Os cinco olhos - MIRIAM LEITÃO
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Os cinco olhos - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 03/09

O governo brasileiro elevou um pouco um tom contra o governo americano. Pediu explicações não mais ao embaixador. Quer uma resposta por escrito, formal e rápida da Casa Branca. O governo Obama havia dado respostas falsas de que apenas acessava os metadados. Agora se vê que há interceptação direta de comunicação pessoal até da presidente da República.

A reportagem de Sônia Bridi e Glenn Greenwald não deixou margem à dúvida: eles interceptam comunicação da presidente do Brasil, congratulam-se pelo objetivo atingido e dizem que estão aptos a repetir a façanha.

O que a imprensa insistentemente perguntou ontem na entrevista coletiva conjunta dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, é o que de concreto será feito. Quando o ministro Luiz Alberto Figueiredo frisou que não pediu ao embaixador Shannon uma explicação, mas que ele ontem mesmo ? a despeito de ser feriado nos Estados Unidos ? comunicasse que o Brasil quer uma resposta por escrito e formal, em linguagem diplomática, estava elevando o tom.

Mas há um silêncio para ser ouvido. Figueiredo repetiu que não iria tratar da viagem da presidente na entrevista de ontem. Assim, ficou em suspense a ameaça de simplesmente cancelar a visita aos Estados Unidos se a resposta que vier da Casa Branca não for satisfatória.

Tudo somado é pouco. Há questões de Estado, sensíveis, que devem ser protegidas de governos de outros países na comunicação de um chefe de governo. Há interesses comerciais e econômicos que precisam ser defendidos. Há estratégias de negociações internacionais que têm que ser reservadas.

Só para ficar num exemplo simples. O Canadá faz parte do grupo privilegiado dos países com os quais os Estados Unidos aceitam compartilhar as informações que bisbilhotam. São os five eyes, os cinco olhos ? Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália, Canadá e Nova Zelândia. Brasil e Canadá tiveram uma longa briga em torno dos aviões da Bombardier e da Embraer. Imagine se tudo o que foi dito no Brasil, seja na empresa, seja no governo, a esse respeito, fosse direto para os olhos canadenses? Há, portanto, dois tipos de risco que essa prática generalizada e compulsiva de espionagem cria: o político e o econômico.

Barack Obama não tem conseguido dar qualquer resposta minimamente convincente sobre a abusiva e intolerável invasão da privacidade dos cidadãos e governantes de países amigos. O episódio de Edward Snowden é uma das marcas do pior momento do seu governo. Ele naufraga em indecisões na Síria, em paralisias decisórias internas e na tentativa de justificar o inaceitável dessa espionagem global. Eles sempre espionaram, mas o que as informações de Snowden têm revelado ao mundo é muito mais vasto do que o imaginado.

Pior ainda é a avaliação equivocada feita sobre o Brasil, ao colocá-lo no mesmo grupo de países em que está o Irã, por exemplo. Países sobre os quais há dúvidas se são amigos, inimigos ou problemas.

Outro ponto a ser anotado nas palavras do novo chanceler é a insistência com que Figueiredo falou que está consultando os Brics, leia-se China e Rússia, para saber como se defender nessa questão. A liberdade da internet e a integração com o mundo têm que ser preservada. O Brasil não quer o modelo chinês. Ao mesmo tempo não pode estar exposto a esta invasão cibernética. Ameaçar com mais aproximação da China e da Rússia em tema tão delicado é uma forma de enviar um recado aos Estados Unidos de que amigos podem começar a ser problemas.




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