PAÍS CIVILIZADO É OUTRA COISA
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PAÍS CIVILIZADO É OUTRA COISA


De quando eu vivi em Detroit, Michigan (agosto 2007 a julho 2008), durante o doutorado-sanduíche
Três coisas desagradáveis aconteceram na mesma tarde. Sei que não é pessoal, mas não pode ser coincidência, pode? Então, a primeira foi com o maridão. Já contei que ele comprou uma câmera digital nova por 157 dólares e, quando foi ver, encontrou dentro fotos tiradas pelo dono anterior da câmera. Ou seja, não era nova coisa nenhuma, embora o site diga “todos os nossos produtos são novos”. Após várias ligações ao call center, falaram pra ele devolver o produto via correio. O pobrezinho não fez muita coisa esta semana além de ir a três agências postais, todas longe. Nenhuma queria aceitar o pacote (pré-pago), o mandavam pra outra agência, ou falavam que tava faltando um formulário que nunca veio. Se já é impossível mandar o pacote de volta, como será a novela pra que eles devolvam o dinheiro? O maridão tá com medo e já cogita ficar com a máquina mesmo, que é boa, apesar de usada, ou comprar outra e revender esta no Brasil. Eu não sei, fomos engabelados e eu preferiria devolver, mas se tá tão difícil...
O segundo golpe aplicado por americanos contra brasileiros (ou pelo menos contra esta brasileira que vos fala) foi do AT+T, minha provedora de internet. Contei como o provedor anterior, a Comcast, nos passou a perna. Desta vez foi assim: quando mudei de provedor, comprei um modem com a própria AT+T, pelo telefone. O representante me disse que eu pagaria o preço total pelo modem mas logo receberia um rebate (você preenche um formulário e eles te devolvem uma parte do dinheiro) de 50 dólares. Ok, o modem tava caro, US$ 98, mas com o desconto de 50 que viria ficaria por 48, o que tava dentro do valor pesquisado. Como o formulário do rebate não chegava nunca, mandei um email, sem sucesso. Disseram que estavam muito honrados com a minha mensagem, mas ligue pro 0800, sua desgraçada. Liguei. A representante que me atendeu levou uma eternidade pra encontrar a minha conta e, quando finalmente encontrou, comunicou que não havia rebate nenhum. O plano que eu havia contratado não permitia o desconto, segundo ela. Eu quis saber: “Mas como? Foi o vendedor de vocês que me garantiu isso. Eu não teria comprado se não fosse pelo desconto”. E tudo que a mulher conseguia dizer era “Sinto muito se você foi mal-informada”, daquele jeito americano de fingir ser respeitoso quando no fundo quer te mandar pro inferno. A conversa foi ficando repetitiva – a mulher só dizia a mesma coisa, e eu só explicava o meu drama e afirmava que isso era inaceitável -, até que tive de apelar pra falar com algum gerente. Ela disse “Yes, ma’am” e me deixou uns vinte minutos na linha com alguma musiquinha detestável. Finalmente a gerente atendeu, repetiu a ladainha da representante, disse que não havia meio de conceder um rebate. Eu disse que isso tava se parecendo com um episódio de Além da Imaginação, e ela cedeu: “O melhor que podemos fazer é não cobrar a sua mensalidade de 39 dólares”. Eu aceitei, porque estava esgotada, mas quem me garante que na próxima ligação não vão dizer que é impossível conceder esse desconto, sentindo muito por eu ter sido tão mal-informada? Morram!
Golpe 3. Este não é novidade e ocorre aproximadamente 80% das vezes que vamos ao supermercado. Em qualquer supermercado, grande, enorme ou pequeno, sempre ocorre uma disparidade no preço que tá no produto, ou na prateleira, e o preço cobrado no caixa. Por incrível que pareça, essa diferença é quase sempre superior ao que você pensava que iria pagar. Não é privilégio dos americanos, lógico, acontece direto no Brasil (principalmente no Big), mas eu não passei a vida toda ouvindo que “país civilizado é outra coisa”? Aqui em Michigan há uma lei (estadual, não federal) pra tentar defender os consumidores dessa prática. Diz que, se o produto passar pelo caixa com outro preço do que estava na prateleira, o supermercado deve pagar cinco vezes a diferença, num limite de até cinco dólares. Na teoria é uma beleza, mas tente cobrar. Não funciona. Os supermercados fingem que nunca ouviram falar, e quando se convencem que sim, talvez essa lei não seja uma fantasia do cliente lesado, mandam você voltar em uma semana. A gente mora longe dos supermercados e não tem carro. É duro voltar depois (pra eles te fazerem de bobo de novo). Portanto, eu nem tento fazer com que a lei seja cumprida. O que faço é fiscalizar cada produto que passa no caixa, apontar a diferença de preço na hora, e exigir a correção imediata. Leva um pouco mais de tempo, os outros clientes acham que sou louca, as caixas me detestam, mas é necessário. É meu direito pagar apenas o preço que está na prateleira, bolas! É dever do supermercado cobrar um só preço, ao invés de tentar pegar o consumidor distraído. E não acho que é descuido do supermercado, não. Seria se acontecesse uma ou outra vez. Quando acontece em 80% das nossas idas às compras, começo a suspeitar que é má fé mesmo. Desta vez, qual foi o produto? Ah, um pimentão amarelo que só comprei porque estava 1,99 o pound (meio quilo), o mesmo preço do pimentão vermelho. Ao passar no caixa, a mulher quis cobrar 2,99 o pound. Eu disse que o preço não era aquele, e ela, com a maior má vontade do mundo, gritou prum funcionário da seção de hortifrutis, que confirmou que era 1,99. Logo depois, erro em outro produto: um pacotinho de biscoitos que devia custar 1 dólar tava passando por 1,19. Acusei e disse que esse ela nem precisava checar com alguém – o preço tava no próprio produto, na cara dela. Ela argumentou que precisa checar, porque às vezes só aquele pacote em particular tá errado (isso não cheira à acusação de que o cliente trocou a etiqueta?). Então ela perguntou pra um rapaz que tava passando quanto custava aquilo, e o cara, sem parar, gritou: “1,19!”. A caixa me deu um olhar de “Tá vendo?”. E eu: “Tá escrito 1 dólar aí no pacote! E todos os pacotes na prateleira estão com o mesmo preço”. Enquanto o homem foi lá verificar, totalmente a contragosto, reclamei com a caixa: “Não é possível! Todos os produtos estão marcados errado? É preciso mesmo checar um por um?”. E a mulher, com a cara mais antipática que vejo em meses, lixando-se pra polidez hipócrita dos americanos: “Faz parte da vida!”. Eu só pude dizer: “Não, não faz parte da vida! Não deveria fazer parte da vida ser enganada toda vez que entro num supermercado!”. Foi o tempo da víbora se lembrar do treinamento recebido e responder, nervosa: “Você tem razão, não faz!”. Saí de lá bufando, virei pro maridão e desabafei: “Amor, tô me cansando deste paisinho”.




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