Depois que um fã me parou na rua e perguntou “Você é a Lola?” (e eu não respondi “depende”, como em outras ocasiões), depois que duas comunidades em minha homenagem estão bombando no orkut (uma com trinta membros!), eu ando impossível. Meu ego está dando cambalhotas no ar. E se continuar assim quase consigo esquecer que não ganho um bolão do Oscar há três anos. Quase. Você conhece meu ponto de vista: participar de um bolão é o único jeito de agüentar aquela festinha chata. Mas ganhar o bolão de vez em quando até que pegaria bem, né?
Não que a cerimônia deste ano tenha sido insuportável. A Ellen DeGeneres se saiu bem. Gostei dela pedindo pro Spielberg tirar uma foto do Clint Eastwood, por exemplo. Ser apresentador do Oscar não é um trabalho fácil. Alguém se lembra do vexame que foi o David Letterman? E só aqueles dançarinos nas sombras já valeram a pena. E os números musicais, geralmente a pior tortura da noite, foram mais sucintos (pelo menos juntaram as três canções indicadas de “Dreamgirls” em uma). Claro que eu podia viver sem ver a Celine Dion homenageando o Enio Morricone. Imagino que o Enio pense, nessas horas, “O que estão fazendo com uma trilha que compus com tanto carinho?”. Mas o maior problema é que não houve discursos polêmicos. Nada pra ficar na memória.
Talvez tivesse sido diferente se “Pequena Miss Sunshine” levasse pra casa o prêmio de melhor filme. Havia uma estatística interessante contra a comédia: em 78 anos de Academia, só nove filmes levaram o Oscar principal sem terem sido indicados à melhor montagem. Pior ainda: só um filme na história ganhou sem ter sido nomeado na direção (“Conduzindo Miss Daisy”, em 89). Mas eu achei que, por ter sido o filme mais querido dos cinco, o único que eleva o espírito, daria pra quebrar esse tabu. Não deu. No entanto, se é pra confiar em estatística, teve alguma outra vez que uma refilmagem leva a estatueta?! Por mais que eu goste de “Infiltrados”, soa estranho que ninguém nos discursos de agradecimento diga “Valeu, chineses!”. Quero dizer, não vi o original, mas tem quem jure que várias cenas são idênticas.
Não que eu esteja reclamando da vitória do Martin Scorsese pra melhor diretor. Aliás, não foi só no auditório que o cara descolou um standing ovation (sabe, quando todo mundo se levanta pra bater palmas?). Na sala dos jornalistas também. Depois de 26 longos anos, o homem vai poder decorar sua lareira com uma estatueta.
Mas cadê o elemento surpresa? Deve ser pela falta disso que muita gente boa vive fazendo campanha pra que a Academia divulgue os segundos e terceiros colocados em cada categoria, e o número de votos de cada um. Seria muito mais emocionante. A Helen Mirren ganhou melhor atriz de lavada? O Forest Whitaker ficou quantos votos na frente do Peter O’Toole? Do jeito que foi, as maiores zebras ficaram com o “Labirinto do Fauno” ter perdido melhor filme estrangeiro pro alemão “A Vida dos Outros”. E “Maria Antonieta” levar figurino. Pô, qualquer produção que retrate o século 18 usa essas mesmas roupas! Pra animação, “Carros” era o vencedor esperado (sabe-se lá porquê), e ganhou “Happy Feet – O Pingüim”, assim como pra ator coadjuvante o Eddie Murphy tinha um leve favoritismo, e ganhou o Alan Arkin. Mas o que mais me espantou foi “Babel” levar trilha sonora. O compositor argentino havia sido agraciado com o mesmo prêmio no ano passado, por “Brokeback Mountain”. Só depois descobri que as fichas vão pros votantes só com o nome do filme, não do compositor, fotógrafo, figurinista... Taí a explicação. Ninguém sabia que tava repetindo a dose.
Aposto como a categoria mais disputada mesmo acabou sendo a de melhor filme. Tenho certeza que “Infiltrados”, “Babel” e “Miss” estiveram próximos. Alguns dias antes da cerimônia, li uma entrevista do Damien Bona, co-autor do melhor livro sobre os prêmios da Academia que conheço, “Inside Oscar”. Ele dizia que essa indefinição pra melhor filme era rara, e a última vez que havia ocorrido tamanha falta de favoritismo foi em 91, quando concorreram, embaralhados, “Silêncio dos Inocentes”, “Bugsy” e “A Bela e a Fera”. “Silêncio” seria o “Infiltrados” de hoje: sucesso de bilheteria, elogiado pelos críticos, mas sem perfil de Oscarizável (convenhamos, não é todo dia que um filme que mostra um canibal comendo a língua de alguém ou um psicopata imitando um rato ganha o Oscar). “Bugsy” seria “Babel” (havia levado o Globo de Ouro). E “A Bela e a Fera” seria “Miss”: um filme querido, legal, mas que, segundo ele, se ganhasse, todo mundo iria dizer, dez ou vinte anos depois: "O que a Academia tava pensando quando premiou esse filminho?". Como fizeram com "O Maior Espetáculo da Terra"... Não concordo muito com essa análise, já que sigo achando “Miss” o melhor dos cinco, e sem dúvida um dos grandes do ano.
Mas enfim, como disse um comentarista americano sobre a inutilidade de se chorar sobre o leite derramado, se minha tia tivesse testículos, seria meu tio.
P.S.: Agradeço a todos que xingaram a Globo por mim, por atrasar a transmissão em meia hora. Vamos entender o lado da poderosa emissora: sabemos que não há nada mais importante no mundo que Alemão e companhia jogando mini-golfe. Só que o Oscar é uma vez por ano; BBB é todo dia durante vários meses. O Oscar tem um público calculado em um bilhão de pessoas. E se a Globo não quer passar, pára de comprar transmissão com exclusividade! Vai tomar banho! A culpa não é do Big Bother. A Globo é sempre assim. Lembro do início dos anos 90, quando a emissora adiou o começo da transmissão pra não cortar a reprise de “Beetlejuice”. Tava dublado, e a gente só ouvia "Besouro suco, besouro suco", e se controlava pra não jogar a TV pela janela. Olha, se houver uma hecatombe nuclear, de uma coisa a gente pode ter certeza: a Globo não vai mudar sua programação pra passar o fim do mundo.