábado à noite, aos 76 anos, ele foi preso na Suíça, de onde provavelmente será deportado para os EUA e julgado.
Uma das cinco produções de Macbeth que analisei na minha tese de doutorado foi o excepcional filme de Polanski com o mesmo título. Portanto, li bastante sobre o diretor. Na realidade, sempre me interessei por ele, já que sou cinéfila e ele é um dos mestres, e também porque, reza a lenda, eu já estive na mesma sala que ele. Alguns meses atrás, vi o excelente documentário de Marina Zenovich, Roman Polanski: Procurado e Desejado (veja o trailer aqui), do ano passado, e decidi revê-lo agora pra poder escrever este post pra vocês.
Pra quem não sabe, Polanski teve uma vida dura. Na infância, conseguiu escapar de um campo de concentração, onde seus pais morreram, e sobreviver órfão nas ruas. Mas o maior drama de sua vida foi sem dúvida o assassinato de sua mulher, a atriz Sharon Tate, em Hollywood. Em agosto de 1969 Sharon, então grávida de oito meses, e outros cinco amigos, foram barbaramente mortos por seguidores do louco-varrido Charles Manson (que não conhecia ninguém da casa). Polanski estava na Europa começando a fazer um filme. Como a polícia demorou pra encontrar Manson, Polanski foi, durante meses, tratado pela imprensa americana como principal suspeito da morte de sua própria mulher. Essa história toda é tão absurda que merece um post só pra ela (prometo escrevê-lo, se tiverem interesse).
Em 1977, Polanski estava em Los Angeles fotografando ninfetas para a Vogue Hommes. Como ele havia praticamente lançado a carreira de Natassja Kinski, que ele fotografou e namorou quando ela tinha 15 anos (e em 1979 a dirigiu em Tess), muitas meninas queriam ser clicadas por ele. Uma delas foi Samantha, uma americana de apenas 13 anos. Polanski já a havia fotografado antes, mas, na segunda vez, os dois passaram um dia juntos. À noite, ele a levou para a mansão vazia de seu amigo Jack Nicholson. Beberam juntos, tiraram a roupa e entraram numa jacuzzi, compartilharam uma droga (quaalude), e transaram, segundo a versão do diretor, ou Polanski a estuprou, segundo a versão de Samantha.
Polanski é um crápula, e o documentário de Marina deixa isso claro. Começa com ele dando uma entrevista antiga pra um jornalista, onde o diretor afirma que, como a maioria dos homens, ele também gosta de “mulheres jovens”. O jornalista então quer saber quão jovens. Polanski não sabia que fazer sexo com uma menina de 13 anos era errado. Na Europa, aparentemente, ele vinha fazendo isso direto. Robert Towne, roteirista de Chinatown, já havia dito que a piscina da casa onde os dois redigiram o roteiro, em 74, ficava cheia de adolescentes. E o ego de Polanski, como o de tantas celebridades, é gigantesco, apesar de sua baixa estatura (em Chinatown ele faz uma ponta. Nicholson o vê e pergunta: “Quem é o anão?”). Um ego tamanho GGG é incapaz de reconhecer erros, e é isso que faz o diretor um crápula, na minha opinião.
No início, Polanski declarou-se inocente. Mas eventualmente seu advogado e a promotoria fizeram um acordo—ele seria acusado apenas de “sexo ilegal com uma menor de idade”. Nada de estupro (houve consentimento), nada de dar álcool e drogas pra uma menina. “Sexo ilegal com uma menor” é visto como um crime pequeno. Na Califórnia, a pena varia entre seis meses a cinquenta anos (!) de prisão, mas é raríssimo alguém ir preso por isso. O acordo foi fechado.
Polanski teve o azar de pegar Laurence Rittenband, um juiz ávido por publicidade, que não perdia uma só oportunidade de sair nos jornais. O juiz mandou Polanski para uma avaliação psiquiátrica para determinar se o diretor era um molestador de crianças. Se a resposta fosse afirmativa, Polanski seria encarceirado num asilo psiquiátrico. Para o alívio do cineasta, os médicos disseram que não.
Antes de qualquer julgamento, o juiz decidiu mandá-lo para um outro “estudo diagnóstico”, desta vez algo muito mais demorado. Seriam 90 dias numa prisão barra-pesada, Chino. O advogado de defesa argumentou que Polanski estava começando a filmar um projeto, e que três meses representaria um prejuízo enorme (além do mais, a essa altura, tanto a vítima quanto a mãe dela já haviam dito que não queriam o diretor preso). O juiz disse que daria uma licença de um ano para que o diretor terminasse o filme, na Europa, antes de se apresentar à justiça, no que o promotor topou. Mas o juiz pediu para que advogado e promotor fizessem um teatrinho para a imprensa, fingindo que essa decisão tinha sido tomada na hora, diante dos jornalistas, não a portas fechadas. Fora isso, ele não daria a licença por um ano direto, mas várias licenças. Polanski teria que se apresentar a ele a cada três meses, pra renovar sua licença.
Mais tarde, o diretor escreveu em sua autobiografia, Roman: “Eu estava do lado da justiça. Tinha uma grande admiração pelas instituições americanas, e eu via os EUA como a única nação verdadeiramente democrática do mundo. Por causa de um momento irresponsável de desejo, eu pus em perigo a minha liberdade e o meu futuro no país que mais importava pra mim” (p. 403, minha tradução). O documentário mostra Polanski indo pra Europa, cercado de repórteres. Uma jornalista lhe pergunta: “Você vai voltar?”. E ele, chocado, responde: “É claro que sim. Não se preocupe”.
Ele estava indo fazer uma refilmagem de Furacão, uma produção chinfrim do Dino de Laurentiis. Para Laurentiis, era um ótimo negócio contratar um diretor consagrado. Para Polanski, era um emprego que lhe deixaria longe da cadeia até a poeira baixar. Mas aí ele deu azar novamente. Assim que chegou a Europa, acompanhou um amigo a Octoberfest, em Munique. E lá foi fotografado bebendo, cercado por mulheres. A foto correu o mundo, e o juiz Rittenband considerou aquilo uma afronta. Chamou Polanski de volta aos EUA. E ele voltou.
O juiz decidiu que não lhe daria mais a licença, e que ele deveria se submeter à avaliação psiquiátrica imediatamente. Isso é algo que pouca gente sabe: Polanski foi preso. Ele ficou 42 dias preso em Chino. A avaliação era de 90 dias, mas geralmente é feita em bem menos tempo. O diretor limpou celas durante sua estada, e, na sua autobiografia, descreve a sua prisão como um período sereno, em que pôde ler e pensar muito.
Porém, o juiz não gostou que Polanski fora liberado em menos de 90 dias. Pegava mal perante a opinião pública americana. E propôs ao advogado e ao promotor um outro teatrinho: se os dois fizessem arguições frente à câmera, ele daria a Polanski uma “sentença indeterminada”, e, logo depois, o mandaria cumprir os 48 dias restantes numa prisão estadual, ou o deportaria. O problema era: dava pra confiar no juiz?
Polanski escreve em sua autobiografia: “Como o juiz parecia determinado a me impedir de viver e trabalhar nos EUA, e como estava claro que eu havia cumprido meus 42 dias em Chino em vão, uma pergunta óbvia surgiu: o que eu tinha a ganhar por ficar nos EUA? A resposta parecia ser: nada” (p. 423). Polanski fugiu do país. Pegou um avião de Los Angeles pra Londres, e depois pra Paris.
Seu advogado foi até lá para tentar convencê-lo a voltar. Polanski se recusou. Pouco depois, o advogado e o promotor conseguiram demover o juiz do caso, por várias violações (entre elas, discutir o caso abertamente com a imprensa). No documentário, o promotor afirma que, diante das circunstâncias, não tem como culpar Polanski pela fuga. Um outro oficial da justiça diz que, por mais que ele ache que o que o diretor fez (sexo com uma menor de idade) fora horrível, ainda assim ele merecia um julgamento justo.
A fuga de Polanski já tem 31 anos. O diretor está casado há 20 com a atriz Emanuelle Seigner (dirigida por ele em Lua de Fel), com quem tem dois filhos. Samantha, a vítima, também está casada há 20 anos, mora no Havaí, e tem três filhos. Em 1997, ela declarou: "Ele fez algo realmente horrível comigo, mas foi a mídia que arruinou a minha vida". E o perdoou publicamente. Na época, o advogado e o promotor do caso entraram com um pedido de encerramento, e ensaiaram um acordo: se Polanski se entregasse à justiça americana, não pegaria mais cadeia. Só que o juiz determinou que o julgamento fosse televisado, e isso o diretor negou.
Em 2003, Polanski ganhou o Oscar por O Pianista, e foi aplaudido de pé por vários dos astros presentes no auditório. O título do documentário é uma referência a como Polanski é celebrado, tido com um dos grandes artistas, “desejado” na França, e “procurado” pelos EUA. Agora, parece que a procura terminou. A mídia vai fazer um novo carnaval. Mas, quando acabar, pode até ser bom pro Polanski. Se ele sobreviver.
Mais sobre o caso Polanski aqui, aqui e aqui.




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