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O RISO DOS OUTROS
Minha primeira aparição no documentário
Algumas leitoras viram meu rosto maroto nas chamadas de um documentário que vai passar hoje na TV Câmara (anote os dias e horários: hoje, às 23 horas, amanhã, às 2 hs e 23 hs, e dia 5, às 5:30), e me cobraram explicações. Então lá vai.
O documentário, de Pedro Arantes, chama-se O Riso dos Outros, tem 52 minutos (talvez possa ser visto aqui e também no youtube). Eu recebi um dvd no final da semana retrasada. Fiquei surpresa ao ver meu nome na capa. Tá escrito assim: “Com Antonio Prata / Danilo Gentili / Jean Wyllys / Laerte / Lola Aronovich / Nany People / Rafinha Bastos”. Parece meio um jogo dos sete erros, né? Qual o nome totalmente desconhecido da lista?
Vi o doc e gostei muito. Incrível como eles conseguiram entrevistar tanta gente importante (tirando essa tal de Lola aí). O Riso dos Outros faz vários questionamentos sobre tipos de piadas, censura, limites do humor, o politicamente incorreto, alvos de piadas, protestos sociais, entre outros temas sempre interessantes.
Começa mostrando trechos de shows de cômicos stand up que eu nunca ouvi falar. Certo, os únicos brasileiros que eu conheço são mesmo esses ex-CQC. O que me chamou a atenção é que se eu tivesse que diferenciar o que cada um diz, não conseguiria. Parecem iguais. O tipo de humor que eles fazem é também bem parecido. E rasteiro. O destaque, infelizmente, fica pra única comediante mulher mostrada em ação, Marcela Leal, que faz chiste sobre a vida sexual de sua vizinha gorda. Ninguém ri.
Depois, na entrevista, ela defende aquela piada do Rafinha sobre como é bom pruma mulher feia ser estuprada. A comediante Nany People explica: o universo do humor é extremamente masculino, e mulheres são vítimas constantes dessas piadas. “Até as poucas mulheres que fazem humor fazem um humor muito machista”. Lá estava a Marcela pra não deixar Nany mentir.
Outra coisa que chama a atenção é como alguns dos humoristas parecem totalmente sem noção. Tipo a pobre Marcela justificando a piada de estupro dizendo que “a gente brinca com todo tipo de preconceito, a gente brinca com gente feia, com gente gorda, tudo”. Sério, olha os exemplos que ela dá! Mais falta de noção quando um outro humorista afirma que politicamente incorreto é defender causas desnecessárias. Ou o Rafinha achando que a primeira Marcha das Vadias não teria acontecido sem sua colaboração –- ele nos deu uma causa pra lutar contra! Mas esse cara é tão repulsivo que até na entrevista, defendendo sua piada, ele inclui uma pausa que deve considerar hilária: “Não quero que mulher feia seja estuprada... apesar de ter muita que merece”.
Ao ver o doc, descobri que a Preta Gil é uma muleta no humor brasileiro. Quando a noite não tá rendendo e o público não ri, o humorista faz uma piadinha falando que a Preta Gil é gorda, e o pessoal gargalha. O doc mostra Gentili fazendo isso e em seguida dando bronca na plateia por ter rido daquilo. Depois eu digo que as piadas que esses comediantes do status quo falam não têm absolutamente nada de inovadoras. São velharias. Já escrevi aqui: coisa de gente preguiçosa e sem criatividade que não é capaz de pensar em algo novo. E mesmo assim se acha moderna.
Várias cenas da marcha das vadias de SP são exibidas, e a militante Tica Moreno é entrevistada. Eu só apareço pela primeira vez lá pelo vigésimo minuto, e algo que eu achei muito legal da edição foi que, nessa primeira vez, eu apareço rindo pacas.
Sabe o estereótipo que falam de feminista ser um bicho frustrado e mal-humorado? Pois é, minha primeira aparição é chorando de rir. Eu tô falando de como o tataravô do Rafinha já contava aquela piada velha e ultrapassada do estupro. E minha participação risonha é bacana também porque, fora gente do público, poucas pessoas riem no documentário. Acho que só tem eu e a Nany gargalhando mesmo.
Outro ponto da edição que eu gostei bastante é um que mostra vários humoristas repetindo o cansado clichê “É só uma piada”, e aí venho eu e digo: “É um insulto e eu acho que é uma demonstração de ignorância de uma pessoa dizer 'É só uma piada'. Nada é só uma piada”.
Depois a equipe do doc vai até Buenos Aires entrevistar um produtor (que diz: “o humor deve gerar uma mudança na conduta, na forma de se ver o mundo, e quando isso se realiza, está fazendo arte”) e uma comediante lésbica. Fica a impressão que pra encontrar humoristas que querem transformar, só indo prum outro país. E não tem isso de “o público quer esse tipo de humor batido e discriminatório”. Como diz o ator e palhaço Hugo Possolo (com quem dividi uma mesa redonda em setembro), “Quem se curva demais pro público fica de quatro pra ele. E nunca mais se ergue”.
Outras frases que eu destaco no doc:
Laerte, cartunista: “Acho que nenhum bom humorista vai perder tempo fazendo uma piada leviana sobre raça, sobre gênero”.
André Dahmer, cartunista: “Se humor precisa de uma vítima, façamos a vítima certa, né? Porque tem tanta gente que merece apanhar, por que bater nos negros, ou nas mulheres, né?, que já apanharam bastante...”
Antonio Prata, escritor: “Quando você ofende alguém que não pode ser ofendido pelo poder dessa pessoa, esse humor é grande. É passar a mão na bunda do guarda. Essa é uma piada que eu acho ofensiva pro guarda, mas o guarda tem uma arma e um cassetete, é engraçado porque você tá se arriscando. Passar a mão na bunda do mendigo?...”
Danilo Gentili: “Minha pretensão com a comédia nunca é denunciar, nunca é nada. É só destruir mesmo.”
Ana Maria Gonçalves, escritora: “A pessoa que quer contestar tudo isso, ela é colocada hoje em dia como alguém que é careta, enquanto que é realmente o contrário. A gente deveria pensar nessa inversão de sentidos em que foram aplicadas essas duas expressões, o politcamente correto e o politicamente incorreto.”
Hugo Possolo: “Qualquer manifestação artística tem a possibilidade de se expressar de uma maneira transformadora ou de uma maneira conservadora. Portanto, toda obra de arte, de uma maneira ou de outra, é política”.
Jean Wyllys, deputado federal: “A Coca-Cola faz política. Quando a Coca-Cola vende um estilo de vida, ela faz política. Desculpa aí, mas você precisa aprender, dilatar o seu conceito de política, pra não cair nessa estupidez de afirmar que você não tá fazendo política. É claro que você tá fazendo política.”
Certo, e o que eu estou fazendo ali? Os produtores do doc me enviaram um e-mail no final do ano passado, quando eles ainda estavam elaborando um projeto para atender ao edital da TV Câmara. Aceitei ser entrevistada, o problema era quando e onde. Em março fui dar uma palestra e uma aula inaugural na UFRJ, e a equipe do doc se deslocou de SP pro Rio pra filmar a palestra inteira (que não foi usada na versão final do doc). Na semana seguinte, fui para a Faculdade de Direito de Franca. Antes da minha palestra, eles me entrevistaram durante quase duas horas. Como a equipe era muito gente boa, o papo foi descontraído. Por isso que eu tô rindo.
Depois da entrevista o Pedro, o diretor e quem fazia as perguntas, se revelou um leitor do meu blog. E disse que o achava muito divertido. Um grande elogio.
Eu estava preocupada com o atraso do doc em ficar pronto. Sempre existe o risco de você ser retratada de uma forma pouco lisonjeira. Lembrei do Woody Allen fazendo um documentário sobre o personagem do Alan Alda em Crimes e Pecados, em que ele é comparado ao Mussolini. Mas acho que o doc não faz isso com ninguém, nem com Rafinha e Gentili. E olha que ridicularizar quem fala besteira não é nada difícil!
Bom, é isso. Fiquei feliz por ter participado, e adorei o resultado. É um ótimo documentário, que pode gerar boas discussões em sala de aula. Talvez eu use em algum curso de extensão, se eu não achar estranho mostrar um doc em que eu apareço.
Eu dizendo que não tem isso de colocar preconceitos de um lado e piadas do outro, como se não tivessem associação.
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