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Palavras o vento leva... - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 16/06
Depois de passar vinte anos condenando, o governo Dilma agora vai usar o dinheiro que arrecadar com privatizações para pagar a dívida pública. Não há nada de mais, não é pecado mortal nem venial aplicar dinheiro da venda de concessões públicas no pagamento de juros da dívida. O mundo inteiro faz isso. É uma questão de identificar e eleger prioridades. Quando a dívida pública de um país está sob controle, é bem administrada e não ameaça a saúde da economia, ótimo - despeja-se todo o dinheiro da venda de ativos em investimentos produtivos que geram emprego, renda, riqueza, bem estar e progresso para a população e para o país.
Obviamente esse não é o caso de Grécia, Portugal, Itália e Espanha, cujos governos assistiram passivos a suas dívidas multiplicarem, nada fizeram para contê-las e agora pedem socorro financeiro ao FMI e ao Banco Central Europeu, que os obrigam a impor trágicos sacrifícios à população, vender ativos, demitir funcionários, reduzir salários e aposentadorias, provocar depressão econômica, desemprego e empobrecimento e, assim, gerar condições para pagar suas gigantescas dívidas. A alternativa seria dar calote, decretar moratória unilateral, mas isso ninguém quer, a tragédia seria muito pior. Que o diga a Argentina, que enunciou moratória em 2001 e viu seu PIB desabar, o desemprego se espalhar e a população empobrecer a níveis jamais vistos em sua história. Mas o que acontece na Europa já foi passado no Brasil (nos anos 1980) e hoje deixou de ser pesadelo. É bem verdade que nossa dívida pública está acima da média dos países emergentes (a líquida em 35% do PIB e a bruta em 68%), mas longe, muito longe, do risco de crise, é perfeitamente administrável. Afinal, alguns dos países europeus têm dívidas que ultrapassam 100% do PIB. Então qual é o problema do Brasil? Por que Dilma, que tanto criticou o governo tucano por usar o dinheiro das privatizações para abater a dívida, agora faz o mesmo?
Nessa questão, o problema número um do Brasil de hoje se chama credibilidade. É verdade que temos uma meta de superávit primário (economia nas contas públicas para pagar os juros da dívida), essencial para garantir ao mundo financeiro (onde nossas empresas tomam dinheiro emprestado) que temos plenas condições de pagar nossos débitos. Tudo bem, não fosse um relevante detalhe: em quase três anos, o governo Dilma só conseguiu cumprir o superávit com truques, feitiçarias, alquimias em que nem a criança mais ingênua e desinformada acreditaria. O que o ex-ministro Delfim Netto chamou de "esculhambação nas contas públicas", em entrevista à Agência Estado.
O que a nota de rebaixamento da agência Standard & Poor's reflete é justamente a falta de confiança de que o Brasil vai continuar pagando o que deve no futuro sem criar problemas para a saúde de sua economia. Três fatores têm contribuído para isso: 1) os truques e as maquiagens minaram a credibilidade da equipe econômica de Dilma, mostraram que a intenção era enganar, dar um jeitinho (obviamente sem sucesso) e não equilibrar as contas públicas; 2) prestigiado pela presidente Dilma, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, passou a defender abertamente a redução da meta fiscal; e 3) apesar do inchaço da inflação e da desvalorização do real, o governo não dá qualquer sinal de que vai ajustar seus gastos - muito pelo contrário, continua gastando mais do que pode.
Por tudo isso, Dilma Rousseff recorre ao dinheiro que vai arrecadar com as privatizações de estradas, portos, ferrovias, aeroportos e áreas de exploração de petróleo. É dinheiro extra, fora do orçamento, que poderia ser investido em saúde, educação, saneamento, e vai servir para pagar a dívida porque agora virou prioridade reconquistar a confiança na meta fiscal. E de nada adianta fazer vazar promessas de que o governo vai perseguir o déficit nominal zero nem o ministro Mantega vir a público se comprometer com meta de 2,1% do PIB, se as ações do governo se dirigem para o lado contrário. Promessas e palavras o vento leva...
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