Vocação para o crescimento - MARCELO MITERHOF
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Vocação para o crescimento - MARCELO MITERHOF


FOLHA DE SP - 15/08

Crescimento, inclusão social e industrialização são faces de uma mesma vocação que o Brasil precisa atender


Gosto da palavra "vocação". Em sua acepção mais usual, quer dizer "ser talhado para algo". Mas sua etimologia indica um outro sentido original, o de atender a um chamado. A associação entre uma coisa e outra tem origem religiosa: vocação significa atender a um chamado interno, que revela a inclinação para o sacerdócio.

Um país continental e populoso, como o Brasil, que ainda tem renda média e mal distribuída, tem "vocação para o crescimento" porque crescer não apenas é algo que deve ser relativamente fácil de acontecer como também é um chamado que precisa ser atendido para transformá-lo num lugar melhor de viver.

A importância do crescimento foi tratada na coluna "Crescer é se desenvolver", de 11/10/2012. Hoje o objetivo é discutir as possibilidades e os limites desse objetivo.

Crescer deve ser fácil porque o Brasil depende primordialmente de seu mercado doméstico para colocar isso em prática. Basicamente, o gasto público --tanto em investimento em infraestrutura quanto em despesas correntes associadas ao estado de bem-estar social-- é capaz de promover um mecanismo de multiplicação da renda que gera demanda --por TVs, computadores e outros itens básicos do consumo moderno que nem sempre toda a população tem acesso-- e, por consequência, também empregos no setor privado.

Esse crescimento impulsiona o investimento, que faz a produtividade se elevar para fazer a produção atender ao maior nível de demanda, mesmo a pleno emprego. Conhecido como lei Kaldor-Verdoorn, tal mecanismo aponta a produtividade como variável pró-cíclica, isto é, aumenta como resultado do crescimento do PIB.

Isso não significa que o gasto público criou o moto-contínuo. Nos termos do xadrez, a moeda fiduciária (sem lastro) conferiu ao Estado o poder de "jogar com as brancas". Claro, o gasto público deve ser direcionado para itens que favoreçam os aumentos de produtividade, como para a infraestrutura, para o Estado de bem-estar social e para apoiar o sistema nacional de inovação.

Mais importante é que, num país em desenvolvimento, a autonomia do gasto público é particularmente poderosa porque a disponibilidade local e global de equipamentos e tecnologias mais eficientes que as utilizadas por grande parte de suas empresas torna mais fácil a obtenção dos ganhos de produtividade. Não à toa, a limitação ao crescimento, como historicamente aconteceu no Brasil, é dada pela disponibilidade de divisas internacionais necessárias para financiar os investimentos.

Porém, com o nível de reservas cambiais brasileiras, esse não é hoje um obstáculo tão grande, mesmo com o crescimento recente do deficit em transações correntes. O problema é que os mesmos estímulos que permitiram o acúmulo de reservas também levaram à apreciação do real, afetando a competitividade da indústria, que não tem absorvido plenamente os estímulos da formação do mercado de consumo massivo. A recente depreciação cambial deve ajudar a corrigir o problema.

Entretanto, um câmbio mais bem posicionado não é suficiente. O Brasil precisa retomar o processo de industrialização, investindo nos itens que mais geram deficit comerciais: química, bens de capital e tecnologias de informação e comunicação.

A tarefa é dura e envolve riscos. Empreendê-la não significa repetir exatamente o que foi feito no século 20. Por exemplo, o papel indutor do Estado seguirá relevante, mas com menor presença de estatais. Embora o mercado externo não vá ser o principal vetor do desenvolvimento, ele deve ter um papel mais atuante, pois é o melhor parâmetro de competitividade.

A industrialização brasileira no século 20 não foi totalmente bem-sucedida, pois o país não foi capaz de tornar autônomo seu desenvolvimento industrial, fazendo a inovação ser instrumento crucial da busca do lucro pelas empresas nacionais.

No entanto, houve, sim, transformação estrutural, o que é fundamental para a sustentação do crescimento e a geração de mais e melhores empregos.

Hoje, a novidade é que a inclusão social tem ajudado a resolver problemas que marcaram a industrialização no século, como os de escalas produtivas incompatíveis com tamanho do mercado interno.

Crescimento, inclusão social e industrialização são faces de uma mesma vocação que o Brasil precisa atender.




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