PEC DAS DOMÉSTICAS, O SUSTO DA ELITE
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PEC DAS DOMÉSTICAS, O SUSTO DA ELITE


Em abril do ano passado, quando a PEC (Proposta da Emenda à Constituição) das Domésticas foi aprovada, houve muitos festejos (o jornal francês Le Monde classificou a PEC como uma segunda abolição no Brasil, por exemplo), e gritaria por parte da classe patronal. Mas, um ano depois, a emenda ainda não foi regulamentada no Congresso. Espera-se que seja esta semana.
Antes da PEC, por lei, toda empregada doméstica deveria ter carteira assinada, férias, 13o, recolhimento do INSS para que pudesse se aposentar no futuro. O artigo 7o da Constituição Federal garantia esses direitos, mas não obrigava os patrões a concedê-los. Não havia  igualdade de direitos em relação a outras categorias (e, segundo especialistas, ainda não há). Logo, apenas 26% dos patrões cumpriam a lei.
Cabe aqui um adendo: qualquer funcionário que trabalha em domicílio é considerado empregado doméstico. Isso inclui não só faxineiras, babás e cozinheiras, mas também caseiros, jardineiros, mordomos, governantas, damas de companhia, lavadeiras. As regras da PEC das Domésticas valem para todos. Mas eu falo empregadas, no feminino, porque 93% das pessoas que exercem trabalho doméstico é mulher. 
17% de todas as mulheres que trabalham fora no Brasil são empregadas domésticas (o setor de comércio emprega 16,8% das trabalhadoras; o de Educação, Saúde e Serviços Sociais, 16,7%). Segundo uma outra estatística, são mais de 7 milhões de pessoas que são domésticas. O emprego doméstico remunerado é a terceira atividade a gerar mais empregos para mulheres no país, mas são subempregos.
No Brasil, as domésticas têm cor –- são negras. Na América Latina, a maior parte é indígena. Lembra da jornalista de Natal que, indignada com a chegada dos médicos de Cuba, disse que as médicas cubanas tinham cara de empregadas domésticas? Pois é: apenas 2,66% dos estudantes concluintes de medicina no Brasil são negros. E quantas empregadas são negras ou pardas? No Recife, por exemplo, 81% são negras.
O Brasil tem o maior número de domésticas do mundo, que recebem menos da metade da média salarial e estão expostas a condições precárias de trabalho. Dos quase 53 milhões de trabalhadores domésticos no mundo, 14% são brasileiros. Isso é consequência da nossa desigualdade. Se a diferença salarial não fosse tão gigantesca, apenas as pessoas com mais dinheiro teriam condições de contratar uma empregada, porque essas seriam muito mais caras. É o que acontece nos países ricos. Aqui é diferente (no Nordeste, por exemplo, a diferença de renda entre o 1% mais rico e os 10% mais pobres estava em 154 vezes, em 2012).
Em 2010, a média salarial de uma empregada doméstica era R$ 350 por mês. Abaixo do salário mínimo, que era de R$ 510. Mais de 70% não tinham (e continuam não tendo) registro em carteira. Ou seja, a mesma classe média que pede o fim da corrupção no governo não tem escrúpulo nenhum para desrespeitar leis.
Isso para não falar do trabalho doméstico infantil, que é trabalho escravo mesmo: há cerca de 250 mil crianças e adolescentes (94% meninas) realizando trabalho doméstico no Brasil. Isso não conta as meninas que "ajudam" na própria casa. Só as que trabalham em casas alheias. E os números são subnotificados, já que também são vistos como ajuda. Muitas vezes ajuda não da criança, mas à criança, que é alimentada e às vezes pode frequentar a escola. É uma ótica parecida com a exploração da doméstica adulta, exploração que muitas vezes é vista pelos patrões como ajuda, oportunidade.
A presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza de Oliveira, foi uma dessas meninas. Baiana, ela começou a trabalhar como doméstica aos dez anos. "Fui vítima de espancamento, de assédio moral, abuso  sexual, ato libidinoso... a gente sabe que isso acontece, que no Nordeste as crianças e adolescentes domésticas comem o resto da comida da casa, para não jogar no lixo". Imagina o que isso causa para a autoestima de uma menina. "Elas crescem com complexo de inferioridade", diz Creuza.
Para ela, o trabalho doméstico nunca deixará de existir, mas diminuirá cada vez mais. Uma boa notícia é que há cada vez menos mulheres jovens entrando no mercado de trabalho como empregadas. Há mais domésticas com mais de 50 anos que com menos de 25. 231 mil empregadas trocaram de profissão entre 2011 e 2012. Esta é uma boa notícia não porque o trabalho doméstico seja menos importante que qualquer outro, mas porque, para muitas mulheres pobres e negras, até pouco ele era a única opção. 
Aqui em casa não temos empregada. Eu só teria se a necessidade de ter uma casa constantemente limpa fosse algo relevante pra mim, e se eu pudesse pagar bem. Como feminista, não me sentiria bem explorando outra mulher. E lamento que nessas horas, para algumas feministas, a defesa de classe (média) fale mais alto que a defesa de gênero. 
Mas também é preciso tomar cuidado com esse discurso de culpar as mulheres pela exploração de outras mulheres porque isso isenta os homens de culpa. Dizer que contratar e gerenciar domésticas é um assunto de mulheres é uma das formas de desvalorizar o trabalho doméstico e de perpetuar a divisão do trabalho.
Ainda me lembro quando cheguei a Fortaleza, quatro anos atrás, e tive que ouvir de uma mulher rica (nada feminista) o típico discurso preconceituoso da elite contra o Bolsa Família: “Ficam dando dinheiro pra pobre, e aí o pobre não quer trabalhar. Hoje em dia está impossível arranjar empregada. Ninguém quer, e olha que eu pago bem, salário mínimo!”
Ela não se deu conta que, se um salário está muito próximo do valor de um auxílio, o problema está na remuneração do salário, não do auxílio. Aposto como esta senhora também é contra o PEC das Domésticas, porque onde já se viu dar direitos trabalhistas para uma profissão cheia de mulheres pobres e negras?
O que nossa elite de passado escravagista não entende é que a diminuição da desigualdade social beneficia a sociedade como um todo, não apenas a parte mais pobre. Portanto, que aumentem o salário, os direitos, as oportunidades das empregadas. 




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