PESQUISA MOSTRA QUE FALTA MUITO PRO FEMINISMO SE TORNAR OBSOLETO
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PESQUISA MOSTRA QUE FALTA MUITO PRO FEMINISMO SE TORNAR OBSOLETO


Um dos cartazes de uma das Marchas das Vadias

A pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgada ontem foi um balde de água gelada em quem luta por mudanças. 
E demonstra, mais uma vez, que alterar leis, adquirir direitos, não é tão difícil quanto mudar toda a mentalidade de uma sociedade. 
O levantamento, feito na metade do ano passado com 3.810 entrevistados (66,5% mulheres) de todas as regiões do Brasil, prova como o machismo ainda está arraigado no nosso país. E -- como se a gente precisasse de mais evidências -- oferece mais uma comprovação de que cultura de estupro não é uma invenção feminista. Existe mesmo. Senão, vejamos:
Perguntados se concordavam ou discordavam da afirmação "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", nada menos que 65% concordaram (desses, quase 43% concordaram totalmente). 
Diante da afirmação "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros", 58,5% concordaram. Ou seja, para esses entrevistados, quem causa os estupros são as mulheres, as roupas e atitudes femininas, não os estupradores. 
O interessante é que o estudo do Ipea diz que mais de 50% das vítimas têm menos de 13 anos de idade. Será que os entrevistados que responsabilizam a vítima pelo estupro também acham que são as meninas de 5, 7, 12 anos que, por não saberem se comportar adequadamente, causam seu próprio estupro? Ou isso só vale pra mulheres adultas?
Todo ano, no Brasil, no mínimo 527 mil pessoas são estupradas. Dessas, 88,5% são mulheres e meninas. Os estupradores são quase todos homens -- apenas 1,8% dos estupros são cometidos por mulheres. E aquele dado que todas as pesquisas mostram: 70% dos estupros são cometidos por conhecidos da vítima. Bem distante daquele clichê de "homem mascarado numa rua deserta à noite". O senso comum que pensa que mulher, para não ser estuprada, deve ficar no ambiente doméstico, precisa se convencer que o maior perigo está em casa. 
Estupro é o crime mais subnotificado que existe. Apenas 10% dos estupros são denunciados. E, desses 10%, uma minoria ínfima resulta em condenação. Em outras palavras, estupro é um crime impune (não só no Brasil, como em todo o mundo). 
Outro dado alarmante é que, entre as mulheres adultas que foram estupradas e engravidaram, apenas 19% fizeram um aborto legal. Entre as meninas de 14 a 17 anos, essa porcentagem cai para 5%. Vale lembrar que o aborto em caso de estupro é um dos poucos permitidos no Brasil. E, ainda assim, poucas conseguem cumprir o que é seu por direito (aí a gente fica pensando: pra que Bolsa Estupro, pra que Estatuto do Nascituro, se no nosso país nem mulheres e meninas estupradas fazem aborto legal? Por que essa ânsia em proibir ainda mais o que, na prática, já é proibido?).
Se a pesquisa do Ipea mostra que há muita tolerância na sociedade pra estupro, o mesmo não se repete -- ainda bem -- quando o assunto é violência doméstica. 
91% dos entrevistados concordam, parcial ou totalmente, com a afirmação "Homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia". 82% discordam da afirmação "Mulher que apanha em casa deve ficar quieta para não prejudicar os filhos". 89% também discordam que "Um homem pode xingar e gritar com sua própria mulher". E 85% concordam que "Quando há violência, os casais devem se separar". 
Esses números são todos positivos e indicam por que a maioria dos brasileiros apoia a Lei Maria da Penha, por exemplo. Só falta que essa percepção de que a violência doméstica deve acabar resulte mesmo na diminuição da violência, o que ainda está longe de acontecer.
E talvez a violência doméstica ainda ocorra tanto porque a sociedade continua pensando que ela é um assunto privado, pessoal, "do casal", não um problema social. 63% dos entrevistados concordaram que "Casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família". 
E 82% ainda concordam com o velho clichê "Em briga de marido e mulher não se mete a colher". Assim fica difícil resolver o problema. Mais do que se contradizer, os entrevistados deram sua mensagem: "É, violência doméstica é uma droga mesmo, mas eu não tenho nada a ver com isso!".
Além dos números pavorosos descritos acima, há outras porcentagens que demonstram que o pensamento retrógrado dos comentaristas de portais da internet não é uma aberração -- é mesmo a maioria da população. 55% dos entrevistados concorda que "Tem mulher que é pra casar, tem mulher que é pra cama". 79% concordam que toda mulher sonha em se casar. 60% concordam que uma mulher só se sente realizada quando tem filhos. 64% concordam que "O homem deve ser a cabeça do lar". Parece que a mente desse pessoal parou em 1950.
E, como machismo e homofobia sempre caminham juntos, 52% dos entrevistados concordam que "Casamento de homem com homem ou de mulher com mulher deve ser proibido".
Espantosa mesmo foi a reação dos mascus à pesquisa. A conclusão deles foi que esta é uma pesquisa comunista para alavancar a causa feminista. Por que eu falo dos mascus? Porque eles são representantes do senso comum, só que um pouco mais extremado. As ideias são as mesmas (clique para ampliar).
Mascus só acreditam que estupro aconteça na prisão, com outros homens. Não é que eles não acreditem na existência da cultura do estupro -- eles não acreditam nem em estupro! No entanto, eles afirmam nunca terem visto alguém dizer que a roupa que a mulher vestia a levou a ser estuprada, ou que a mulher mereceu ser estuprada. 
Imagino que eles não devem ler seus próprios blogs e fóruns, porque lá tudo o que se faz é culpabilizar as mulheres por absolutamente tudo que homens fazem contra elas. Violência doméstica? Quem mandou a vadia se casar com um cafajeste? 
Feminicídio? É bom pra que elas aprendam. No caso trágico e recente de quatro meninas que foram executadas com um tiro na cabeça em Goiânia, mascus comemoraram, e disseram que elas não eram vítimas. "Se elas tivessem sido raptadas, torturadas, estupradas e depois mortas, aí sim seriam vítimas", disse um deles. Só ser executada no meio da rua não basta!
Fora a nota zero em Estatística, um mascu veterano fechou o tópico com sua opinião de que a pesquisa é falsa porque, afinal, ninguém jamais acusa as mulheres de nada. Muito menos eles:
A pesquisa do Ipea, como todas, é um retrato de um lugar e de uma época. E sim, é terrível constatar que no Brasil do século 21 o machismo ainda fale tão alto. 
Pro próximo que perguntar "Feminismo pra quê? Vocês já conquistaram tudo que queriam", entregue a pesquisa. E discuta esses dados com seus amigxs, pais, professorxs, colegas. Talvez assim, ao ver um machismo tão escancarado, elxs passem a autoanalisar o machismo que internalizaram.
As respostas da pesquisa indicam como as Marchas das Vadias são pertinentes, e como slogans feministas continuam sendo de máxima relevância. 
Quando a gente diz "Ensine os homens a não estuprar, não as mulheres a não serem estupradas", tem uma galera que acha ridículo -- pô, como que um estuprador pode aprender alguma coisa?! Mas a ideia não é mudar a mentalidade do estuprador. É mudar a mentalidade de quem acha que é o comportamento e/ou a roupa da mulher que causam o estupro, e não o estuprador. 
A ideia é derrubar a cultura de estupro, que sempre culpa as mulheres, que nega e ao mesmo tempo banaliza o estupro, e que faz com que os estupradores permaneçam impunes. 
Eu já vi amigos meus falarem "Com essa roupa ela tá pedindo pra ser estuprada". Já vi perguntarem "O que ela tava vestindo?", ao saber de um estupro. Eles são gente boa, que provavelmente nunca estuprariam alguém. 
Mas são firmes apoiadores da cultura de estupro. É a cabeça deles, delas, dos entrevistadxs da pesquisa, dos adeptos do senso comum, que temos que mudar.
E eu continuo sonhando com o dia em que o feminismo se tornará obsoleto.
Leia sobre as reações à pesquisa. E leia sobre a errata do Ipea.




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