O racismo tem cura?
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O racismo tem cura?


João Pereira Coutinho, Folha de SP

Samuel Fuller é um dos meus diretores de eleição. E o seu "Cão Branco" (1982) está no topo da lista. O leitor conhece?
Se não conhece, aconselho. É a história, inicialmente idílica, de uma jovem atriz de Hollywood que encontra um pastor alemão branco a vaguear, perdido, pela vizinhança. A moça apaixona-se pelo cão. E vice-versa. Inevitável: o bicho é doce, a moça, idem. Uma história de amor.
Só existe, digamos, um probleminha: sempre que o cão encontra um negro pela frente, o seu instinto é atacá-lo e matá-lo com uma violência digna de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
O cão branco é um "cão branco" -e não me refiro à cor do pelo. Foi treinado para atacar negros desde a infância por um dono que lhe transmitiu esse ódio assassino.
Horrorizada com essa "dupla personalidade", a moça procura ajuda para o cão. E, na era da terapia, também existem terapeutas caninos dispostos a "curar" o racismo do bicho. Pormenor magistral: o terapeuta que aceita tratar o cão é negro.
Lembrei de Samuel Fuller depois de ler a descoberta recente da Universidade de Oxford de que existem drogas que diminuem o nível de racismo nos seres humanos.
As drogas nem sequer são invenção recente: são meros betabloqueadores que os pacientes cardíacos conhecem muito bem e que os alunos estressados antes dos exames orais conhecem ainda melhor.
A medicação diminui o ritmo cardíaco, reduz as manifestações de ansiedade do sistema nervoso periférico -e a pessoa conhece umas horas de paz com o mundo, sem exteriorizar a sua tempestade interior. A máscara perfeita.
Assim foi: através de testes psicológicos, os candidatos que tomaram a droga manifestaram uma "abertura à diferença" maior do que o grupo de controle, a quem foi ministrado um placebo.
Curiosamente, a droga só parece funcionar com o preconceito racial; não é eficaz com outros preconceitos (religiosos, sexuais etc.).
Conclusões? O racismo nasce do medo, dizem os pesquisadores. E acrescentam, com um rasgo de otimismo: é possível controlar esse medo e suas manifestações exteriores.
Ainda que tudo isso seja verdade -clinicamente falando-, a questão fundamental não passa por saber se é possível controlar esse medo por via farmacológica. A questão começa por ser ética: será desejável que assim seja?
Ou, dito de outra forma, que valor moral terá um ser humano que só consegue controlar o seu racismo por influência medicamentosa? E que valor terá a sociedade a que ele pertence -uma sociedade disposta a medicalizar, e perversamente a desculpar, qualquer comportamento racista?
Se eu fosse negro, a resposta seria ainda mais fácil: valor nenhum. E, mal por mal, antes uma sociedade na qual os racistas são identificáveis e identificados do que uma farsa médica onde a repugnância que sentem pela minha pele é controlada por uma cortina farmacológica.
Uma cortina onde nenhum gesto é autêntico; nenhuma palavra; nenhum afeto; nem sequer nenhum desafeto.
Uma sociedade civilizada aceita a imperfeição humana e o cortejo de preconceitos que fazem parte dessa natureza. E, claro, pune criminalmente os comportamentos desviantes que podem brotar desses preconceitos.
Mas não é papel de uma sociedade civilizada operar sobre os homens uma espécie de "engenharia da tolerância" que, no limite, apenas desculpa o indesculpável e falsifica qualquer relação social. Um racista é um racista, não um doente. O que implica a séria possibilidade de o racismo não ter cura.
No filme de Samuel Fuller, o "cão branco" inicia os seus tratamentos. Lentamente, perigosamente. Progressos, alguns: o cão ladra menos quando o terapeuta negro se aproxima dele; há mais confiança, menos hostilidade; e, por momentos, até acreditamos que a cura milagrosa é possível. O "cão branco" será apenas mais um cachorro de pelo branco.
Fatalmente, não será: na última e decisiva sequência do filme, tudo o que vemos é a ferocidade incontida de um animal para lá de qualquer salvação.
O filme termina com o único momento de paz a que se permite: quando o cão é matéria inerte, abatido no centro da arena.




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