Por André Barrocal, na revista CartaCapital:Quase um ano atrás, em 20 de fevereiro de 2013, o senador mineiro Aécio Neves subiu à tribuna para um discurso sobre “os 13 fracassos do PT”. Era a resposta do presidenciável à festa de dez anos dos petistas no poder, realizada no mesmo dia e comandada por Lula e a presidenta Dilma Rousseff. Economia fraca, atraso nas obras, sucateamento da indústria e derrocada da Petrobras integraram os temas.
Marcante nas campanhas da oposição em 2006 e 2010, o moralismo udenista ficou em segundo plano, tanto pelo estilo de Aécio quanto pelas circunstâncias. Naquela altura, sabia o PSDB, havia o risco, como acontece no mal chamado horário nobre da tevê brasileira, de uma substituição de novelas: sairia do ar o “mensalão” petista, de grande audiência, e entraria o “mensalão” tucano, malandramente apelidado de “mensalão” mineiro (por acaso, os desvios seriam culpa de todos os nascidos em Minas Gerais ou de integrantes de um partido?).
Sábia decisão, a de Aécio Neves. Na sexta-feira 7, praticamente um ano depois daquele discurso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal 22 anos de prisão e 451 mil reais de multa para o deputado federal Eduardo Azeredo, réu na Ação Penal 536. Acusado de peculato (desvio de verba pública por parte de agente público) e lavagem de dinheiro, Azeredo, caso o STF mostre ímpeto semelhante ao do caso petista, será julgado até o fim deste semestre. Esta é a expectativa do relator do processo no tribunal, Luís Roberto Barroso.
O PSDB e Aécio, em particular, tentam circunscrever o crime ao entorno de Azeredo. Em vão. Dois outros nomes envolvidos têm ou tiveram relações com o senador e presidente do partido. O senador Clésio Andrade ocupou o posto de vice-governador de Minas de 2003 a 2006, quando Aécio comandava o estado. O publicitário Eduardo Pereira Guedes Neto foi subsecretário estadual de Comunicação Social e acaba de romper, movido pela repercussão do fato, um contrato de prestação de serviços à legenda. Andrade e Guedes apostam na prescrição dos crimes. Falta pouco. Se não forem julgados até setembro, nenhum dos dois (nem Azeredo) responderá pelos crimes.
As irregularidades ocorreram na eleição de 1998, quando Azeredo era governador e tentava se reeleger. Investigações do Ministério Público Federal e da Polícia Federal comprovaram o desvio dos cofres mineiros de 3,5 milhões de reais à época, o equivalente a 9,3 milhões em valores de hoje, para a campanha à reeleição. Quem operou a fraude foi o publicitário Marcos Valério de Souza, condenado a 37 anos de cadeia no “mensalão” petista.
Nascia ali o embrião do esquema de financiamento ilegal de campanha mais tarde utilizado pelo PT. Em julho daquele ano, a agência de publicidade SMP&B, da qual Valério era sócio, pegou 2,2 milhões de reais no Banco Rural, também envolvido no escândalo petista. O empréstimo, descreve a Procuradoria-Geral da República, serviu para abastecer os tucanos. A operação foi sugerida a Valério pelo tesoureiro de Azeredo, Claudio Mourão, a pedido de Clésio Andrade, por causa da penúria financeira da campanha, conforme relato do publicitário à CPI dos Correios em 2005. Andrade tinha sido sócio de Valério na SMP&B e era vice na chapa de Azeredo.
Em agosto, Valério tomou outro empréstimo, de 2,3 milhões, para pagar o anterior. A nova dívida foi liquidada pelo empresário com recursos de estatais mineiras. No mesmo dia do segundo empréstimo, Guedes, então chefe da Casa Civil e da Comunicação, ordenou à Copasa, empresa de água e saneamento, e à Comig, mineradora, que patrocinassem três eventos esportivos. A ordem foi dada por escrito, como atestam cópias obtidas pelo Ministério Público. A negociadora das cotas de patrocínio era a SMP&B. Cada empresa pagou 1,5 milhão de reais à agência. O Bemge, estatal financeira, entrou com outros 500 mil reais.
Segundo o procurador-geral, os recursos não foram usados na finalidade alegada. A compra das cotas foi uma farsa montada para financiar ilegalmente a campanha de Azeredo com verba pública. No documento no qual pede 22 anos de prisão para o tucano, o procurador-geral anota: “Tanto o desvio de recursos públicos do estado de Minas Gerais quanto a lavagem desses capitais tiveram participação direta, efetiva, intensa e decisiva de Eduardo Brandão de Azeredo”.
Na reta final do processo, o atual deputado e seu advogado mudaram a linha de defesa. Não negam as irregularidades, o que seria pouco convincente depois da condenação de Marcos Valério, personagem central das fraudes de 1998. O objetivo agora é afastar o parlamentar dos fatos. Segundo a nova versão, Azeredo não teve culpa pelos malfeitos financeiros de sua campanha, assim como o ex-presidente Lula não teve no “mensalão” petista. Abalado física e emocionalmente, isolado pelo PSDB, Azeredo cancelou um discurso de defesa programado para a terça-feira 11.
Detalhe: até ontem, Azeredo se dizia vítima de um “estelionatário” chamado Nilton Monteiro. Mas o Ministério Público atestou o que CartaCapital havia noticiada há muito tempo. Não há indícios de fraudes nos documentos entregues por Monteiro que provam a arrecadação ilegal para campanhas do PSDB.
Clésio Andrade é réu no STF da Ação Penal 606. Graças a idas e vindas do processo, que circulou ora na Justiça de Minas ora no Supremo, o senador não será julgado ao lado de Azeredo. O processo contra ele ainda não está pronto. Falta ouvir testemunhas. A acusação mais pesada é de lavagem de dinheiro, crime a ser prescrito em 16 anos, o que acontecerá no segundo semestre. O caso de Andrade, informa Janot, é prioridade e o Ministério Público trabalha para impedir a prescrição. O publicitário Guedes é réu na 9ª Vara Criminal de Belo Horizonte, pois não é parlamentar e não tem direito a foro privilegiado. O processo contra ele e mais dez acusados, por peculato e lavagem de dinheiro, corre sérios riscos de terminar inconcluso.
O iminente julgamento de Azeredo não chegou a pegar o PSDB de surpresa, mas o rigor de Janot, sim. Nos últimos dias, vários integrantes da legenda puseram em prática a estratégia de isolar o réu e minimizar o alcance dos crimes em Minas Gerais. Aécio limitou-se a classificar Azeredo como um homem de bem, afirmou acreditar em sua capacidade de defesa e esforçou-se em desvincular o partido do episódio.
A estratégia conseguirá preservar o tucanato, durante a eleição, do contágio em caso de eventual punição de Azeredo? Secretário-geral do partido, o deputado paulista Antonio Carlos Mendes Thame reconhece: o caso “atrapalha” o PSDB e vai ter “implicações” eleitorais. É certo, diz ele, que o PT vai explorar o assunto. Mas qual será o impacto na decisão de voto dos eleitores? Pesquisa realizada pelo Ibope e divulgada na quarta-feira 12 pela Confederação Nacional da Indústria mostra que o tema corrupção aparece apenas no quinto lugar entre as principais preocupações dos brasileiros. No estado de São Paulo, onde se concentra 22% do eleitorado, o caso Azeredo, aposta Thame, não influenciará nas disputas. A eleição de 2012, realizada durante o julgamento do “mensalão” petista, é outra prova da baixa influência de denúncias de desvios no resultado das urnas.
De qualquer forma, o “mensalão” tucano une-se a outra investigação em curso contra o PSDB, o cartel do metrô e dos trens metropolitanas do estado de São Paulo. Estima-se um prejuízo de ao menos 800 milhões de reais aos cofres públicos. A dúvida é se houve e se será possível comprovar o pagamento de propinas a políticos. Neste momento, Janot examina o processo para opinar se há elementos contra três secretários do governador Geraldo Alckmin. Enquanto o parecer não sai, Alckmin mantém os aliados nos cargos, para não passar recibo.
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