Por Fabio Serapião, na revista CartaCapital:
Em comemoração ao aniversário de um mês da ação policial bancada pelo governo do Paraná que deixou 200 manifestantes feridos no Centro Cívico, em Curitiba, um grupo de funcionários públicos paranaenses em greve realizou um ato em frente ao Ministério Público de Londrina, no interior do estado. Na quinta-feira 28, em meio a gritos de apoio ao trabalho dos promotores do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado, os servidores tomaram os arredores do prédio do MP para pedir que o nome do governador Beto Richa, do PSDB, fosse incluído na lista de investigados pelas operações Publicano e Voldemort.
Atualmente sob a tutela dos promotores criminais Leila Schmit e Jorge Fernando Barreto da Costa e do titular do Patrimônio Público, Renato de Lima Castro, as investigações não podem apurar a participação de Richa, prerrogativa restrita à Procuradoria-Geral de Justiça, mas de tão explosivas podem piorar ainda mais a debilitada situação política do governador.
Investigados desde 2014, os crimes envolvem uma rede de corrupção de agentes públicos lotados em órgãos como a Receita Estadual e o Departamento Estadual de Transporte Oficial, o Deto. As ligações entre as duas operações, apontam as investigações, são uma rede especializada na exploração sexual de menores e, no mínimo, três pessoas do círculo social de Richa. Entre eles, o primo do governador, Luiz Abi Antoun, tido como líder da organização criminosa.
Seu copiloto no hobby preferido, as corridas de carro como as 500 Milhas de Londrina, Márcio de Albuquerque Lima, é suspeito de ser o preposto da quadrilha na Receita Estadual. E um ex-assessor de Richa, Marcelo Caramori, preso por explorar sexualmente jovens entre 14 e 18 anos de idade. Este último, como prova de sua estreita ligação com o governador, ao ser preso fez questão de mostrar a frase “100% Beto Richa” tatuada no braço.
A Publicano tem origem em dois procedimentos investigatórios criminais instaurados pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) nos primeiros meses de 2014. Com um agente infiltrado em um dos grupos-alvo e por meio de interceptações telefônicas, o Gaeco mapeou toda a estrutura hierárquica da organização criminosa incrustada na Receita Estadual. Desde o auditor corrupto, passando pelos inspetores até chegar aos cargos de chefia, indicados por políticos. Nessa cadeia de comando, o líder era nada menos que o amigo e copiloto de Richa.
Na denúncia, os promotores afirmam que Albuquerque Lima “certamente contou com a proteção administrativa e/ou política de indivíduos ainda não identificados”. O apoio político, salienta o MP, contribuiu “determinantemente para a tranquilidade dos inúmeros e audaciosos crimes praticados pelo grupo”. O copiloto chegou a ocupar o cargo de coordenador-geral de Fiscalização da Receita e, dizem os investigadores, a intensificação da corrupção coincide diretamente com sua ascensão.
A situação de Richa, no entanto, piorou em novembro, quando outra frente de investigação foi aberta. Os promotores perceberam que um dos empresários envolvidos em fraudes na Receita, Paulo Midauar, dono de usinas e empresas de combustíveis na região, estava envolvido em desvios no Departamento de Trânsito. Tinha início a Voldemort – em alusão ao vilão da saga Harry Potter, aquele que, assim como o primo de Richa, não poderia ter o nome citado. Não bastasse, as apurações indicavam que tanto o grupo da Receita quanto o a atuar no Deto eram comandados pelo “primo”.
As investigações seguiram até que, no início de 2015, os promotores descobriram o envolvimento de alguns integrantes da organização criminosa em um escândalo de exploração sexual. Um deles, o auditor Luiz Antônio de Souza, em meados de janeiro, gastava o dinheiro arrecadado com a corrupção na compra da virgindade de menores de idade. De posse das informações, o Gaeco prendeu Souza em flagrante dentro de um motel, prestes a abusar de uma jovem de 14 anos.
Dias depois, ainda em janeiro, foi a vez do assessor de Richa, Marcelo Caramori, ser preso pelo mesmo motivo. Acuados pela consistência das provas, os dois optaram por uma delação premiada. Caramori, o da tatuagem, detalhou as relações entre o primo Luiz Abi e os desvios na Receita e no Deto. Segundo ele, Luiz Abi é, na verdade, o “grande caixa financeiro” de Richa, responsável por “bancar campanhas políticas e arrecadar dinheiro em vários órgãos públicos”.
Por sua vez, Souza abriu a caixa-preta da Receita Estadual. Afirmou que o esquema em Londrina se replica em todas as outras delegacias do órgão espalhadas pelo estado, deu nome a todas as pessoas envolvidas e seus respectivos padrinhos políticos, além de disparar contra Richa. Segundo o auditor, cerca de 2 milhões de reais oriundos dos desvios tiveram como destino a campanha do governador. A arrecadação teria sido feita pelo próprio Souza a pedido do copiloto Albuquerque Lima e do primo Luiz Abi.
Em nota, o PSDB paranaense rechaçou as declarações de Caramori. “Luiz Abi Antoun não tratou de arrecadação para a campanha eleitoral. Essa tarefa era de responsabilidade do Comitê Financeiro.” Em relação às declarações de Souza, o partido informou que todas as doações ocorreram dentro da legalidade. O governador, por meio de sua assessoria, afirma que foi criada uma força-tarefa para apurar os desvios na Receita. Sobre seu primo Luiz Abi, afirmou que manteve “relações sociais tempos atrás”, mas que nunca soube de seu envolvimento nas irregularidades. Sobre Caramori, Richa diz que ele não era assessor do governador, mas da “estrutura de governo”. Sobre seu copiloto, o governador diz não manter “nenhuma” relação.
Com base nas informações coletadas ao longo da Publicano e da Voldemort, os promotores de Londrina pediram a prisão preventiva de Luiz Abi, Albuquerque Lima e de vários auditores. O primo ganhou liberdade após o Tribunal de Justiça conceder um habeas corpus. Lima foi beneficiado por medida equivalente do STF. Desde maio, os 62 envolvidos no escândalo da Receita e outros sete relacionados aos desvios no Departamento de Transportes, entre eles, os amigos de Richa, são réus em ações na Justiça. Por sua vez, o MP de Curitiba abriu uma nova linha de investigação para descobrir se a esposa do governador, Fernanda Richa, exigiu 2 milhões de reais para que auditores fossem promovidos.
A suspeita ampara-se no fato de 291 auditores, dos 933 existentes, terem realizado doações eleitorais para políticos da base e para o próprio Richa. Não bastasse, entre os doadores, 219 foram promovidos por um decreto assinado pelo governador pouco antes da eleição. A respeito do inquérito, Richa defende que o próprio MP afirma não haver qualquer prova ou evidência.
Enquanto isso, os paranaenses e os funcionários públicos em greve esperam pelas explicações do governo. De preferência sem a violência que resultou no massacre contra professores no Centro Cívico. Até o momento, o único órgão público a dar respostas aos paranaenses é o Gaeco de Londrina, e, ao que parece, nos próximos meses mais motivos para suspeitas surgirão.
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