Geral
O governo desmonta as instituições fiscais
Mailson da Nóbrega e Felipe Salto, Folha de SP
O orçamento público aprovado pelo parlamento, particularmente no mundo ocidental, é parte relevante das ações que deram fim ao absolutismo e à tirania, modernizaram instituições fiscais e permitiram o planejamento da atividade do governo.
No Brasil, infelizmente, orçamento é procedimento meramente burocrático, sem raízes na sociedade ou maior importância na definição dos rumos do governo e da economia.
Nos últimos anos, o governo tem contribuído para agravar esse problema, ao desestruturar as instituições de finanças públicas construídas desde a redemocratização.
As reformas institucionais dos anos 80 puseram fim ao atraso que permitia a existência de orçamentos múltiplos. A maioria era aprovada pelo próprio Executivo, contendo aberrações como a "conta de movimento" do Banco do Brasil, pela qual o banco era suprido de recursos públicos sem autorização legislativa.
Esse grande avanço não foi suficiente, todavia, para evitar que o orçamento continuasse a ser uma peça de certa forma fictícia.
Sua discussão no Congresso e posterior execução servem para o fisiologismo e para o desperdício de recursos. Seus termos são em grande parte desprezados pelo Executivo, com apoio de parlamentares e de formadores de opinião, sob o argumento equivocado de que o orçamento é "autorizativo" e, como tal, não precisa ser cumprido pelo Executivo.
No governo Lula, esse quadro institucional piorou. Com a crise de 2008/2009 como pretexto, o governo iniciou o aumento de gastos e a redução de metas de superávit primário com argumentos supostamente keynesianos.
Na realidade, com o apoio entusiasmado do ministro da Fazenda, orquestrou-se uma expansão generalizada da despesa. Criou-se a possibilidade de abater vultosos recursos da meta fiscal anual, fixada em lei: na prática, são descontados do cálculo todos os gastos com o PAC. Em 2009 e 2010, as metas de superávit primário somente foram cumpridas por meio deste subterfúgio.
O exercício de 2012 deverá assistir, de novo, à estratégia de cumprimento de "metas descontadas", ou seja, de "não cumprir cumprindo".
Outro erro se deu em 2010, quando da capitalização da Petrobras e da cessão onerosa das reservas do pré-sal pela União a ela. À época, o governo conseguiu considerar no cálculo do superávit primário uma receita ainda inexistente, que apenas surgirá ao longo dos anos, fruto da exploração do petróleo. A manobra permitiu que a execução financeira do governo central ganhasse um reforço, em 2010, de 0,85% do PIB, cerca de R$ 40 bilhões.
O terceiro mecanismo de degradação institucional é a não contabilização como despesa primária dos subsídios ao Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH) e ao BNDES.
A quarta perda de qualidade das instituições fiscais é a concessão de empréstimos ao BNDES. Desde 2008, os volumes de títulos emitidos com esse objetivo aumentaram fortemente, elevando o endividamento federal e, portanto, caracterizando a política fiscal como ainda mais expansionista, sem mencionar os efeitos negativos sobre o crédito e sobre a política monetária.
Some-se a isso o custo dos subsídios implícitos nas operações do BNDES (a diferença entre a taxa de juros pela qual o Tesouro se financia, mais alta, e a taxa de juros a ele paga pelo BNDES, mais baixa; na sua maior parte, esse benefício é transferido às empresas) em favor do relativamente pequeno número das empresas "escolhidas" por sua burocracia. Ela é de cerca de R$ 14 bilhões, se considerarmos os cerca de R$ 280 bilhões já aprovados ou emitidos para o BNDES nos últimos anos. Este valor corresponde, como lembrou Eduardo Giannetti da Fonseca, ao orçamento anual do programa Bolsa Família, que beneficia cerca de 45 milhões de brasileiros.
Mais do que tudo isso, com o aumento do volume de crédito do BNDES, seus resultados são maiores e, consequentemente, maior será a distribuição de dividendos. Como as receitas de dividendos da União são, equivocadamente, consideradas no cálculo do superávit primário, o governo expande o resultado primário sem um efetivo esforço de contenção fiscal. (Os subsídios implícitos, escondidos do orçamento, não são contabilizados como despesa primária. Logo, os dividendos gerados pela mesma operação não deveriam ser considerados como receita primária.)
Esse retrocesso institucional enfraquece a democracia, turva as estatísticas, piora a alocação dos recursos e reintroduz práticas orçamentárias que se imaginava banidas. Tal ataque à responsabilidade fiscal precisa ser abandonado o quanto antes.
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