Essas origens ajudam a entender porque hoje, enquanto a Europa se seculariza cada vez mais, os EUA permanecem um país muito religioso. Uma pesquisa recente indica que 92% dos americanos acreditam em Deus. E é esquisito: mesmo entre os que se dizem ateus, 21% crêem na existência de Deus ou de um espírito universal. 78,4% da população americana adulta é cristã. Dentro dessa maioria, 51% é protestante, 24% é católica, 1,7% é Mórmon, e 0,7% é Testemunha de Jeová. As outras fés, que não a cristã, representam menos de 5%. E 16% não tem religião, o que inclui ateus e agnósticos. Enfim, para 56% dos adultos americanos, a religião é muito importante em suas vidas – uma alta porcentagem, não encontrada em nenhum outro país desenvolvido. A pesquisa mostra também que a religião afeta a ideologia política. Mórmons e membros de igrejas evangélicas tendem a ser mais conservadores, enquanto judeus, budistas, hindus e ateus são mais liberais. Em questões como aborto e homossexualidade (que a direita cristã chama de “assassinato de bebês e perversão sexual”), isso fica ainda mais evidente. Entre as pessoas que vão à igreja regularmente, seis em cada dez acham que aborto deveria ser ilegal na maioria ou em todos os casos. Entre pessoas que não frequentam a igreja com regularidade, esse número cai para três em dez.
A pesquisa me deu uma pontinha de esperança, pois mostra que a imensa maioria dos americanos acredita que há mais de um caminho para a salvação. Eles não acham que só a religião deles contém A Verdade, e isso pra mim é sinal de tolerância. Mas então, por que tantos seguem falando como se só a Bíblia fosse a luz, usam o livro sagrado para justificar seu racismo e homofobia, e agora concentram toda sua artilharia na destruição de Barack Obama? Numa carta com o título “Exponha Obama”, a direita cita um discurso que Obama deu em maio: “Não podemos dirigir nossas caminhonetes [SUVs], comer o quanto quisermos, manter nossas casas aquecidas o tempo todo, e esperar que os outros países concordem”. Pra direita, uma declaração dessas equivale a ser anti-americano e a dizer que os EUA não são mais uma grande nação e que não merecem dominar o mundo e usá-lo como sua bomba de combustível. A questão do merecimento é essencial, já que tem raízes religiosas. Quando nós, brazucas, falamos que Deus é brasileiro, estamos brincando. Mas muitos americanos realmente acreditam ser o povo eleito. Só que americano não diz que Deus é americano. Os lemas deles são outros: “In God we trust” (“Em Deus confiamos”, estampada inclusive nos dólares) e “God bless America” (Deus abençoe a América). A confiança em Deus é pra que Ele siga “abençoando” a América. Quando acontece um furacão Katrina, a direita cristã prega que Deus está punindo o país por estar se afastando de sua religiosidade. Muitos evagélicos crêem que o Katrina serviu pra impedir que uma parada de orgulho gay se realizasse lá. E como boa parte da direita cristã é racista, veio a calhar que 80% de Nova Orleans fosse negra. Não eram só os gays que deviam ter pecados pra pagar.
A direita fica possessa com essa declaração do Obama e lembra que, na década de 70, com a crise do petróleo, outro democrata, o Jimmy Carter, pediu pra população usar menos o carro e manter as casas menos aquecidas. Isso é ultrajante para um povo que sempre fez o que quer e pensa que essa é a vontade de Deus. Eles chamam carros pequenos de “armadilhas de morte”. É incrível: se você não tem uma pick-up, você está correndo risco de vida ao dirigir um carro menor. Como se os carros se mexessem sozinhos, sem um motorista por trás. E como se fosse possível ter um mundo auto-sustentável com um país em que apenas 1% dos produtos comprados ainda é usado após seis meses de vida. Muitos americanos associam a cultura do desperdício ao American way of life.
Mas, felizmente, para cada membro da direita cristã que escreve que “Deus nunca disse que a escravidão de negros era errada”, e “Homossexualismo é como cuspir nos olhos de Deus”, existe algum americano mais liberal que vem com uma sacada dessas: “Eu acredito em Deus; é o fã-clube dele que me assusta”. Sem dúvida, trata-se de um país dividido, que nem o 4 de julho consegue unir.
Às vezes me parece difícil crer que os EUA, tão dependentes do petróleo e de um consumismo exagerado, ainda tenham alguma independência pra comemorar.O operário diz ao elefante, símbolo do Partido Republicano: “Não sou o cara mais liberal do mundo, mas é óbvio que vocês estão usando o casamento gay como uma manobra política barata”. O elefante responde: “Manobra política barata?! Você tá de gozação? Você não viu as faturas dos nossos consultores de campanha, viu?”