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Paradoxos de um ano que não termina
Por Venício A. de Lima, no Observatório da Imprensa:
Considerada a cobertura diária da grande mídia, chega-se ao fim de 2014 com a sensação de ser este mais um ano que não termina.
Estamos submetidos a um continuum marcado pela prevalência progressiva de uma pauta negativa, que se renova a cada dia e insiste – seletiva, crítica e reiteradamente – em mostrar apenas aspectos adversos da sociedade na qual vivemos. Em outra ocasião chamei a essa pauta de “jornalismo do vale de lágrimas” (ver, neste Observatório, “O ‘vale de lágrimas’ é aqui“).
Até julho tivemos a unânime antecipação do fracasso retumbante da Copa do Mundo de Futebol, desde as obras dos estádios e da infraestrutura urbana que não se concluiriam, até o caos nos aeroportos e na hotelaria. Depois veio a campanha eleitoral, marcada pela consolidação de uma “linguagem do ódio” e pela indisfarçável partidarização da cobertura jornalística cujo grand finale foi a edição 2397 da revista Veja, do Grupo Abril. E o “terceiro turno” ainda prossegue.
Na tentativa de fazer um balanço de 2013, escrevi que o ano “poderia ser lembrado como aquele em que ocorreu o julgamento da Ação Penal nº 470 e pelo desmesurado papel que a grande mídia desempenhou em todo o processo. Um vocabulário seletivo específico e uma linguagem correspondente se consolidaram”. E perguntava: “Até que ponto este vocabulário e esta linguagem (...) contribuem para criar um clima político não democrático, de intolerância, de ódio e de recusa intransigente a sequer ouvir qualquer posição diferente da sua?” (ver “Balanço 2013: A linguagem seletiva do ‘mensalão’“).
Passado um ano e superadas as eleições, prosseguem e confirmam-se tanto a pauta negativa quanto o vocabulário e a linguagem do ódio e da intolerância. Muitos afirmam ser essa a “missão da imprensa”, escolhendo ignorar a comprovada cumplicidade dos oligopólios de mídia com a ruptura de processos democráticos e as lições da nossa história política.
Todavia, a pauta negativa e o vocabulário e a linguagem do ódio e da intolerância não estão imunes a contradições e a paradoxos.
Cumprir a Constituição de 1988
O continuum interminável da pauta negativa, do vocabulário e da linguagem do ódio e da intolerância na grande mídia oligopolizada talvez esteja finalmente convencendo atores públicos, responsáveis pela formulação das políticas de comunicação, daquilo que o movimento social, alguns partidos políticos e observadores críticos da mídia insistem há décadas: é chegada a hora de, pelo menos, cumprir-se o que já está escrito na Constituição Federal há mais de 25 anos.
Registre-se o comprometimento público da presidente reeleita com o que ela tem chamado de “regulação econômica” da mídia. É de se supor que se refira à regulamentação e cumprimento do § 5º do artigo 220 que reza explicitamente:
“Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.
Na mesma perspectiva, espera-se que em seu segundo mandato a presidente reeleita decida apoiar efetivamente o campo público de comunicação dentro do “princípio da complementaridade” dos sistemas público, privado e estatal, como manda o caput do artigo 223 da Constituição. Impõe-se aqui a relevância da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a empresa pública de comunicação, que deveria ter as condições mínimas necessárias para se constituir em uma alternativa de qualidade ao sistema privado comercial dominante.
Há ainda a expectativa de que a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, no segundo governo Dilma, reconsidere os “critérios técnicos” que têm prevalecido na distribuição dos recursos oficiais de publicidade da administração direta e indireta. A exemplo do que já ocorre nas democracias mais avançadas do mundo, é indispensável que o Estado garanta a sobrevivência no mercado das iniciativas de mídia necessárias à manutenção da pluralidade e da diversidade de ideias e opiniões.
Perspectivas para 2015
Enquanto 2014 não termina – nem no calendário, nem na grande mídia –, o Congresso Nacional descumpre, mais uma vez, desde julho, o artigo 224 da Constituição de 1988. Vencidos os mandatos dos conselheiros do Conselho de Comunicação Social (CCS), até hoje a Mesa Diretora não indicou seus novos membros e o CCS – única instância em nível federal para debate das questões da comunicação social, embora apenas órgão consultivo – permanece desativado.
Resta acompanhar as contradições e os paradoxos embutidos na pauta negativa, no vocabulário e na linguagem do ódio e da intolerância prevalentes na mídia oligopolizada e torcer para que resultem em avanços no campo da comunicação que a sociedade espera, pelo menos, desde outubro de 1988.
A ver.
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