Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
O tempo político difere do da Justiça. Assim, os malabarismos do presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, encenados para produzir efeito político-eleitoral em benefício dos adversários do PT e do governo Dilma, podem estar sendo úteis ao fim a que se destinam, mas, a cada novo malabarismo, o julgamento da ação penal 470 sofre um golpe mais duro.
Ao longo deste ano, os ferimentos que aquele julgamento sofreu agravaram sua saúde jurídica, segundo avaliação de contingente crescente de juristas. Revisitemos, pois, fatos que contribuirão para o sepultamento do processo em um futuro não tão distante.
O ferimento mais grave talvez tenha sido a queda do crime de formação de quadrilha em sessão do STF de 27 de fevereiro último. Ao reconhecer oficialmente que não houve quadrilha, a Corte condenou à morte o julgamento do mensalão.
E quem permite tal previsão é o próprio Barbosa. Na sessão em que caiu o crime de quadrilha, ele disse, com semblante grave, que estava tendo início “um processo”. Qual seja, o de anulação do julgamento por cortes internacionais.
Recentemente, este Blog denunciou que um dia antes de decretar a prisão de Dirceu e Genoino, entre outros, Barbosa criou uma nova classe processual para executar suas penas. A adoção dessa medida servirá de ponto de partida para denúncia de perseguição política que será feita ao julgamento do mensalão.
A norma 514 não estava prevista no Regimento Interno do Supremo um dia antes de o presidente do STF expedir ordens de prisão de 12 condenados do mensalão. A classe processual inédita foi denominada Execução Penal (EP). Segundo a nova norma, processos penais julgados no STF devem ser distribuídos ao seu relator, que passou a ser o responsável pela execução penal dos condenados até o fim de suas penas.
Apesar de a resolução 514 do STF facultar a Barbosa administrar a execução penal de todos os réus do mensalão, ele só tem administrado diretamente as penas dos petistas condenados, deixando as dos outros condenados para juízes de execução penal comuns.
Agora, a resolução 514 – flagrantemente feita para promoção de perseguição política a petistas condenados – acaba de ganhar uma prova de sua natureza. Na última sexta-feira (9), baseando-se em filigrana jurídica, Barbosa negou pedido feito por Dirceu para trabalhar fora da prisão. Valeu-se do artigo 37 da Lei de Execuções Penais, que exige cumprimento de ao menos um sexto de penas de reclusão para concessão do benefício de trabalho externo.
A jurisprudência das execuções penais pelo Brasil afora, porém, mostra que a aplicação do artigo 37 não tem sido seguida e por uma razão muito simples: o sistema carcerário está superlotado e, assim, os juízes não enxergam benefícios no endurecimento de penas de criminosos em processo de soltura quando não se tem lugar para colocar tantos condenados que nem sequer foram presos por falta de vagas no sistema carcerário.
Aliás, a jurisprudência do próprio STF, a partir de julgamento de caso análogo em 1999, tornou-se a de que o artigo 37 só valeria para presos no regime fechado. Dessa maneira, a aplicação desse artigo soma-se a outras condutas de Barbosa que, mais adiante, servirão de prova de que ele tem se dedicado a uma vendeta política particularmente contra Dirceu.
A maioria dos juristas dedicou repúdio a essa decisão casuísta de Barbosa. A exceção foi advogada do jornal Folha de São Paulo, que argumentou, recentemente, que, devido a ter havido “roubo de recursos públicos”, justificar-se-ia o endurecimento da pena de Dirceu.
Contudo, até estupradores e assassinos têm sido beneficiados com a permissão de trabalho externo, quando em regime semiaberto.
Além desses fatos, há um outro que sustentará com força a tese de perseguição política no julgamento do mensalão. O envio do julgamento do mensalão mineiro para a primeira instância, a anuência do Supremo para estratégia do principal réu desse processo, o ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo, de renunciar ao mandato de senador para escapar do julgamento pelo Supremo, reforça sobremaneira a denúncia do julgamento do mensalão.
Eis que ganha sentido a preocupação de Barbosa, externada na sessão do STF que, em fevereiro, pôs abaixo a tese de que teria sido montada uma quadrilha para roubar recursos públicos e comprar parlamentares. Sem o crime de quadrilha, não haveria por que julgar 40 réus no STF quando apenas 3 tinham foro privilegiado.
Esse, aliás, é o sentido do primeiro recurso feito a Corte internacional contra o julgamento do mensalão.
No mês passado, os advogados dos executivos do Banco Rural condenados no julgamento do mensalão recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), pedindo novo julgamento de Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane.
O cerne da discussão apresentada na denúncia é o direito ao duplo grau de jurisdição. Na peça de recurso àquela Corte Internacional, os advogados criminalistas Márcio Thomaz Bastos, José Carlos Dias e Maurício de Oliveira Campos Júnior abordam desde a queda do crime de quadrilha até a decisão que favoreceu adversários do PT em julgamento similar, ou seja, a concessão de duplo grau de jurisdição para Azeredo, do PSDB.
Os outros réus ainda não recorreram à Corte Internacional devido ao fato de que não foram esgotados os recursos à Justiça brasileira. No caso dos três réus do Banco Rural, não há mais possibilidade de recursos, mas aos réus petistas anda cabe revisão criminal devido à queda do crime de quadrilha ter desestruturado a tese que fundamentou suas condenações.
Contudo, a revisão criminal do processo, segundo informações do staff de Dirceu, ainda não foi interposta no STF porque esse e outros réus esperam a saída de Barbosa da Presidência da Corte, no fim do ano, para que alguma chicana jurídica não seja usada por ele.
A revisão criminal, sem Barbosa na presidência do STF, tem boas chances de passar, podendo gerar um novo julgamento, de forma que o recurso à Corte Internacional de Direitos Humanos deve esperar.
A queda do crime de quadrilha desestrutura a tese que condenou Dirceu por outros crimes e, mais do que isso, a tese que permitiu julgar no STF 37 pessoas sem direito a foro privilegiado.
Seja como for, muitos especialistas já consideram que, se no STF perdurar o corporativismo notório que permeia aquela Corte, em uma instância isenta será muito difícil que argumentos tão potentes não sejam reconhecidos.
Como signatário do Pacto de San José da Costa Rica, o Brasil terá que respeitar o entendimento daquela Corte e, assim, refazer o julgamento da Ação Penal 470. Muito provavelmente os réus petistas já estarão em liberdade, mas a condenação internacional do julgamento do mensalão produzirá um fato político e institucional histórico.
No futuro, quando a farsa do julgamento do mensalão for desmascarada internacionalmente, haverá possibilidade até de se pedir apuração de responsabilidades pelo empreendimento de um crime de Estado análogo ao da ditadura militar. Um crime que jogou pessoas na prisão sem provas e com supressão de direitos internacionalmente reconhecidos.
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