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Protestos. "E agora, Ulysses?"
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Foto: Tomaz Silva/ABr |
Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:
Ao ver pela televisão as imagens da multidão vindo como uma onda gigante pela avenida Rio Branco, na noite desta segunda-feira (17), no Rio de Janeiro, foi impossível não me lembrar da mesma cena vivida quase 30 anos atrás, no dia 10 de abril de 1984, na reta final da Campanha das Diretas Já, o grande marco na redemocratização do país.
Naquela época, como repórter da Folha de S. Paulo, eu tinha acompanhado os comícios pelo Brasil inteiro, e estava no palanque na Candelária quando um mar de gente inundou a avenida Presidente Vargas, para além da praça da República, e a avenida Rio Branco até a Cinelândia, engolfando os líderes políticos que estavam lá em cima.
Ao se ver cercado por aquele mundo de gente, o então governador mineiro Tancredo Neves deu um passo à frente, deu uma olhada para baixo e, visivelmente assustado, virou-se para fazer uma pergunta ao líder do grande movimento, o deputado federal Ulysses Guimarães.
"E agora, Ulysses? Como nós vamos fazer para administrar este povo todo?"
A grande diferença entre estes dois momentos é que, em 1984, a manifestação era contra os militares da ditadura que já durava 20 anos e pela volta das eleições diretas para presidente da República, enquanto agora é contra os políticos civis de todos os partidos que assumiram o poder depois deles.
Em todos os palácios nacionais, neste momento, os nossos governantes devem estar se fazendo a mesma pergunta que doutor Tancredo fez ao doutor Ulysses. Desta vez, é verdade, não há uma bandeira única como a das Diretas que foi capaz de unir o país no maior movimento cívico da nossa história _ cada manifestante, agora, carrega cartazes e grita palavras de ordem diversas _ nem um inimigo comum, o regime militar, como naquela época.
Pelo que se lê nas faixas e se ouve nas manifestações que reuniram ontem cerca de 250 mil brasileiros em 12 capitais, os protestos que começaram em São Paulo contra o aumento das tarifas de ônibus, e se espalharam por todo o país, após a violenta repressão policial da semana passada, são contra tudo e contra todos, como escrevi ontem aqui no Balaio.
Nas motivações e nos objetivos, um movimento não tem, é claro, absolutamente nada a ver com o outro, a não ser o de mostrar que a insatisfação de amplos setores da sociedade com os rumos do país e os donos do poder em todos os níveis atingiu um ponto de ebulição.
Assim como as Diretas, este também é um movimento suprapartidário - na verdade, contra os partidos. Parece mais ser uma resposta para a forma como os atuais partidos os representam, ou melhor, os deixam de representar, distantes dos anseios de uma sociedade civil cada vez mais organizada nas redes sociais.
As diferenças são enormes. Em 1984, não havia internet nem celulares, e a grande mídia boicotou a Campanha das Diretas, defendendo o governo militar até onde pode, com exceção do jornal onde eu trabalhava. Foi a população, em comícios cada vez maiores que ocupavam as ruas e praças do país, que praticamente obrigou a grande imprensa a mostrar o que estava acontecendo fora dos gabinetes oficiais.
Agora, as manifestações programadas pela grande rede virtual contam desde o início com ampla cobertura dos principais meios de comunicação da nova e da velha mídias, que transmitem ininterruptamente as manifestações ao vivo. Só não conseguiram até agora, como eu, mesmo com a ajuda de cientistas políticos e analistas variados, explicar o que está acontecendo e onde este movimento do "saco cheio" quer e pretende chegar.
Estão todos atônitos, governantes e governados, analistas e analisados, assustados com o vulto que as manifestações tomaram, sem a menor ideia de onde tudo isso vai chegar.
A única certeza é que teremos nova manifestação nesta terça-feira em São Paulo, na praça da Sé, e também em outras capitais.
Se já havia muita gente revoltada porque o transporte coletivo é de péssima qualidade e o transito está parando por toda parte, com o aumento do número de carros, agora ficou ainda mais difícil cruzar o caminho entre a casa e o trabalho ou a escola. Com isso, aumenta o número de gente insatisfeita com a vida que leva e irritada com a falta de soluções. Já não basta voltar atrás no aumento das passagens do transporte coletivo.
E o caro leitor como está vendo tudo isso, como convive com as manifestações, o que está acontecendo na sua cidade? Tem dias em que é melhor o repórter perguntar do que tentar responder, lançando mais alguma nova tese entre as milhares que já apareceram no meio da confusão.
Em tempo: não me lembro o que Ulysses respondeu a Tancredo. Os dois já não estão entre nós para tirar esta dúvida. E fazem muita falta.
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