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O preço alto de alianças esdrúxulas - OCTAVIO AMORIM NETO
VALOR ECONÔMICO - 08/08
O aspecto mais contundente das jornadas de junho foi a aversão aos partidos. De fato, é chocante chegar a tal constatação após uma década de fortalecimento da democracia e enorme progresso social sob a égide da mais robusta organização partidária já nascida nesta terra, o PT. Aparte sua ideologia, o PT foi o tipo de agremiação política com que sempre sonhara a ciência política brasileira: um partido estilo europeu, criado por atores sociais na região mais desenvolvida do país, não pela mão arbitrária do Estado, com sólidas credenciais democráticas, invejáveis laços com sindicatos, cristalinas preocupações programáticas, disciplina prussiana no Parlamento, e estável apoio em largas fatias do eleitorado. O que mais se poderia pedir de um partido?
Não obstante o rol de virtudes do moderno príncipe tropical, estamos agora diante do que muitos consideram ser uma crise de representação política. É tal a força desse diagnóstico que Dilma chegou a propor um plebiscito sobre a reforma política para debelar a crise.
Mas que crise é essa?
Após listar os atributos do PT, vamos ao segundo mais importante partido do país, o PSDB. Ao contrário dos petistas, os tucanos não são filhos das lutas sociais. Nasceram no Parlamento em 1988, como uma dissidência do PMDB, o que os caracteriza como um partido de quadros e pendor elitista. Conquanto o PSDB nunca se tenha curado desse defeito de origem, foi sob duas Presidências de um tucano, FHC, que o país viveu um dos mais importantes períodos de modernização econômica da sua história, sob o qual consolidou-se a democracia e iniciou-se a criação da rede de proteção social que viria a ser expandida pelo PT.
Passemos ao PMDB. Todos clamam contra os vícios do partido. Por isso mesmo, é fundamental lembrar os seguintes fatos: foi a nau capitânia da transição para a democracia; é o grande autor da Constituição de 1988, a mais democrática da nossa história, que deu o direito de voto aos analfabetos e lançou as bases das políticas social-democratas de que hoje se orgulha o PT; e seu apoio parlamentar foi decisivo para o êxito das reformas de FHC, nunca tendo usado seu poder para se opor ao Bolsa Família e aos aumentos substanciais do salário mínimo - as principais medidas redistributivas de Lula - ou à nova matriz da política econômica de Dilma. O PMDB pode ser muita coisa, mas certamente não é um partido conservador, ao contrário do que afirmou o PT na semana passada.
Da onde, então, vem a nossa crise de representação se nossos grandes partidos contam com impressionantes feitos recentes em seus currículos?
Há vários elementos que podem ser arrolados para explicá-la: a percepção generalizada de corrupção, a estatização dos movimentos sociais pelos governos do PT, a impotência parlamentar da oposição, a emergência de novas identidades sociais que não encontram voz no sistema político, as novas tecnologias de comunicação que enfraquecem a função de mobilização dos partidos, e o aumento de expectativas causado pela ascensão de milhões de brasileiros ao mercado consumidor.
Todos esses fatores podem ter uma parcela de responsabilidade por um fenômeno que ainda não compreendemos plenamente. Mas se há algo que embaralhou a vida partidária do país e que abalaria qualquer sistema representativo é a política de alianças promovida pelo PT desde 2003. Quem jamais esperaria que o PT estivesse de braços dados com o PTB, PR, PP e PSD? Estas quatro agremiações são a extrema direita do nosso sistema partidário. São nossos partidos mais conservadores e clientelistas, mais indisciplinados e menos preocupados com questões programáticas. Trata-se, enfim, dos partidos em que desembocaram vários dos ex-membros do finado PDS, o partido oficial do regime militar.
Ou seja, se temos um problema de representação, este se encontra na direita do sistema partidário e nas alianças com ela estabelecida por um partido exemplar e de esquerda como o PT.
Que eleitor pode entender tal aliança? Lula e Dilma já foram a público diversas vezes para atacar as elites conservadoras. Todavia, governam com quem? Durante quanto tempo uma contradição como essa pode ser mantida sem efeitos devastadores? Que sistema partidário pode ter legitimidade se sua dinâmica é incompreensível?
Convém lembrar que FHC foi também criticado por aliar-se ao então PFL, mas nunca atacou publicamente os conservadores que o apoiavam. Além disso, a distância ideológica entre o PSDB, um partido de centro, e o PFL era muito menor do que a entre o PT e aquelas quatro agremiações.
A aliança esdrúxula entre o PT e a direita clientelista teve a utilidade de dar a Lula e Dilma maiorias legislativas. Mas a que preço?
A primeira conta veio na forma do mensalão. Sabemos hoje os métodos heterodoxos utilizados para que o PT e o PTB, por exemplo, pudessem colaborar. O resultado final dessa aventura pode ser promulgado ainda em agosto, com o fim da Ação Penal 470 e a condenação definitiva de líderes do PT. A segunda está chegando agora com o baque na popularidade de Dilma, ante-sala de uma eventual derrota eleitoral em 2014.
Têm, portanto, razão os setores do PT que agora pedem uma nova política de alianças. Esta tem duas implicações que demandam reflexão urgente. Primeira, em caso de vitória do PT nas eleições presidenciais de 2014, o fim da coalizão com a direita poderá resultar num governo minoritário no Congresso. Valerá a pena correr o risco? Caso não valha, temos a segunda implicação: o PT terá que considerar seriamente chamar o PSDB para governarem juntos. Viveremos para ver esse sonho de politólogo se realizar?
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