REAÇAS EXULTANTES: HÁ ERROS NA PESQUISA DO IPEA
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REAÇAS EXULTANTES: HÁ ERROS NA PESQUISA DO IPEA


Saiu uma errata do Ipea. Na divulgação da pesquisa em 27/3, os gráficos com os resultados com as afirmações "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar" e "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" foram trocados. 
Desta forma, a primeira afirmação teve 65% de entrevistados que concordam (nada machista, né?), e a segunda, que foi a que causou maior repercussão, "apenas" 26% de gente concordando.
Melhor nem mencionar que 26% é um bocado de gente. Tipo, uma em quatro pessoas. 
E melhor nem falar que a outra afirmação referente a estupro, "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros", não estava errada. De fato, 59% dos entrevistados concordaram, parcial ou totalmente, com a afirmação. 
Apesar do diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea ter pedido exoneração, é inadmissível que um instituto sério e importante divulgue um estudo com erros desse quilate. 
Ainda mais referentes a uma pesquisa que foi realizada em meados do ano passado. Não houve tempo hábil (nove meses?) para tabelar e revisar os resultados? Sem querer entrar em conspirações da direita (de que a pesquisa foi divulgada para monopolizar atenções e remover a pressão da Petrobrás ou da aprovação do marco civil -- até tu, Anonymous? --, é mesmo um tanto suspeito que um erro crasso desses não tenha sido percebido pelos pesquisadores.
Fora isso, como escrevi em outro post, havia vários questionamentos metodológicos que podiam afetar os resultados (por que tanta mulher entrevistada? Por que só 29% de entrevistados em "áreas metropolitanas"?).
Agora o que mais tem é machistóide que passa a vida dizendo que mulher com pouca roupa merece ser atacada comemorando o erro da divulgação da pesquisa. Porque, imagino, assim o problema dos estupros vai embora. Afinal, eles sempre disseram que estupro era paranoia feminista, e que isso non ecziste!
Sabe como eu fiquei sabendo do erro do Ipea? Foi graças a um comentário anônimo aqui no blog com a palavra "Chupa! Escreveu sua parede de texto pra nada". Outro reaça (que é estudante de jornalismo na UFC e já escreveu um post mentiroso sobre mim; depois de formado, pode tentar uma vaga na Veja) me enviou esta enigmática mensagem no Twitter:
Como eu disse nos outros dois paredes de texto posts que escrevi sobre a pesquisa, aquele número dos 65% foi uma ducha d'água fria pra quem combate a cultura de estupro, ainda que não totalmente surpreendente. 
Afinal, eu mantenho um blog feminista há mais de seis anos. Você realmente acha que eu não ouço barbaridades como "mulher merece ser estuprada" todo dia? Fora as ameaças de morte, estupro, tortura e desmembramento feitas diretamente pra mim -- semanalmente, há mais de três anos?
Já publiquei mais de 150 posts aqui no blog sobre estupro. A maior parte são guest posts, textos enviados por leitoras (e alguns poucos leitores) contando suas histórias de horror. É o tipo de relato que mais recebo, disparado, justamente porque estupros são tão comuns.
Em 2008, quando criei o blog, lancei uma frase que segue sendo repetida por muita gente -- toda mulher tem uma história de horror pra contar. Claro, não é bom generalizar: existem mulheres que nunca sequer correram risco de estupro; existem as que escaparam por pouco (meu caso); existem pessoas que não querem contar. Mas sem dúvida é uma frase com que a maioria das mulheres se identifica, já que estupro faz parte do nosso cotidiano. Homens nem desconfiam quanto. Homem só se preocupa com risco de estupro quando vai preso. No resto do tempo, conta piadas com essa temática tão divertida. 
Então, são 150 posts sobre estupro já publicados aqui. Quer saber quantos desses 150 nunca receberam comentários do tipo "ela mereceu", "ela pediu", "é isso o que vagabundas merecem", "se ela não tivesse bebido", "ela está mentindo", "você [eu, Lola] inventou a história", "isso não foi estupro", "ela só fez sexo e se arrependeu", "devia ter sido estuprada" (no caso de vítimas que conseguiram escapar), "essa eu estuprava", "já estuprei e quero estuprar de novo", "não é estupro, é sexo surpresa" etc? Zero. Nunca aconteceu. Sério mesmo, tais comentários são clichê em posts sobre estupro. 
Por isso, lamento muito não ter ficado tão chocada com os números do Ipea. É o que eu ouço e leio todo dia, ou pelo menos toda semana. Claro, não esperava tanto (59% culpam o comportamento da mulher pelo estupro do qual ela é vítima?! E você acha pouco?). Irônico mesmo foi ver reaças e mascus falando que nunca ouviram alguém dizer que uma mulher merece ser estuprada. Quer dizer, eu já li comentários, mensagens, textos, tweets desses mesmos caras dizendo exatamente isso. Não sei o que lhes falta mais -- memória, cara de pau, ou espelho.
E pra quem não tem memória, vale lembrar que a pesquisa do Ipea está lotada de resultados machistas (maioria entrevistada concorda com afirmações como o homem deve ser a cabeça da família, toda mulher sonha em casar, mulher sem filho não é realizada, existe mulher pra casar e mulher pra levar pra cama etc). Afirmações que, pra feminista, não são nenhuma novidade. Se eu ganhasse um real pra cada vez que alguém me dirigiu qualquer uma dessas frases nos últimos seis anos, olha, não sei se eu não estaria disputando a entrada na lista dos bilionários da Forbes (aquela em que podemos ver como 85 bilionários têm o equivalente a 46% da população mundial, but hey, eles mereceram!). 
Outra coisa: sexta passada, por conta do resultado divulgado pelo Ipea, algumas feministas lançaram a campanha virtual #NãoMereçoSerEstuprada (quase sempre seguida de outra tag bem óbvia, #NinguémMerece). Foi um sucesso. A campanha foi assunto de inúmeras matérias da grande mídia, e é sempre bacana quando a internet pauta a mídia tradicional, e não só o contrário. Se a campanha teria sido lançada caso a pesquisa dissesse "26% concordam que mulher que anda com pouca roupa merece ser atacada"? Não sei. Talvez as organizadoras dessem mais destaque para os 59% que acham que as mulheres não sabem se comportar, e por isso os estupros acontecem?
Não dá pra saber. Mas vamos aos fatos: 1) a página da campanha foi hackeada por gente que se opôs a ela e eventualmente tirada do ar; 2) imagens das participantes da campanha foram mudadas para "Eu mereço ser estuprada"; 3) as organizadoras foram ameaçadas de estupro. Isso tudo também é paranoia feminista? Isso foi erro do Ipea? 
Gostaria que as pessoas pulando de felicidade com o erro feio do Ipea, que estão felizes mesmo é por poder transferir esse erro pro governo e pras feministas, gastassem um pouco dessa energia toda para combater o estupro. O estupro existe, a percepção de que a culpa pelo estupro é da mulher existe (mesmo que menos de 1,8% dos estupros sejam cometidos por mulheres), o fato do estupro ser um crime totalmente subnotificado (menos de 10% dos casos são denunciados) persiste.  
Aí fica a pergunta: o que você está fazendo para mudar esse quadro? Fora rir de feministas e de pesquisas?




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